Nos altos do Bairro Santo Inácio, uma pequena barbearia funciona há 24 anos. Naquele sistema onde todo cliente que chega é atendido, os fregueses aguardam sua vez em ritmo de prosa. Dificilmente a espera dura mais do que 15 ou 20 minutos. É porque lá o barbeiro – de longa data – garante a agilidade. “Aqui o cliente é atendido rápido, ganha gelzinho no cabelo e volta para casa até com cheirinho de perfume”, brinca seu Alcido Soder, 67 anos.
Do outro lado da cidade, no Bairro Arroio Grande, o serviço, barba, cabelo e… estilo é prestado dentro de um contêiner. No espaço de oito metros quadrados, a trilha sonora é escolhida conforme o gosto do cliente. Na tarde dessa segunda-feira, era Bob Marley quem dava o ritmo para o corte degradê que Patrick Giovanella, 34, fazia na cabeleira de Matheus Pessoa Monteiro, 22. Só não pararam para tomar a cervejinha porque ainda era começo da semana. Mas se a história fosse na sexta, o clima seria diferente. “Entre quinta-feira e sábado, o pessoal já se solta. Fazem cabelo e barba e tomam uma geladinha para começar o fim de semana”, comenta o proprietário da Sr. Barão, Patrick Giovanella Mello.
De um lado, tradição, praticidade, preço bom e fidelidade. Do outro, estilo, tendência, ambiente moderno e descontração. Enquanto o velho hábito mantém os clientes nas barbearias mais antigas, o novo chama os mais jovens para um conceito diferente. E nesse ritmo, nem Soder, nem Giovanella se entendem como rivais. Clientela, segundo eles, é o que não falta. Não há por que brigar: todos têm espaço.
Publicidade
“Se vem cliente muito magro, busco cuca”
Com 24 anos de casa e 49 de experiência, Alcido Soder é prático. Segundo ele, os clientes retornam por um importante motivo. “É porque gostam do serviço.” Mas isso não é tudo. “Aqui tem papo bom e piada toda hora. E se vier um cliente muito magro, vou lá dentro e busco uma cuca para fazer um agrado”, afirma, todo solto.
Publicidade
Na barbearia de seu Soder, a freguesia ultrapassa gerações. É bebê de 1 ano a vovô de 90. Todos sentam na mesma cadeira e são atendidos com o mesmo tratamento. É nesse ritmo que ele enche o peito e escancara o orgulho ao enumerar o seu amplo leque de clientes. “Aqui já veio africano e japonês. Vem coronel, advogado, professor, agricultor, rico e pobre. E eu digo: ‘pode se sentar ali que eu já lhe atendo’”.
Com 67 anos de idade e 49 de experiência, Alcido Soder une a prática ao bom humor no seu salão.
Foto: Bruno Pedry
Já quem faz a barba tem direito a espiar um instrumento com mais de cem anos. Soder adaptou o cabo de uma navalha usada pelo pai com lâminas de barbear novas. A memória afetiva guardada nesse objeto também faz com que lembre de sua grande professora. No pequeno espaço onde garante já ter atendido até 42 clientes em um só dia, o barbeiro lembra com carinho dos ensinamentos repassados pela mãe.
Publicidade
Conforme ele, tudo o que sabe sobre corte de cabelos aprendeu com a matriarca, quando ainda tinha 18 anos. Mas foi a prática a sua segunda escola. “Antes de ter esse espaço (na Rua Dr. Ortemberg), eu trabalhava como auxiliar de produção em uma fábrica e atendia meus clientes à tardinha ou nos fins de semana. Depois, percebi que a barbearia traria meu sustento e me dediquei só para ela”.
Faz 16 anos que Soder se aposentou como barbeiro. E quem disse que ele pensa em se aquietar? “Eu não quero parar nunca. Se depender de mim, vou trabalhar até os meus 90 anos.” Talvez seja por isso que mantém os clientes fiéis à Barbearia Soder. Serviço feito com gosto é serviço benfeito. E com conversa boa, causos e algumas borrifadas do perfumezinho, aquele. “Mas se a mulher não gostar do cheiro, digo que não foi aqui”, brinca seu Soder.
“O homem está mais vaidoso”
Publicidade
Patrick Giovanella pode não ter a experiência de seu Soder, mas vontade e bom gosto não faltam para criar uma trajetória de conquistas na Sr. Barão. Com bagagem de três cursos e referências de barbearias visitadas em capitais como São Paulo e Porto Alegre, o novo empresário da cidade quer transformar o pequeno espaço instalado na Barão do Arroio Grande em um ambiente moderno, com qualidade no serviço. “Hoje o homem está mais vaidoso e já não se importa de ficar 40 minutos sentado numa cadeira enquanto o barbeiro faz um corte diferenciado ou estiliza a barba. Ele gosta de ser bem cuidado”, observa.
Mais do que uma barbearia, contêiner é espaço de descontração. Foto: Bruno Pedry.
De olho nesse mercado em ascensão, Giovanella largou a profissão de vendedor e músico e investiu no espaço com vistas ao conceito “Bar bearia”. Além da função barba-cabelo-bigode (e até sobrancelha, para quem preferir), oferece serviço de bar e já planeja instalar uma chopeira de cerveja artesanal. Para o verão, o plano é alocar mesas sobre o deck, na frente do contêiner. A ideia é que à tardinha, antes ou depois do visual já tratado, os clientes possam curtir uma happy hour.
Publicidade
Seja na companhia da cervejinha, do chimarrão, do café recém-passado ou mesmo de jornais e revistas, a regra da casa é descontrair. “O ambiente é novo, mas a essência do barbeiro permanece.” E tamanho é o clima de amizade que o freguês mais despojado pode fazer do violão pendurado na parede mais do que um objeto de decoração. O acesso ao instrumento é livre. E é aí que a cantoria pode rolar solta em uma nova geração de barbearia que vira refúgio masculino.