Antes de começar a ler este texto, entenda que nós chamaremos a entrevistada por seu nome espiritual: Sat Kriya Kaur. Trata-se de uma prática adotada especialmente por quem pratica yoga e meditação. O nome, geralmente escrito no idioma sânscrito, está relacionado ao desafio que a pessoa pretende cumprir na terra. Para Grace Bender Azambuja, a Sat Kriya Kaur, é um renascer. Tenha uma boa leitura.
Foi o vilarejo afastado na região do Punjab, norte da Índia, um dos lugares que mais tocaram a professora de yoga e meditação radicada em Santa Cruz do Sul, Sat Kriya Kaur, 34 anos. Longe dos estonteantes templos, o espaço escracha a (triste) realidade das mulheres que, abandonadas pelos maridos, criam seus filhos a míngua: sem água encanada, sem uma estrutura decente para morar e com pouco acesso à alimentação. O cenário de extrema pobreza não foi motivo para que as anfitriãs deixassem de ser carinhosas: recepcionaram muito bem grupo do qual Sat Kriya fazia parte e espalharam uma doçura que, segundo ela, foi única. “Hoje entendo por que a Índia é uma experiência poética forte, sentida crua na pele, e ao mesmo tempo tão afável e gentil”.
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Desde quando começou a ser praticante de Yoga, em 2009, Sat Kriya Kaur, vivia o desejo de conhecer o país oriental. Nove anos depois, ela decidiu que era hora de cumprir uma peregrinação espiritual ao lado de outros brasileiros, também professores de yoga. As primeiras impressões foram percebidas ainda no voo. De acordo com a nossa viajante, a poluição pode ser vista do alto, em uma espécie de camada acizentada que cobre a cidade de Nova Deli, capital da Índia. Quando aterrissa, o país dos contrastes começa a se mostrar logo no aeroporto, onde praticamente toda a estrutura recepciona os turistas com uma infinidade de tapetes coloridos. O segundo “baque” vem instantes depois. Não é de hoje que a Índia é conhecida por apresentar um trânsito completamente caótico. Em meio à cultura da buzina, carros circulam como se não existissem regras e ainda aprendem a dividir espaço com as vacas, animal sagrado por lá. “O mais impressionante é que eles parecem se “entender” nesse caos. Em um mês eu só presenciei um acidente”.
A peregrinação
Ao longo da jornada que totaliza cerca de um mês – ela retorna ao Brasil na próxima quinta-feira, dia 1° – Sat Kryia Kaur conheceu inúmeros templos e cidades, como Amritsar, uma das mais sagradas do mundo. Por lá não é permitido o consumo de álcool ou cigarro e a religião que predomina é sikhismo, com mais de 20 milhões de adeptos ao redor do mundo. O roteiro de Sat Kryia Kaur ainda incluiu uma paradinha em Dharamshala, cidade onde o líder espiritual Dalai Lama está exilado. “O maior ensinamento que fica ao ter essa vivência é perceber que tudo o que precisamos está dentro da gente. Aqui se experimenta isso na pele. É um magnetismo muito forte”.
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Na esteira de tantas experiências, a santa-cruzense cita a pluralidade de crenças presentes por lá – hinduismo, budismo, islamismo e o sikhismo – e a grandiosidade dos templos. “Visitei o templo dourado, todo construído em ouro, onde os peregrinos participam de cantos devocionais até de madrugada”. Na Índia, as pessoas só podem entrar nos templos descalças e, neste contexto, não importam as condições climáticas. Faça calor, faça frio (mesmo com o piso gelado), os visitantes são obrigados a ingressar sem os sapatos.
Comida apimentada, banho gelado
Em alguns lugares da Índia, especialmente em espaços públicos, não há privada, e as pessoas defecam em um buraco no chão com apoios para colocar os pés. Outra curiosidade é o banho. Lá essa prática é feita a base de balde e torneira. Apesar de ter a sensação de que não há coleta de lixo, a santa-cruzense comenta que nem nos mercadões encontrou sacolas de plástico. “Eles usam uma sacola feita a base de tecido biodegradável”. Na visão da viajante, uma das maiores dificuldades para quem não está acostumado com a pimenta é a comida. “Mesmo quem tem uma certa familiaridade com os temperos sente esse excesso”. Por outro lado, não se passa fome. “Em qualquer templo que você visita, vai receber muita comida”, vibra.
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Machismo impera
Difícil entender como um dos países mais espiritualizados do mundo ainda pode ser tão machista. Segundo Sat Kriya Kaur, salvo em grandes centros, não há mulheres que trabalham em serviços habituais, como comércio. Em compensação, para ganhar alguns trocados, são vistas a frente de serviços pesados, como no carregamento de pedras. “A história das mulheres por aqui me deixa com o coração apertado. É uma realidade muito dura”. Entre os fatos que mais mexeram com a santa-cruzense está cenário da prostituição. “Há relatos de que elas ganham apenas 10 rupias por relação. Se convertermos para o real, isso equivale a 0,50 centavos”. Em lugares ainda mais conservadores, há notícias de que as mulheres viúvas são queimadas.
“A frequência aqui é outra”
Um povo humilde e receptivo. É assim que Sat Kriya Kaur avalia a relação com os indianos desde que chegou no país asiático. “São pessoas lindas, dispostas a ajudar e com uma expressão muito forte”. Por ser o segundo país mais populoso do mundo – só perde para a China – ela afirma que é preciso aprender a lidar com a sensação de “caos”. Reforça, entretanto, que a experiência se torna muito mais intensa se o visitante aterrissa ao território desprovido “das lentes habituais”. “É uma viagem ao desconhecido, onde é preciso se permitir, sem julgamentos”.
E nesse contexto de imersão, onde busca conhecer in loco a história de práticas milenares como a yoga e a meditação, Sat Kriya Kaur avalia que a fusão entre ocidente e oriente seria o equilíbrio para os nossos tempos. “O ocidente se desenvolveu no sentido de cuidar dos recursos e buscar o conforto. Já o oriente, em especial a Índia, proporciona uma visão ampla da espiritualidade do ser. É um estado de êxtase e de devoção. A Índia tem muito a ensinar”.
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Fotos: arquivo pessoal