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Os pilas sumiram

O impasse e o dilema do futuro do Rio Grande do Sul

O Rio Grande do Sul chegou a um impasse e a um dilema extremos. O impasse é o de resolver a precariedade financeira do Estado diante de um quadro no qual os salários dos servidores são parcelados todos os meses, situação reveladora de severa crise. O dilema é o de dar pesadas contrapartidas à União em contexto no qual, se o governo não aderir ao regime de recuperação fiscal proposto pelo governo federal, o rombo financeiro tende a ir a R$ 3,4 bilhões neste ano.

O governo, neste momento, tenta evitar a ameaça concreta de que, até dezembro, seus recursos sejam suficientes apenas para pagar cobranças de liminares judiciais e compromissos constitucionais, tais como os da saúde e dos duodécimos, as verbas repassadas para os outros poderes sem levar em conta a queda nas finanças. Deixariam de ser pagos, além dos salários em dia, merenda e transporte escolar, combustíveis para veículos da Brigada Militar e conservação de estradas. Seria a virtual paralisação do Estado.

A situação teve um limite escancarado quando o governo pagou apenas R$ 350,00 aos servidores no início deste mês. O governador José Ivo Sartori (PMDB) diz que, para quitar os salários, a adesão ao regime de recuperação fiscal se faz necessária.

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Alívio imediato

A questão é que o alívio seria imediato, mas o custo a longo prazo seria alto. Qual o alívio imediato? O Estado deixaria de pagar em três anos R$ 9,5 bilhões na quitação da dívida com a União e poderia contrair empréstimos superiores a R$ 3 bilhões. E o custo? Passados três anos, seria necessário pagar os R$ 9,5 bilhões acrescidos de R$ 1 bilhão, perfazendo um total de R$ 10,5 bilhões.

Nesse meio-tempo, entre outras medidas drásticas previstas para se adequar às exigências da União, haveria a prorrogação do aumento nas alíquotas do ICMS para além de 2018 (o prazo inicial), a venda de empresas públicas como a CEEE, a Companhia Rio-Grandense de Mineração (CRM), federalizações de outras empresas estaduais e o congelamento de salários e contratações de servidores até 2020. Essas medidas deveriam ser aprovadas pela Assembleia. As privatizações dependeriam da realização de plebiscito que, por sua vez, requer anuência legislativa. A resistência a esse “corte na carne” é grande, no entanto.

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O deputado estadual oposicionista Pedro Ruas (PSOL), dando o tom de quem resiste a essas medidas, arrisca-se até em uma espécie de paródia rural: “É a lenda do homem que, acossado pelo frio, queima toda sua lenha para se aquecer e, sem contar com mais nenhuma, passa a queimar seus móveis e, finalmente, sua própria casa, ficando ao desabrigo e vindo a morrer de frio”.

Especialista em finanças públicas, o economista Darcy Francisco Carvalho dos Santos diz que o Estado acumula deficits, crescentemente, há pelo menos duas décadas. “Desde 2012 afirmo que o Estado vinha concedendo reajustes salariais generalizados, muitos deles justíssimos, mas sem a consistência financeira para serem honrados”, diz ele, ressalvando que, no governo anterior, foram usados R$ 7 bilhões dos depósitos judiciais e isso estabelece a atual “encruzilhada”, como ele define.

Santos estima que, caso o governo não recorra ao regime de recuperação da União, os deficits anuais serão de R$ 5 bilhões já em 2018 e os salários terão dois meses de atraso. Questionado se é a melhor solução, ele indica um paradoxo: pode não ser o melhor dos caminhos a trilhar, mas só ele evitará o pior dos destinos, que é o Estado quebrado.

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As causas

Por que se chegou a essa situação? O economista Darcy Francisco Carvalho dos Santos diz que, “além da crise histórica e da queda da arrecadação”, há o “crescimento desmesurado da folha de pagamentos”.

O inchaço da folha é mesmo uma realidade. Em 2010, ela era de R$ 13,4 bilhões. Quatro anos depois, em 2014, era de R$ 21,6 bilhões. No ano passado, atingiu os R$ 25,3 bilhões. De 2011 a 2014, a folha cresceu R$ 8,2 bilhões nominalmente, portanto. O percentual foi de 61%, o que equivale a 2,3 vezes a inflação no mesmo período. E a receita do Estado cresceu apenas 40%.

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“Para cada R$ 2 de incremento da receita, houve R$ 3 de crescimento da folha”, simplifica Santos, assegurando que “se a folha de pagamentos tivesse sido reajustada pela inflação acumulada, iria a R$ 20,3 bilhões em 2016, ficando R$ 5 bilhões a menos” que os R$ 25,3 bilhões de 2016. Com isso, diz o especialista, não haveria os atuais parcelamentos.

Para atenuar a crise no exercício anterior, o governo fechou o ano passado com fontes de arrecadação extras. O secretário da Fazenda, Giovane Feltes, cita a venda da folha de pagamentos para o Banrisul (R$ 1,27 bilhão), o acordo judicial com a Ford (R$ 216 milhões), o programa federal de repatriação de ativos no Exterior (R$ 148 milhões) e um segundo repasse do Fundo de Apoio às Exportações (R$ 130,8 milhões). O próprio Feltes, porém, depois de elencar tais medidas extraordinárias, fez a ressalva: “Essas fontes alternativas vão minguando. Não temos como vender novamente a folha”.

Só R$ 350

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Neste mês de setembro, o governo conseguiu quitar a folha de pagamentos referente a agosto apenas no dia 13, depois de ter feito o primeiro depósito de míseros R$ 350,00, em 31 de agosto. A preocupação é que, sem recursos, ocorra a sobreposição entre as folhas de dois meses. Um marco preocupante foi quebrado: pela primeira vez, a defasagem de recursos para o pagamento dos salários do funcionalismo superou o marco de R$ 1 bilhão.

De especialistas alinhados com a oposição vêm severas críticas e a recomendação de que a metodologia deveria ser diversa, sem atrasos salariais. “O problema não é de folha, é de receita”, contesta o ex-vice-presidente do Banrisul e ex-ministro do Desenvolvimento Agrário Guilherme Cassel, auditor fiscal aposentado. “O que não se pergunta é se os funcionários ganham bem e se são suficientes. Na verdade, faltam funcionários, e os que existem ganham pouco. Deve-se valorizar o setor público. Quando se tem menos setor público, há menos saúde pública, educação pública. Não dá para destruir o serviço público”, sustenta Cassel.

O auditor aposentado explica a situação sob o argumento de que a força da economia gaúcha está no setor primário destinado às exportações, e não na indústria. Sendo assim, não há geração de ICMS, o imposto estadual por excelência. A solução, além da busca de um pacto federativo que estabelece maior justiça fiscal, está, conforme Cassel, no aprimoramento da máquina arrecadadora e no uso do fluxo de caixa para não deixar o servidor sem salários. “Dessa forma, dá para evitar o atraso nos salários”, assegura Cassel, que acrescenta: “O governo Sartori anunciou o caos, quando o papel do governo é evitar que o caos ocorra. Ao anunciar, você dá o recado para os pagadores, e a arrecadação é descuidada. É muito importante fazer a máquina arrecadadora funcionar. Não estão fazendo isso”.

AS DESPESAS EXECUTADAS

Dados da Controladoria e Auditoria-Geral do Estado (Cage) apontam que, no primeiro semestre deste ano, as despesas do Executivo chegaram a R$ 30,6 bilhões. No mesmo período do ano passado, a conta foi de R$ 28,3 bilhões e, no primeiro semestre de 2015, de R$ 26,1 bilhões. Os reajustes salariais concedidos de
forma escalonada a servidores da segurança ainda no governo de Tarso Genro (PT) são apontados como um dos principais motivos desse crescimento. Em maio deste ano, os reajustes variaram de 4,8% a 9,7%. Além disso, a expectativa de mudança no regime de previdência fez mais servidores buscarem a aposentadoria.

QUANTO FALTOU?

O gráfico que ilustra esta reportagem de uma ponta a outra mostra quanto faltou para o governo do Estado
quitar os salários em dia, mês a mês. Foi em janeiro de 2016 a última vez que o Palácio Piratini conseguiu depositar a folha de forma integral na conta do funcionalismo. O maior rombo, superior a R$ 1 bilhão, foi no início deste mês, relativo à folha de agosto.

PARA O ANO QUE VEM

Orçamentária Anual (LOA) prevendo deficit de R$ 6,9 bilhões para o ano que vem. O rombo desconsidera a liminar do Supremo que suspende o pagamento da dívida com a União. Se o mérito for julgado e a suspensão mantida, o deficit cai para R$ 3 bilhões em 2018. A exemplo dos anos anteriores, o Piratini prevê o congelamento nos gastos de custeio de todos os poderes. A exceção é a área da segurança pública, que terá

Por que nada adianta?

Pedro Garcia
[email protected]

A questão fiscal foi trazida ao centro da agenda do Estado com a chegada de José Ivo Sartori ao governo, em 2015. Desde então, houve enxugamento de estruturas, cortes de cargos, congelamento de salários, aumento de impostos e pouquíssimos investimentos. Difícil compreender, então, como após dois anos e meio de austeridade, as finanças do Rio Grande do Sul seguem afundando.

A resposta é simples: a situação é profunda e estrutural, e as medidas adotadas até agora, ainda que duras, apenas amenizam, mas não atingem o problema na sua origem. Na prática, a crise só não alcançou mais cedo esse nível dramático – a ponto de o Estado correr o risco real de não conseguir pagar os salários do funcionalismo antes do fechamento da folha seguinte – graças a fontes extraordinárias de receitas, que agora se esgotaram.

A histórica combinação de endividamento alto, crescente rombo previdenciário e sucessivos deficits orçamentários criou um enrosco que não será desfeito tão fácil. Enquanto o Estado gastar bem mais do que arrecada, a bomba permanecerá armada para explodir a qualquer momento no colo dos servidores e da sociedade. 

É por isso que o acordo de recuperação fiscal com a União é urgente – embora também seja uma medida paliativa. Resta saber como este governo e os próximos vão gerir esse caos sem mexer em direitos adquiridos ou levar a cabo medidas que enfrentam muita resistência, como privatizações. Seja como for, tudo indica que a pindaíba segue longe de acabar.

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