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Agronegócio

Especial | Lavoura de soja, safra de milhões

Produtores de 24 municípios do Vale do Rio Pardo e Centro-Serra devem colher nesta safra mais de 608 mil toneladas de soja cultivadas em cerca de 200 mil hectares. Numa conta simples, isso significa que em torno de R$ 648,7 milhões devem irrigar a economia, fazendo pulsar uma nova teia de negócios, que impulsiona toda uma cadeia na região e envolve o principal produto do agronegócio gaúcho. Para ter uma ideia da importância, o orçamento de Santa Cruz do Sul de 2017 está previsto em R$ 454,5 milhões.

Rio Pardo é o epicentro desse novo cenário. No início dos anos 2000 chegaram ao município os primeiros forasteiros, vindos de regiões tradicionais no cultivo da soja, como o Planalto Médio, Noroeste Colonial e Alto Jacuí em busca do relevo convidativo e o baixo preço da terra, usada até então apenas para pecuária e lavouras de arroz. O sucesso dos pioneiros despertou a atenção de amigos e parentes, que seguiram o mesmo rumo. O resultado dessa onda migratória se traduz em quase 60 mil hectares da oleaginosa plantados no município para esta safra.

O desempenho positivo reverberou imediatamente nos municípios vizinhos com matriz econômica semelhante: Pantano Grande e Encruzilhada do Sul. Esta última é considerada o novo eldorado dos plantadores de soja no Estado (foto acima). O imenso território faz com que seja um dos últimos lugares com terra agricultável e ainda considerada “barata”. Assim como em Rio Pardo, os forasteiros puxam a frente. Em 2014 eram 12 mil hectares cultivados e a expectativa para esta safra é de 35 mil.

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O agricultor Luís Carlos Tonelli é um exemplo clássico deste novo momento agrícola. Natural de Selbach, na região Noroeste, ele vendeu os 8 hectares que possuía e comprou uma área seis vezes maior em Encruzilhada do Sul, distante 300 metros da RSC-471. Ele arrenda mais 350 hectares de vizinhos e assim consegue volume de produção. “Andei por todo Estado vendo preços, custos e optei por aqui. No início foi difícil. Era muito toco. Tivemos que preparar toda a área. Não tinha nada de estrutura. Hoje estamos bem. Agora comprei mais 30 hectares”, diz ele, fazendo questão de enfatizar: “eu tô bem contente aqui”.

A felicidade também se explica pela valorização da terra. “Em 2013, quando eu cheguei aqui, o preço médio do hectare próximo do asfalto era de R$ 6 mil. Hoje estão falando em R$ 25 mil. Fiz um baita negócio”, diz, projetando novas ampliações. O mercado de arrendamento também alcançou patamares elevados. Em alguns casos, chegou a 12 sacas de soja por hectare, quando a média é de oito em tradicionais regiões produtoras.

O assistente técnico regional na área de grãos da Emater/RSAscar, Josemar Parise, explica que este avanço da soja deve continuar enquanto o mercado seguir aquecido. A safra deste ano está prevista como uma das melhores dos últimos tempos para os gaúchos. “As áreas de pecuária são as mais visadas pelos produtores. E assim deve continuar. Em muitos casos, é possível consorciar a soja com a pastagem de inverno para o gado. A única ressalva é ao pequeno produtor rural. Uma aposta única na soja pode ser perigosa. É preciso diversificar”, alerta.

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Procura por terras cresce na região

Um bom parâmetro sobre o aumento da procura por área de terras em Encruzilhada é o Cartório de Registro de Imóveis do município. O registrador designado Leandro da Silveira Souza, que atua há 27 anos no órgão, confirma que o movimento tem sido frenético se comparado a tempos atrás. “É nítido o incremento. Aqui houve uma elevação de valor, mas ainda é barato, se comparado a outros pontos do Estado. Compra-se aqui uma boa área de terra com preço de R$ 20 mil o hectare. Enquanto noutras regiões tradicionais, o valor alcança os R$ 100 mil.”

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NÚMEROS

– Área no Vale do Rio Pardo e Centro-Serra: 202.709 hectares

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– Média de produtividade no Estado: 50 sacas por hectare

– Estimativa de colheita: 608.127 toneladas

– Preço médio saca de soja 60kg: R$ 64,00

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– Estimativa de faturamento: R$ 648,66 milhões

 

 

Escoamento da safra preocupa produtores

O presidente do Sindicato Rural de Rio Pardo, Ramiro Pereira Rêgo, vê com bons olhos a ampliação da área de soja. Segundo ele, “mudou completamente a dinâmica do agronegócio em Rio Pardo”. Afirma que a atividade pecuária até diminuiu, mas não na mesma proporção com que a soja ampliou sua participação. “Ou seja, há uma união das duas atividades”, argumenta. No entanto, ele coloca como ponto crítico o transporte do grão pelas estradas vicinais, o que é um problema em praticamente todos os municípios com grande extensão territorial. “Compramos máquinas de alta tecnologia, investimos. E depois há um prejuízo com o escoamento.”

O secretário da agricultura de Rio Pardo, Mauro Cunha, garante que os cuidados com as vias são prioridade neste início de gestão. “Temos a colheita do arroz logo em seguida. Este é um assunto que nos preocupa, tanto que já iniciamos os primeiros trabalhos de reparação”, comenta.

 

Crise. Que crise?

A trajetória do empresário Fernando Fischer traduz a relação da soja com o Vale do Rio Pardo. Natural de Passo do Sobrado, em 2003 ele tinha 23 anos e morava em Ibirubá, quando recebeu o convite de uma fábrica de implementos agrícolas para montar uma concessionária com assistência técnica aos equipamentos em Rio Pardo, já que a empresa percebeu a migração de alguns produtores para a região. Aceitou a proposta e começou o empreendimento sozinho. Em 14 anos, junto com um sócio, viu seu faturamento aumentar em 500%, triplicou a área física e hoje emprega seis pessoas.

A expectativa é de que dentro de dois anos sejam dez colaboradores no empreendimento, envolvidos na comercialização e assistência de cerca de 50 tipos de equipamentos e mais de mil itens ligados à cultura da soja. “A tecnologia para o setor não para. É diferente da pecuária, por exemplo”, observa.

 

O exemplo de Cachoeira do Sul

A cidade que já foi a Capital do Arroz hoje vê a soja como a base de sua matriz produtiva. Dos mais de 60 engenhos do cereal que faziam pulsar a economia local, sobraram apenas três. Em compensação, a área de soja alcançou incríveis 140 mil hectares. É a segunda maior área do Rio Grande do Sul, atrás apenas de Tupanciretã.

O ápice dessa metamorfose se deu nos últimos quatro anos. O relevo de fácil manejo e a fartura de água à beira do Rio Jacuí foram alguns dos fatores que despertaram o interesse de “forasteiros”, vindos de regiões tradicionais no cultivo, como o Planalto Médio e a Fronteira-Noroeste. “Nos preocupa um pouco a questão da monocultura, mas hoje já se percebe que há uma diversificação. Há propriedades com arroz, soja, gado”, explica o presidente do Sindicato Rural, Paulo Schwab.

 

Soja é importante, mas é o tabaco que faz bem

O presidente do Sindicato Rural de Candelária, Mauro Flores, é um entusiasta quanto aos cerca de 17 mil hectares de soja no município, que têm tido um aumento de produtividade constante e hoje alcançam uma média de 56 sacas por hectare, superior em cerca de 12% ao índice estadual. Porém, segundo ele, o fluxo de recursos provenientes das lavouras é diferente das plantações tabaco. “O fumicultor gasta o dinheiro na cidade, o que torna a cultura soberana aqui no nosso município. No caso da soja, vai muito dinheiro para outros municípios, já que não temos concessionárias de tratores ou mesmo automóveis aqui”, exemplifica.

Flores ressalta que a área de tabaco em Candelária é de aproximadamente 7,6 mil hectares, com média de 2.250 quilos por hectare. Estimativas apontam que Candelária tem cerca de 3 mil produtores de tabaco e 280 ligados à soja.

 

Consultor prevê que Rio Pardo vai atingir 80 mil hectares de cultivo

O consultor em agronegócios e ex-prefeito de Rio Pardo, Fernando Schwanke, acredita que as paisagens com imensas lavouras esverdeadas devem continuar se alastrando pelo território do município nos próximos anos. “Em 1997, há 20 anos, Rio Pardo plantava mil hectares de soja. Hoje há estimativas de até 70 mil hectares. Tranquilamente, nos próximos anos, esse número avançará. Estimo que Rio Pardo alcance os 80 mil hectares de soja”, diz.

Schwanke concorda com o presidente do Sindicato Rural de Rio Pardo, Ramiro Pereira Rêgo, que a soja não pode ser vista como uma inimiga da pecuária. Ao lembrar que Rio Pardo tinha 120 mil hectares de pecuária, explica que essa área pode ter diminuído, mas não há perda de produtividade, já que a aveia e o azevém são semeados como culturas de inverno para o gado. Essa prática gerou um novo mercado: a terminação do gado para abate.

Com fartura de pastagens de qualidade plantadas após a soja, criadores de outras regiões trazem os animais a municípios como Rio Pardo e Cachoeira do Sul. “A pecuária se tornou muito eficiente. Até bem pouco tempo, um bovino ficava quatro ou cinco anos na propriedade para alcançar 600 quilos. Hoje, em um ano, ele alcança 400 quilos.

Sobre projeções, o consultor chama a atenção a dois aspectos. O primeiro deles é a possibilidade de ganho com a consolidação de uma cultura de inverno, ressaltando que o Rio Grande do Sul importou quase R$ 2 bilhões em milho de outros estados para fabricação de ração para suínos e aves. “Há um imenso mercado para plantação de trigo voltado para essa finalidade.” O segundo ponto levantado por Schwanke é a oscilação do mercado. “É preciso ter cuidado com a euforia, não criar endividamento de longo prazo. Já tivemos ciclos assim. O desenvolvimento de plantações de soja na África deve influenciar a cotação no mercado internacional nos próximos anos”, alerta.

 

 

Governo estadual monitora o avanço

A expansão exponencial da cultura da soja é monitorada pelo governo estadual e vista com certa preocupação. Técnicos das principais secretarias estaduais envolvidas com a questão acompanham o avanço da oleaginosa, principalmente nas regiões do Vale do Rio Pardo, Campanha, Fronteira-Oeste e Alto-Camaquã, onde a pecuária bovina de corte e a ovinocultura já estão sendo afetadas, com redução de área e rebanho, já que os valores de arrendamento estão muito elevados.

O titular da pasta de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia, Fábio Branco, vê riscos ao agronegócio gaúcho. “Não podemos colocar todos os ovos no mesmo cesto. Precisamos criar alternativas. A silvicultura, a olivicultura nos mostram isso ao serem consorciadas com a pecuária ou com ovinos, por exemplo.”

Ciente de que não é possível inibir e ir contra o mercado, Branco acredita que o Rio Grande do Sul precisa agregar valor ao produto. “Nós vamos criar um mapeamento para encontrar maneiras de industrializar a nossa matéria-prima”, afirma.

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