O professor e pesquisador Josmar de Oliveira Reyes é um entusiasta do cinema. Como tal, preocupa-se com a formação de um público que, mais do que assistir a filmes, tenha discernimento para assimilar a importância de tais obras para a aquisição de conhecimento.
Em seu livro A adaptação literária, que acaba de ser lançado, ao lado da investigação acadêmica em torno de duas produções, A Hora da Estrela, com direção de Susana Amaral, e Noites do Sertão, dirigido por Carlos Alberto Prates Correia, busca inspirar no leitor o prazer de apreciar bons filmes. E, naturalmente, considerando a transposição para as telas de grandes obras literárias, igualmente dignas de leitura.
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É a missão de vida assumida por um porto-alegrense que se fixou com a família em Santa Cruz do Sul quando era menino. Após uma passagem de quatro anos por Bagé, voltaram a Santa Cruz, e então veio com eles a dona Dilma, que considera como uma segunda mãe. Hoje, radicado em Porto Alegre e lecionando na Unisinos, vem com frequência a Santa Cruz para rever o pai, seu José Theóphilo, bem como dona Dilma e seus muitos amigos. Confira a entrevista.
ENTREVISTA – Josmar de Oliveira Reyes, professor universitário e pesquisador
- Magazine – Foram os livros que inicialmente motivaram a pesquisa realizada pelo senhor, ou foram os filmes? Curiosamente, o que veio em primeiro lugar nesse caso foram os filmes. Porque tinha visto os dois filmes, ainda na década de 80, e me interessei muito por eles. Depois fui em busca dos textos literários, que até aquele momento não tinha lido. Conhecia outras obras dos autores, mas não esses dois, A hora da estrela e o conto “Buriti”, que é a origem do filme Noites do Sertão. O ponto inicial foi uma retrospectiva de filmes brasileiros na primeira época em que morei em Paris, de 1984 a 1986; houve uma retrospectiva de cinema brasileiro no Centro Jorge Pompidou, com um catálogo de 300 filmes brasileiros, organizada pela Embaixada do Brasil. Naquela ocasião é que descobri essa dimensão, essa perspectiva extensa e aberta da produção cinematográfica brasileira. Uma coisa me chamou a atenção e é algo que foi o estopim da construção do meu projeto, e, mesmo depois, quando defendi a tese, fiz questão de ratificar isso. A minha pergunta inicial era: por que os franceses têm a possibilidade, o direito de assistir a uma retrospectiva, um panorama do cinema brasileiro, e nós, brasileiros, não temos isso?
- Ou seja, a pesquisa apontava também para uma lacuna… Na verdade, o mote da minha pesquisa foi essa curiosidade e um grande questionamento sobre cultura e identidade cultural no Brasil. Eu já partia dessa hipótese na ocasião, e isso se reforçou cada vez mais, do que a gente vem a chamar de síndrome de vira-lata, de quanto a gente menospreza a cultura brasileira e a qualidade dela. Continuo escutando algumas pessoas afirmarem, até em redes sociais, que cinema brasileiro é uma porcaria. As pessoas não conhecem, mas já tacharam preconceituosamente de que não vale a pena. E, no entanto, me dei conta, já desde os anos 80, de quanto o cinema brasileiro é bom. Há duas coisas atreladas aí, sobre meu interesse: primeiro, essa curiosidade de quanto a gente menospreza e, consequentemente, de quanto a gente está alheio à cultura brasileira.
- O interesse do senhor era tanto por cinema quanto por literatura? Quando fiz meu projeto de pesquisa de doutorado, e que submeti primeiro ao Canadá e depois à Sorbonne, eu tinha essa noção, esse conhecimento felizmente amplo da produção do cinema brasileiro. Comecei a minha vida cultural nos anos 80, superjovem, querendo conhecer e desbravar o mundo, e ali fui descobrindo a produção daquele momento. Já tinha essa consciência: uma filmografia tão interessante, contemporânea a quem estava vivendo, e eu ia falar com as pessoas e elas desconheciam. E desconheciam também porque muitos filmes sequer iam para as telas, ficavam inéditos.
- Como ocorreu a definição dos dois textos e filmes? No começo eu tinha cem filmes produzidos por ano, e fui percebendo coisas extraordinárias em termos de adaptação, mas precisava fazer uma triagem. Mesmo sendo uma tese de doutorado, não poderia estender demais. Optei por trabalhar com um texto mais longo, a novela da Clarice, e aí entra a questão literária, ainda com um conto, no caso, Guimarães Rosa. Pensei também num texto dramático, e seria uma peça do Mario Prata, Besame Mucho. Mas no desenvolvimento da tese me dei conta de que era um corpus muito extenso. Então restringi a escolha a Clarice e Guimarães e me dei conta de que trazia para uma pesquisa dois cânones da literatura brasileira. Isso foi um trunfo da minha parte, pois, como sou oriundo das Letras, tinha familiaridade não só com o texto literário mas com os estudos de literatura.
- O que levou o senhor a esse gosto pelo cinema? Sempre tive interesse por cinema. Na verdade, não estudei antes cinema porque não existiam faculdades sobre isso no Brasil, e nem pesquisa a respeito, por isso fui para a França fazer o doutorado. O processo da paixão pelo cinema é muito curioso. Acho que surgiu na minha infância, quando, nos domingos à tarde, em Santa Cruz, tinha-se o hábito de ir para as sessões, para as matinês, do Cine Apollo. Eu era muito pequeno, não era nem alfabetizado ainda, e Santa Cruz era igualmente uma cidade pequena, facilmente a gente saía de casa a pé e ia até o cinema, a poucas quadras. Todo domingo o programa eram as matinês, assistir aos dois filmes da tarde. E assim fui me habituando a ir ao cinema. Só que surgiu na infância como divertimento. Depois fomos para Bagé e continuei vendo filmes, lá já havia quatro salas de cinema. Mas de fato tomei ciência de que o cinema me interessava em particular quando fui estudar em Porto Alegre, com 17 anos, e me lembro do prazer de chegar à Capital e poder ver a estreia do Fanny e Alexander, do Bergman, ou a de Esse Obscuro Objeto do Desejo, do Buñuel, e assim virei o que a gente chama de rato de cinema.
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