Em Monte Alverne, na propriedade de Liane Maria Rech, 51 anos, a diversificação é lei. Na horta onde produz alface, repolho, salsinha e até um pomar de framboesa, a agricultora aproveita a bagagem de cursos feitos ao longo dos últimos anos e utiliza novas técnicas para aprimorar a produção.
Para evitar a presença das moscas, por exemplo, conserva um pé de manjericão. O cheiro, segundo ela, afasta os insetos que podem prejudicar a plantação. As cascas de ovo próximas do repolho também configuram uma técnica do conhecimento popular que deixa bem longe as pragas. Já na estufa onde planta moranguinho, rabanete e beterraba, usa adubo orgânico. Todos esses macetes a agricultora aprendeu com o suporte da Cooperativa Mista dos Fumicultores do Brasil. (Cooperfumos). “É um apoio muito importante. Qualquer ajuda que o colono recebe vem bem”, diz.
Desde 2004 em Santa Cruz do Sul, a entidade presta assistência técnica aos agricultores de regiões como Vale do Rio Pardo, Centro-Serra, Sul e Litoral Norte. Por meio de chamadas públicas, busca diversificar a cadeia produtiva do tabaco desenvolvendo projetos que levam apoio e, sobretudo, empoderamento ao agricultor. “Nossa intenção não é fazer uma ruptura, mas buscar que os produtores tenham alternativas de renda além do tabaco”, explica o engenheiro agrícola e presidente da Cooperfumos, Miqueli Schiavon. É nesse ritmo que nos últimos dois anos, a cooperativa, através do chamado Programa Camponês, distribuiu 35 mil mudas de árvores (entre florestais, nativas e frutíferas), 2,5 mil toneladas de pó de rocha (para recuperação de solo), mil toneladas de adubos orgânicos e 40 mil sachês de sementes de hortaliças, além de 70 estufas para a produção de hortaliças, entre outros.
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A produção agroecológica também configura uma preocupação latente da entidade. É de olho nesse modelo que os projetos oferecem formações dentro e fora da propriedade, além de visitas in loco, para manter os agrotóxicos longe da lavoura. “Hoje esses agricultores atendidos sabem, por exemplo, que podem usar os próprios resíduos da propriedade para fazer insumo. Também entendem que se plantarem mais de uma cultura na mesma horta, a produção poderá crescer melhor e mais forte”, explica Schiavon.
Segundo balanço feito pela equipe da cooperativa, pelo menos 75% das famílias atendidas nos últimos projetos de atuação passaram a ter produção diversificada de alimento nas propriedades. “Cansamos de visitar famílias rurais que já não tinham mais horta, nem pomares. Era uma situação que beirava a tristeza”, lembra o engenheiro bioquímico Célio Seidel Júnior.
Segundo ele, depois que os produtores passam a compreender a importância da diversificação não só para a renda, mas para a qualidade de vida, a mudança é imediata. “Essa transformação vai muito além do campo econômico. Ela proporciona autoestima, traz saúde e bem-estar. Muda o ritmo de vida nas propriedades e ainda protagoniza o trabalho do jovem no campo, questão crucial para o futuro da agricultura”, acrescenta.
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Schiavon, Eboni, Seidel e Pisoni integram a equipe da Cooperfumos (Foto: Bruno Pedry)
Depois da estufa, morangos viram tortas
Quase cinco anos após associar-se à Cooperfumos, Liane Maria Rech colhe os frutos da parceria. Além de já ter participado de cursos de adubo orgânico, fertilizantes, conserva, geleia e até licor, a agricultora vibra mesmo é com a estufa, recebida pelo Programa Camponês. Em meados de 2015, ela pagou 40% do valor e o programa subsidiou o restante. Hoje, a principal produção na estrutura é o moranguinho, fruto que vira matéria-prima para outra delícia: as tortas.
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“Há muitos anos fiz um curso de doces e fui aprimorando. Hoje, recebo encomendas e utilizo os meus moranguinhos. Esses, eu conheço, são de qualidade”, comenta, orgulhosa. Outro ganho proporcionado pela entidade à produtora foram os cursos que ela mesma ministra. A convite da cooperativa, ela já deu curso de tortas a centenas de agricultores. “Assim, conheci muitas pessoas e fiz muitos contatos. Sem dúvida é um apoio e uma assistência que fizeram toda a diferença.”
A Cooperfumos
Localizada nas proximidades do Autódromo de Santa Cruz, a Cooperfumos se concentra em uma área concedida pela Prefeitura ainda em 2007. No complexo de 41 hectares, operam três agroindústrias (cachaça, melado e processamento de frutas e hortaliças), laboratório de plantas medicinais, biblioteca, refeitório, cozinha, auditório e alojamento para 45 pessoas em períodos de formação. Parte do espaço também é cedido, por meio de contrato, para a empresa Granol, que mantém silos de armazenagem e secagem de grãos. A cooperativa também conta com uma unidade de beneficiamento de sementes em Encruzilhada do Sul.
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Segundo o coordenador de projetos, Fabiano Pisoni, o último trabalho de fôlego da cooperativa encerrou em 30 de junho. Batizado de Menos Tabaco Mais Alimento: agricultura sustentável para diversificar o tabaco, voltado para a diversificação das propriedades produtoras de tabaco em 15 municípios do Vale do Rio Pardo e Centro Serra, atendeu 1.840 famílias. Agora a equipe está em fase de tratativas com a Secretaria Especial da Agricultura Familiar e Desenvolvimento Agrário para mais um contrato de três anos. A previsão é que uma nova chamada pública por intermédio da Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater), seja lançado até outubro deste ano. “Todos os esforços estão concentrados para concorrer a este novo edital, a fim de dar continuidade ao trabalho desenvolvido desde 2012”, finaliza Pisoni.
Outra aposta, conforme o coordenador administrativo, Alex Felipe Eboni, é a criação de uma plataforma digital, onde a comunidade poderá ter acesso à produção agroecológica dos agricultores associados. A ideia é que o site, que ainda está em fase de testes, funcione como uma feira virtual.
Vender a produção ainda é um desafio
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Para o fiscal da Secretaria Especial da Agricultura Familiar e Desenvolvimento Agrário, Rodrigo Gonçalo de Souza, encarregado de visitar famílias atendidas pela Cooperfumos, a diversificação valoriza o trabalho do agricultor e aumenta o ânimo nas propriedades. “São novos horizontes que se abrem para as famílias”.
Porém, ainda há desafios na hora de diversificar. “Muitos comentam que ainda não têm canais de escoamento para comercializar os produtos.” Entre as possíveis soluções citadas por Souza está a parceria entre agricultores e escolas na aquisição de alimentação escolar. “É também uma questão pedagógica para os alunos.”
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