Até parece que elas se esgueiraram pelas nossas costas com seus sapatos com saltos de 25 centímetros, plumas e vestidos de paetês. Usando perucas coloridas e volumosas, maquiagens chamativas e muito, mas muito glitter, as drag queens deixaram de ser artistas do underground para chegar ao topo da cultura pop.
De onde elas surgiram é difícil definir, mas o nome “drag queen” data do início do século 20. Alguns consideram que a designação vem das peças teatrais do período shakeapeariano, quando mulheres eram proibidas de atuar e homens tomavam seu lugar com roupas femininas. Assim, tal período também pode ter influenciado no nome dessa arte. Dizem que, em suas anotações, Shakespeare descrevia algumas personagens femininas como Dr.A.G., ou dressed as a girl (vestido como mulher), para orientar os atores sobre o figurino que deviam usar. Dali, a forma de incorporar uma persona feminina teria evoluído herdando o acrônimo.
A forma de arte, definida inicialmente por um homem que se veste de mulher para se apresentar, livrou-se há muito tempo desse caráter reducionista. Na atualidade, um artista precisa dominar corte, costura, maquiagem, humor, atuação, dança, canto, dublagem, além de uma infinidade de outros talentos para ser visto como drag.
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A cultura pode ser considerada revolucionária, mas não apenas esteticamente. Várias drag queens foram parte fundamental da Rebelião de Stonewall, manifestações violentas da comunidade gay de Nova York contra uma invasão da polícia em um bar em 1969. Os levantes de 28 de junho são considerados o evento mais importante do movimento moderno de liberação gay, e por isso, a data foi escolhida para celebrar o orgulho LGBT. Hoje em dia, paradas são organizadas em vários países. No Brasil, São Paulo tem hoje o maior evento desse tipo no mundo.
Da atmosfera retratada no documentário Paris is Burning, dirigido por Jennie Livingston, que mostra o desenvolvimento da cultura dos desfiles e apresentação no subúrbio nova-iorquino, às obras de Divine no cinema cult com Pink Flamingos; passando pelo clássico Priscilla, a Rainha do Deserto, que ganhou o Oscar de figurino e gerou uma forte renovação da cena drag pelo mundo, essa forma de arte sempre se reinventa.
Nos últimos anos, o advento do reality show RuPaul’s Drag Race (leia no box abaixo) se transformou em um forte aspecto da vida LGBT+ moderna, com as artistas ganhando milhares de seguidores nas redes sociais, participando de desfiles de moda, filmes e programas de televisão. A cultura drag apresenta uma variedade infinita de personagens e se espalha pelo mundo oferecendo uma mensagem de aceitação e amor próprio muito importante para os jovens.
A presença no Brasil de personagens como Vera Verão, drag de Jorge Lafond, e da humorista Nany People abriram caminho para uma nova geração de performers. As cantoras Pabllo Vittar, Lorelay Fox, Lia Clark, Mia Badgyal, Kaya Conky, Aretuza Lovi, Gloria Groove e Butantan, além do surgimento dos reality shows Drag me as a Queen, de Rita von Hunty, Penelopy Jean e Ikaro Kadoshi, e Academia de Drags, com Silvetty Montilla e Alexia Twister, são os mais novos exemplos de como essa arte está presente e deve perdurar, sempre se renovando.
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O Legado de RuPaul
RuPaul Charles nasceu nos Estados Unidos e se tornou nos anos 1990 uma das drag queens de maior expressividade naquele país. Com aparições em clubes e boates, o artista construiu sua persona em videoclipes, e aparições em programas de televisão, mas construiu aos poucos as bases de uma carreira sólida no entretenimento.
Destacando-se por não se importar em ser chamado de “ele” ou “ela” – quando o certo, em se tratando de drag queens, é sempre se referir no feminino –, RuPaul fez parte da lista de 100 pessoas mais influentes do mundo da revista Time. O caminho para se tornar a drag mais famosa do mundo veio com o seu aclamado reality, RuPaul’s Drag Race, competição onde os concorrentes se enfrentam em provas artísticas e de moda para serem nomeadas a melhor drag queen dos Estados Unidos. Sabendo se vender, Ru lançou músicas, clipes, produtos com a sua marca, livros e criou recentemente uma convenção nacional de drag queens.
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A influência do programa lançado em 2009, que mostra os dramas pessoais vividos pelas artistas a cada temporada, ainda é difícil de medir. Tornou-se um dos mais assistidos nos Estados Unidos e conquista mais fãs pelo mundo a cada ano, difundindo as expressões únicas dessa forma de arte, e já rendeu um Emmy de melhor apresentador a RuPaul. Prova da influência duradoura do Drag Race como sustentáculo de pessoas LGBT+ nos EUA é que a vencedora da última edição do reality, Aquaria, assistiu ao programa aos 9 anos de idade.
Arte que chega ao Estado
Apesar de não possuir uma cena consolidada em Santa Cruz do Sul, a arte drag já não passa despercebida por aqui. Na cidade, o escritor Jack Wink, de 24 anos, assumiu sua inclinação para o meio artístico com Hanna Harley. Trabalhando como DJ, montado como a personagem, ele agita as festas no interior e na Capital. “Por mais que no fundo eu quisesse isso, ser artista e me expressar artisticamente, de alguma forma, eu jamais imaginaria que a Hanna hoje pagaria minhas contas.”
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Inspirado por RuPaul’s Drag Race, Dionathan Santos, de 26 anos, conta que o programa o deixou consciente do que é ser drag. “Eu fiquei meio pasmo, em ver como tantos homens esquisitos se tornavam mulheres maravilhosas com cintas e maquiagem pesada no rosto. A importância dessas descobertas pra mim foi perceber que a imagem estética que temos é tão mutável como nosso comportamento.” Assim surgiu Sophia Real, uma persona com Síndrome de Peter Pan.
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O lajeadense Gabriel Ramos, de 21 anos, vive desde 2016 Maory Pursuit. Segundo ele, a drag ainda é recente mas já foi bem aceita no meio. “Querendo ou não, ainda é um tabu muito grande a ser quebrado, mas estamos aí para mostrar que Drag chegou pra ficar e revolucionar o meio LGBT.”
Todos concordam que as dificuldades de criar uma cena na região ainda são muito grandes, por ser uma arte cara e que exige muito treino e aprendizado. “As dificuldades para se montar ainda existem, já que produtos, maquiagem, roupas, peruca são artigos extremamente caros e exigem uma administração financeira bem grande. Mas particularmente eu gosto de ver a evolução de minha arte ao longo do tempo, até porque não é fácil para nenhuma das drag queens no começo da carreira”, conta Jack.
Dionathan completa: “A gente vê a drag toda montada e linda, mas não enxerga o trabalho e o esforço por trás daquilo tudo. A técnica, o dinheiro investido, a dor no pé por causa do salto, o grampo apertando a peruca na cabeça, a cinta esmagando a cintura pra poder ter um corpo mais feminino. A dedicação é intensa pra parecer bem feito, e esse esforço dificilmente é reconhecido, tanto no retorno com os elogios das pessoas quanto no retorno financeiro, já que em Santa Cruz não há ainda um espaço que realmente valorize e dê oportunidade a essa arte”.
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