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CENTRO-SERRA

Comunidade de Lagoa Bonita do Sul sequer cogita voltar a ser distrito

Foto: Rafaelly Machado

O município do Centro-Serra já pertenceu a Sobradinho e hoje conta com moderno prédio da Prefeitura

Os 2.970 habitantes de Lagoa Bonita do Sul foram surpreendidos com a notícia, na última semana, de que o município corre o risco de voltar a ser distrito de Sobradinho, do qual se desmembrou em 1996. O motivo é uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que declarou inconstitucionais leis do Rio Grande do Sul que viabilizaram a emancipação de diversas localidades na década de 1990.

A população nem cogita o retorno ao patamar de distrito. Professora da escola municipal e da estadual, Aline Rabuske, de 38 anos, é de Arroio do Tigre e mudou-se para Lagoa Bonita do Sul em 2002, após ter passado em um concurso. Ela mantém contato com diversas pessoas e não ouviu ninguém favorável a uma anulação da emancipação. “Gosto de viver aqui, sou orgulhosa do município. Estamos nos desenvolvendo muito, em todas as áreas. Basta ouvir relatos de quem vivia aqui antes da emancipação. Não há comparação. A comunidade é bem atendida”, destaca.

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Ilceu Carvalho, de 43 anos, é natural de Linha Condutor. Passou 25 anos fora e decidiu retornar em 2021 para empreender, após ter perdido o emprego de garçom em Santa Cruz do Sul. Ele abriu um mercado e uma loja de roupas e já está projetando uma fábrica de chinelos. Por meio do comércio, teve oportunidade de negócios no município. “O desenvolvimento é muito grande. São vários estabelecimentos atualmente. O dinheiro circula e a economia está fortalecida. Lagoa Bonita praticamente não depende de outros municípios”, salienta.

Desenvolvimento é visível

Um orgulho para o município é o Centro Administrativo inaugurado em abril de 2018, durante a gestão de Gilnei Arlindo Luchese. O prédio custou R$ 1,13 milhão, financiado pelo Badesul. O desenvolvimento da zona urbana é visível. A arrecadação aumentou em mais de 3%, mesmo durante a pandemia. O calçamento das ruas chega a 32 mil metros quadrados. A folha de pagamento do funcionalismo atinge, no máximo, 44% do orçamento. As estradas do interior são patroladas a cada dois meses e o maquinário serve os agricultores. Praticamente todas as residências contam com abastecimento de água da Corsan. O comércio e a prestação de serviços têm variedade. Na saúde, o atendimento é realizado por quatro médicos e há um projeto para construção de um novo posto de saúde. O Parque da Lagoa é o local de eventos e serve como área de lazer. O que falta é o acesso asfáltico até Passa Sete, um trecho de 6 quilômetros com as demarcações realizadas.

Para o prefeito Luiz Francisco Fagundes, o momento é de tranquilizar a população. Nenhuma determinação foi enviada pelo STF ou qualquer outro órgão até o momento. Ele trabalha ao lado da Confederação Nacional de Municípios (CNM) e da Federação das Associações dos Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs) no debate sobre o tema. “Em duas décadas, cada gestor que passou pela Prefeitura contribuiu para o nível de desenvolvimento que temos hoje. A população sofreria muito se Lagoa Bonita voltasse a ser distrito. Faltaria estrutura e oportunidades para a população, pela maior dependência que teríamos”, comenta.

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Prefeito Luiz Francisco Fagundes salienta evolução e fortalecimento em duas décadas | Foto: Rafaelly Machado

Ex-prefeito, Luchese frisa que o município não possui dívidas e está em expansão, como pode exemplificar a foto aérea tirada no ano passado e que decora o gabinete do prefeito. “Eu tenho um supermercado, estou investindo R$ 300 mil em reformas. O comércio e os serviços geram empregos. Temos agência dos Correios, agências bancárias e agência lotérica. O fortalecimento do município gera novos negócios. Antes, não tinha posto de gasolina, por exemplo.”

De acordo com a diretora de Administração, Jaqueline Machado Melchior, um esclarecimento maior deveria ser divulgado pela mídia. “O voto do relator (Roberto) Barroso foi no dia 27 de agosto e publicado no dia 4 de setembro. Somente depois saiu uma reportagem colocando vários municípios no mesmo barco do que ocorreu em Pinto Bandeira. Gerou um impacto negativo. O prefeito está recebendo ligações e dando entrevistas desde a sexta-feira passada”, disse. “Nos emancipamos em 1996 e a legislação foi alterada depois. Essa divulgação foi uma irresponsabilidade. Nosso jurídico já se informou. Estou tranquila nessa questão. Não vamos voltar a ser distrito”, complementou.

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Vice-prefeito e secretário de Saúde e Desenvolvimento Humano, Leonir Vicente Francesquet aponta a dificuldade de administração dos municípios com áreas extensas. Para ele, aplicar os recursos da forma correta é mais fácil em territórios menores. “Conhecemos praticamente todas as pessoas. Se a gente tivesse uma má condução administrativa e intrigas políticas, poderiam olhar de outra forma. Mas não temos isso. Temos projetos para sempre atender a população de forma adequada”, observou. Além de um possível êxodo, principalmente da população rural, o regresso ao nível de distrito reduziria a aplicação de recursos de emendas parlamentares na localidade e não haveria a verba oriunda do Fundo de Participação dos Municípios (FPM).

Entenda a discussão

O Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília, declarou inconstitucionais três leis estaduais que permitiram a emancipação de 30 municípios no Rio Grande do Sul. Assim, as cidades devem voltar a ser distritos, segundo a decisão. O STF entendeu que os municípios não cumpriam todo o regramento. A sessão que avaliou o caso ocorreu no dia 3 deste mês, mas a publicação da decisão foi no dia 8.

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O procurador-geral do Estado, Eduardo Cunha da Costa, afirma que a decisão não muda a situação dos municípios emancipados. Segundo o chefe da PGE, a emenda 57, de 2008, garantiu a emancipação de cidades criadas antes de 2006. Em nota assinada pelo presidente Paulo Ziulkoski, a Confederação Nacional de Municípios (CNM) citou a mesma emenda. Segundo a entidade, “a decisão não torna inválidas as leis de criação de 29 municípios gaúchos cuja emancipação ocorreu na década de 90”.

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O presidente da Federação das Associações dos Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs), Eduardo Bonotto, ressalta que essas cidades já têm estrutura própria e ficariam prejudicadas se transformadas em distritos. Coordenador-geral da Famurs, Salmo Dias de Oliveira concedeu entrevista à Rádio Gazeta. “Os municípios são os maiores prestadores de serviços à população. Somos contra qualquer ação que tenha consequências negativas para os municípios. As emancipações ocorrem justamente para um melhor atendimento da comunidade”, destacou.

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O processo, movido pela Procuradoria Geral da República (PGR), é a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.711, que tramita desde 2012 no STF. São contestadas as leis estaduais 10.790 (1996) e 9.070 e 9.089 (as duas de 1990), que davam independência aos municípios. Segundo o STF, “é inconstitucional lei estadual que permita a criação, incorporação, fusão e desmembramento de municípios sem a adição prévia das leis federais previstas no art. 18, inciso 4, da Constituição Federal de 1988, com redação dada pela emenda constitucional 15/1996”.

Inaugurado em 2018 ao custo de R$ 1,13 milhão, prédio do Centro Administrativo é motivo de orgulho para Lagoa Bonita do Sul | Foto: Rafaelly Machado

Famurs instala câmara temática

Durante encontro com gestores municipais na última quarta-feira, o presidente da Famurs e prefeito de São Borja, Eduardo Bonotto, lançou a primeira câmara temática voltada para defesa dos pequenos municípios gaúchos. Sendo uma das bandeiras da gestão, as câmaras temáticas têm o objetivo de discutir e promover o desenvolvimento econômico e social das regiões e municípios, por meio de um plano de desenvolvimento setorizado, além de defender os interesses municipalistas.

O lançamento foi realizado em encontro para tratar dos efeitos da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.711, que mobilizou prefeitos, vices e representantes de 30 municípios do Rio Grande do Sul que podem ser afetados pela decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo o presidente Bonotto, o grupo dará suporte não só aos municípios presentes, mas a todos os 226 municípios gaúchos que podem ser extintos por causa do Projeto de Emenda à Constituição (PEC) 188/2019, que prevê a extinção de municípios com menos de 5 mil habitantes e arrecadação inferior a 10% da receita total.

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Em sua fala, Bonotto destacou que a câmara temática também tem o objetivo de estar mais próxima dos municípios e suas realidades, além de fazer com que a Famurs cumpra a sua função institucional, que é defender os municípios e os cidadãos. “A defesa será de todos. Como digo, o trabalho será realizado independente de posicionamento político e partidário e da linha que seguimos nas nossas cidades. Temos a responsabilidade de discutir de forma democrática e respeitando bandeiras”, afirmou. “Teremos a possibilidade de trabalhar em conjunto neste movimento positivo, que vem para ser um grande parceiro nas mobilizações referentes a pautas que tramitam em níveis federal – em conjunto com a Confederação Nacional de Municípios – e estadual”, explicou.

Além da Câmara Temática dos Pequenos Municípios, a gestão de Eduardo Bonotto deve criar grupos de trabalhos para tratar de temas como turismo, acesso asfáltico, telefonia e internet, previdências municipais, regionalização da saúde, hospitais de pequeno porte, educação, empreendedorismo e municípios atingidos por barragens, dentre outros temas.

Processo de emancipação

Em 1991, Lagoa Bonita era distrito de Sobradinho. Por apresentar condições favoráveis de desenvolvimento, foi criada a primeira comissão emancipacionista, mas sem êxito na ocasião. Mais tarde, em 1995, outra comissão foi instituída e conseguiu atingir o objetivo.

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Oficialmente, o município foi emancipado em 16 de abril de 1996, por meio da lei estadual 10.758. O governador da época, Antônio Britto, recorreu posicionando-se contrário e o processo emancipatório ficou em tramitação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em 1º de outubro de 2000, foi autorizada a primeira eleição municipal de Lagoa Bonita do Sul.

O nome “Lagoa Bonita” se deve à existência de uma lagoa chamada Lagoa da Raia, pelo fato de uma cancha reta para carreiras de cavalos iniciar dentro do que seria a lagoa, nos períodos de seca. Em 1928, a localidade de Lagoa da Raia passou a ser denominada de Lagoa Bonita.

Foto: Rafaelly Machado

Heitor Schuch propõe criação de subcomissão

O deputado federal Heitor Schuch (PSB/RS) solicitou a criação de uma Subcomissão Especial na Câmara para tratar da situação dos municípios em risco de extinção e suas consequências. O pedido, apresentado junto à Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público, foi motivado pela recente decisão do Supremo Tribunal Federal e pela Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 188, do Senado Federal, que versam sobre esse tema. “É preciso pensar nos prejuízos para as pessoas que vivem nessas localidades e que perderão escolas, unidades básicas de saúde, hospitais, escritórios de assistência técnica, agências bancárias, sindicatos, Brigada Militar e cartório, dentre outros serviços essenciais. Sem falar na desvalorização dos imóveis rurais e urbanos”, alerta o parlamentar.

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Para Schuch, no caso da PEC, existe um grande equívoco no que diz respeito à forma de cálculo das receitas próprias do município, que fica limitada apenas ao ISS, IPTU e ITBI, desconsiderando receitas como as oriundas do ICMS da produção gerada. Se o ICMS fosse agregado, afirma, a maioria atingiria o limite mínimo de receita própria estipulada, de 10%. “Também é necessário pensar nas populações dos municípios incorporadores, que igualmente serão afetadas porque terão que estender os seus já precários serviços, em especial no setor de saúde, para as populações dos municípios incorporados, quando mal têm capacidade de minimamente atender os seus”, finaliza.

Principais pontos da polêmica

  • O STF declarou inconstitucional uma lei gaúcha de 2010 que permitiu a emancipação e a instalação de municípios no Rio Grande do Sul.
  • Essa legislação agora anulada substituiu, a partir de 2010, outras normas mais antigas que validavam a existência de 29 prefeituras instaladas em 1992 e 1996.
  • Os efeitos da decisão do STF não são claros, mas Famurs e PGE afirmam não haver risco de extinção dos municípios e retorno à condição de distrito em razão de uma emenda constitucional de 2008. Políticos preparam recurso ao STF para esclarecer a sentença.
  • A Emenda Constitucional 57/2008 amparou a legalidade dos municípios criados até 31 de dezembro de 2006. Ou seja, as 29 prefeituras gaúchas estão reconhecidas por esse dispositivo.
  • Apenas Pinto Bandeira tem situação diferente. O município foi instalado em janeiro de 2013. A Famurs argumenta que a localidade está abrigada na emenda constitucional porque sua emancipação é resultado de discussão judicial iniciada em 2001.

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