Quando Rafael Piccolotto de Lima tinha seis anos, ele adorava ir na casa de uma tia que tocava piano. “Ficava fascinado vendo a partitura e aquilo se transformando em música”, conta, brincando que essa foi sua primeira experiência como compositor.
“Me deram um papel pautado – não sabia nada o que estava escrevendo -, mas achava que estava escrevendo música”, diz, rindo. “Claro, estava só colocando bolinha no papel, mas minha tia, com muita sensibilidade, pegava e tocava, não necessariamente o que eu tinha escrito – mas eu achava que era”. E assim ele “brincava” de músico até os 13 anos, quando passou a frequentar um programa extracurricular na escola tocando trompete.
“Existia essa vontade e interesse desde pequenininho”, diz o jovem compositor e regente, que agora, aos 30 anos, não toca profissionalmente mais nenhum instrumento. “Hoje meu instrumento são outras pessoas. Eu componho, dirijo, rejo e produzo.” Ele acaba de completar doutorado em composição de jazz na Universidade de Miami e ser pré-selecionado em 5 categorias para o Grammy norte-americano com o novo CD Pelos Ares, de Rafael Piccolotto de Lima e Orquestra Urbana, e sua composição Samba de Proveta.
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As indicações serão divulgadas dia 6 de dezembro. O brasileiro espera ser uma delas. “Sinceramente, tenho muito orgulho desse CD”, diz, com confiança, mas humildade e muita simpatia. A Orquestra Urbana é um grupo de músicos de São Paulo que se uniram para tocar as composições de Rafael. “Conheci alguns [dos músicos] na universidade, Unicamp, que eram de uma geração acima da minha”, conta. “Comecei a produzir as coisas aqui [nos EUA], coloquei na internet, e esses músicos no Brasil viram, e falaram: ‘Que bacana, a gente pode fazer alguma coisa junto'”.
A primeira apresentação foi em Campinas, onde Rafael nasceu, cresceu, estudou e morou até os 25 anos, antes de se mudar para Miami. “O show foi super legal, os músicos adoraram e falamos: ‘Precisamos continuar esse projeto’. Mandamos para a Secretaria de Cultura, o Proac [Programa de Ação Cultural] aprovou o projeto e gravamos o CD – “é um grupo que só existe quando estou lá”. Mas “lá” está ficando cada vez mais longe. Sua próxima parada: Nova York, a “capital do jazz”.
Depois de 5 anos estudando e se aperfeiçoando como compositor e maestro em Miami, o campineiro foi escolhido para participar de um programa da BMI (Broadcast Music, Inc.) – BMI Jazz Composers Workshop – junto a um seleto grupo de músicos internacionais.
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A BMI, reconhecida como uma das principais referências de recolhimento de direitos autorais da música nos Estados Unidos, oferece um programa de workshops de composição de jazz com os melhores profissionais da área. É uma oportunidade única para receber críticas construtivas de grandes nomes, discutir o trabalho e no final de um ano apresentá-lo ao público.
“É uma honra. Para mim, isso é a porta de entrada em Nova York”, diz Rafael, o único brasileiro selecionado entre muitos candidatos de vários países. “Quero entrar nesse meio, das orquestras, das ‘big bands’, dos musicais e trilhas de cinema. E quero levar a música brasileira comigo”.
Andy Farber, diretor musical do programa, comentou que ficou muito bem impressionado com o “senso de melodia” de Rafael. “Sua música tem alma e expressão e é um prazer de escutar”, disse o grande compositor e saxofonista, que aprecia muito a música brasileira. “Não sou especialista na música brasileira, mas sou um grande fã de músicos como Hermeto Pascoal, Tom Jobim, Cyro Baptista, João Gilberto, Romero Lubambo e outros”.
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Rafael diz que se vê um pouco no Tom Jobim, que morou muitos anos em Nova York e se tornou imortal com sua música e carreira mundial. Coincidência ou não, a primeira nomeação de Rafael ao Grammy Latino foi em 2013, aos 27 anos, na categoria de Composição Erudita Contemporânea com a “Abertura Jobiniana”, um tributo a Tom Jobim, criado para o Bossa Nova Sinfônico, um projeto do casal de músicos brasileiros Rose Max & Ramatis, sediados em Miami.
“Antes de ser conhecido, antes de virar o Jobim que a gente conhece hoje, ele era compositor de música clássica. Morou nos EUA, e chegou a escrever músicas para musicais no Brasil, fez obras sinfônicas, peças clássicas para piano”, diz Rafael, que escreveu sua tese de doutorado falando dos gêneros musicais – e “como as barreiras e linhas divisórias entre eles não são claras”.
“Se você pegar [a música] Insensatez, a harmonia é praticamente idêntica a um prelúdio de Chopin, uma certa homenagem dele [Tom Jobim] a Chopin. Na hora que a gente pensa que uma figura icônica do Brasil, que é o Tom Jobim da música popular brasileira, tem um pé na música clássica, a gente começa a questionar realmente até onde é música clássica, até onde é Bossa Nova”.
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Rafael diz que segue três matrizes que se mesclam na sua criação e criatividade: a música clássica, o jazz e a música brasileira. “O que é o jazz? A mistura da música clássica com as matrizes rítmicas africanas. O que é o samba? A mesma coisa”, diz o compositor/regente, que também adora dançar forró e não perde a oportunidade toda vez que vai ao Brasil.
O músico tem como objetivo vencer todas as barreiras musicais, principalmente com seu público. “A arte é atemporal – muitas pessoas não foram reconhecidas no seu tempo, só depois que morreram, mas eu quero conseguir conectar com as pessoas enquanto estou vivo, então vou fazer arte da maneira que eu acredito – e que acredito que é o melhor que eu posso fazer”, diz.
“Jobim é uma das poucas pessoas no Brasil que conseguiu fazer uma música que atinge a grande população sem deixar a qualidade de lado. Ele conseguiu tocar as pessoas ao mesmo tempo que não deixava de lado a riqueza das harmonias e arranjos dele”.
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Hoje essa é uma das principais metas de Rafael Piccolotto de Lima, que lançou recentemente um blog visual, “vlog”, com essa finalidade, de se aproximar mais do seu público. “Hoje, até tenho gasto mais energia nisso do que na minha música, tentando entender e criar ferramentas para quebrar um pouco essas barreiras”, diz o jovem compositor, que teme apenas uma coisa: “ser medíocre”. “O que eu não quero na minha vida é ter que aceitar trabalho ruim para pagar a conta”.
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