A coluna Fora de Pauta, como o nome sugere, foi concebida para abordar assuntos que fogem à rotina noticiosa. Inaugurado há duas semanas, é um espaço para textos leves, para relatos pitorescos e bem-humorados, para divagações e histórias que visam proporcionar uma leitura mais descontraída e alegre – o que vem bem a calhar no fim de semana.
Portanto, trata-se do lugar ideal também para os causos da Ágatha e dos irmãos, o que me permite atender aos pedidos inflamados, quase ameaçadores, de leitores que exigem saber das últimas estripulias da nossa caçula e demais integrantes da prole. Com isso, posso atender a essas exigências de consciência tranquila, oficialmente liberto dos rigores da pauta jornalística.
Dessa forma, não abordarei aqui a soltura do Lula, nem o estranho susto que o governo do Estado deu ao anunciar o fim do parcelamento do IPVA (para logo voltar atrás), tampouco a enxurrada de problemas causada pelo excesso de chuvas – o que, a essa altura do campeonato, já é chover no molhado. Tratarei de outra complicada questão, que vem desafiando as crianças lá em casa: como parar o carro do picolé?
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Quem mora nos bairros sabe que a chegada do calorzinho da primavera, em meados de outubro, traz consigo a volta dos carros do picolé. Equipados com alto-falantes colados ao teto ou capô com fita crepe, eles anunciam o produto com uma propaganda tão poderosa quanto a música do Flautista de Hamelin, capaz de atrair crianças de todas as direções: “são seis picolés de frutas ou cinco picolés cremosos por apenas R$ 2,50. É só fazer um sinalzinho que o carro vai parar”.
Os mais sofisticados têm até trilha sonora. A festa costuma ir até a metade de dezembro, quando os dias ficam mais quentes e os carros param de operar, sob risco de os picolés derreterem nas caixas de isopor que lotam os bancos dos caroneiros.
Porém, na nossa rua começou a circular um carro do picolé novo, possante, que passa rápido demais. Quando as crianças escutam o anúncio com poderes mágicos, correm até o portão, mas então já é tarde – fruuummm, o carro se foi. Não dá tempo nem de anotar a placa.
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Diante da situação, a ardilosa Ágatha passou a elaborar planos mirabolantes para fazer o picolezeiro parar:
Plano A – Atravessar uma corda de um lado a outro da rua.
– Eu fico segurando de um lado e a Yasmin do outro. Quando ele passar, levantamos a corda – explicou a caçula. Mas Yasmin alertou para o elevado risco de acidente, e o plano foi logo abortado, obrigando a traquinas a pensar em outro.
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Plano B – Colocar obstáculos na rua, forçando o motorista a reduzir a marcha.
– Quando ele diminuir a velocidade, um de nós pula para dentro do carro pela janela, compra os picolés e salta para fora – Ágatha detalhou aos irmãos. Porém, faltaram voluntários para a perigosa acrobacia.
Plano C – Simular uma blitz.
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– Vamos nos vestir como policiais, usar placas de PARE e mandar o motorista encostar.
Desta vez, porém, quem retrucou fui eu.
– Nem pensar, dona Ágatha. Passar-se pela polícia é crime!
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Com a chegada dos dias chuvosos, o carro não apareceu mais e a caçula deixou de tocar no assunto. Mas tenho certeza: ela está tramando mais algum plano para a volta do carro do picolé. Convém, portanto, ficarmos de olho.