Num sábado recente, a funcionária pública colombiana Paula López, 37, se esparramou no sofá de casa e começou a assistir à série “Narcos”. A experiência, porém, não passou de alguns minutos. “Deu preguiça ver de novo essa temática relacionada ao que vivenciamos até os anos 1990. E quando apareceu um Pablo Escobar falando com falso sotaque colombiano, aí desliguei e fui fazer outra coisa”, diz Paula, numa referência à fala do brasileiro Wagner Moura no papel do lendário narcotraficante.
O sentimento de Paula ecoa a pálida acolhida que “Narcos” obteve na Colômbia, conforme a reportagem observou numa recente estadia de dez dias em Bogotá. Dois fatores parecem explicar o malogro: O primeiro é uma espécie de saturação ambiente -que ficou clara em conversas com dezenas de colombianos de diferentes idades e meios sociais- com o tema dos cartéis da droga retratados na série.
O segundo é a baixa penetração do Netflix, único suporte de divulgação da produção. A empresa se recusa a divulgar índices de penetração por país, mas é palpável a baixa notoriedade do serviço comparado com o Brasil. Pouquíssimas vezes os interlocutores consultados pelo repórter sabiam o que era “Narcos.”
Publicidade
Na maior parte dos casos, as pessoas pensavam que a pergunta se referia a “Escobar, El Patrón del Mal”, novela nacional divulgada em 2012 com boa aceitação do público e da crítica, mas que parece ter esgotado o que restava do interesse local pelo tema. Entre aqueles que viram “Narcos”, muitos dizem ter sentido algum incômodo, apesar de elogios quase unânimes à qualidade técnica da produção.
“É uma série feita e financiada por americanos, e isso se reflete numa narrativa que mostra os gringos como os únicos inteligentes e bons, enquanto os colombianos são corruptos e maus. Isso me doeu”, diz Camila Loboguerrero, conhecida diretora e roteirista.
Fã de séries, o telefonista Francisco Pérez, 33, tampouco se deixou conquistar: “É uma narrativa voltada para o público estrangeiro. Para mim, que sou colombiano e sei o que foram aqueles anos, não cola”. Pepe Sánchez, veterano diretor de séries e novelas locais, atribuiu a pouca receptividade à resistência dos colombianos a ver o tema tratado por estrangeiros. “Pablo Escobar é um patrimônio sacralizado para muita gente. E quando se toca num ícone, surge o incômodo”, afirma.
Publicidade
Além do sotaque de Wagner Moura, causa desconforto o fato de muitos dos atores nativos em castelhano terem pronúncia claramente não-colombiana. “Não consigo entrar na história quando vejo a mãe de Pablo Escobar falando com sotaque do Chile”, diz Loboguerrero, numa referência à atriz chilena Paulína Garcia.
ELOGIOS
Nada disso foi suficiente para afetar a opinião da escritora e colunista Carolina Sanín, admiradora declarada de “Narcos.” “Wagner Moura é um ator consciente que fez uma grande descoberta dramática ao imaginar um Escobar com essa mistura de irremediável melancolia e insensibilidade cortante”, afirma Sanín.
Publicidade
Ela qualifica de “brilhante” a mistura de acentos e diz que isso reflete a falta de territorialidade da droga e do contrabando. “É uma obra para TV que questiona, algo que, no caso da Colômbia, é novidade.”