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Com música de ‘amor real’, Baco Exu do Blues se coloca no topo do novo rap

No centro da mesa de madeira de pernas bambas, encostada na parede de um bar de esquina na Vila Madalena, dois copos do tipo americano e uma garrafa de cerveja (da única marca restante naquela virada de quarta para quinta-feira de dezembro). Nenhuma taça ali. Sorte delas. Ali estava Diogo Moncorvo, de nome artístico Baco Exu do Blues. Ele e sua trupe se chamam de “os quebra-taças”. Sentado, o rapper descansa. Da festa de fim de ano da plataforma de música por streaming Deezer até ali foram quase 30 minutos de caminhada pelas ruas do bairro paulistano. Sorvia goles rápidos da cerveja gelada e, vez ou outra, buscava com os olhos a presença da namorada, sempre por perto. 

Baco Exu do Blues se tornou o rapper do ano no Brasil por causa de algumas taças quebradas. Culpa, na verdade, de Te Amo, Disgraça – o título da música é escrito dessa forma, mesmo, com a grafia incorreta -, uma das músicas mais sensuais e apaixonadas lançadas pelo rap em 2017. Nela, Baco canta o que ele diz ser “um amor real”, de um casal que bebe vinho, quebra algumas taças, transa pela casa e divide os maços de cigarro. Na apresentação daquela noite, encerrada pela polícia por causa do volume alto que vinha das caixas de som a céu aberto depois das 23h, a namorada dele dançou na frente do rapper durante a execução dessa música.

“É uma faixa que coloca homem e mulher no mesmo patamar. É carnal. É uma realidade crua”, avalia ele, sobre a chamada por “canção do ano” por muitos críticos por aí. “Muita gente tem medo de admitir que os relacionamentos também são falhos. Tem gente que coloca máscaras, quer mostrar uma vidinha perfeita na internet. Não admite que briga, que sente ciúme. Canto, ali, sobre a realidade de um casal.” Ele decreta, e ri: “A pessoa precisa ser muito idiota para não ter vivido pelo menos duas das situações dessa música”.

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A força de Baco Exu do Blues e seu disco Esú, lançado neste ano, está na capacidade de entender a falha. De ver a rachadura, suas próprias questões a serem resolvidas, e seguir em frente. Esú, a estreia do rapper, é um álbum nascido em um momento de pós-depressão. Depois de Sulicídio, uma música na qual reivindicava atenção para o rap produzido pelo nordeste, Baco se viu como o “anti-herói”, como ele diz. Fez um disco com aquilo que “o público queria”, conta. “Mas joguei tudo fora”, completa, em busca do copo de cerveja já vazio e da garrafa para enchê-lo. Fez, sem querer, uma pausa dramática. “Era um disco cheio de frases de efeito, de ‘eu sou f…’. Deixei para lá porque não era eu. Não conseguiria subir no palco para fazer aquilo. Comecei de novo.” 

En Tu Mira é o momento mais denso de Esú, no qual Baco narra, num grito desesperado, o momento sombrio vivido por ele. “Isso é um pedido de socorro. Vocês estão me aplaudindo e eu estou me matando”, canta na música. Logo que lançou Esú, em setembro, recebeu um e-mail de um garoto do Sul do País que pensava em tirar a própria vida. Com a namorada, buscou a família e pessoas próximas do guri para ajudá-lo. “Isso me deixou assustado, foi um choque”, lembra. “A mensagem do disco é que o positivo vence o negativo. “A saída da angústia é a autoestima.” 

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O que o rapper narra, no seu disco, é a teoria dele da existência de uma divindade dentro de cada um de nós. “Somos como os deuses”, ele explica, “a diferença é que a gente tem a liberdade de errar, de sermos imperfeitos. Eles, não. Eles erram, pecam, mas não podem admitir isso.” 

Filho de uma professora de letras e literatura e de um mestre de tai chi chuan, Baco viveu os primeiros sete anos em Alagoinhas, município a 100 km da capital do estado. Foi quando mudou-se para Salvador para morar com os avós maternos. “Foi quando descobri a televisão, quando vi prédios pela primeira vez”, ele relembra. “Meu pai foi um dos precursores do tai chi na Bahia, tinha discípulos. E, por ser filho dele, eu sempre tive de viver com a expectativa que criavam sobre mim”, ele explica. 

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Diogo, o garoto que começou a escrever poemas para disfarçar o problema de dicção, ironicamente é agora é Baco Exu do Blues. E segue seu próprio rumo. No mês de dezembro, passou 9 dias em Salvador, onde mora até hoje. No resto, viajou pelo País, de Natal a São Paulo, fez shows. Diminuiu o álcool e fuma no máximo quatro cigarros em dias de descanso. “Não acho que tenho o disco mais técnico”, ele avalia. “Mas tenho o disco com mais emoção” Ele é interrompido pelo som de vidro espatifando no chão da calçada. Ele olha rápido. Não era uma taça. E sorri, satisfeito

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo. 

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