A mudança de rotina e as restrições impostas pela pandemia do novo coronavírus são enfrentadas por todas as famílias. Com a suspensão do formato presencial, para não comprometer o ano letivo, as escolas optaram pelo ensino a distância. As aulas passaram a ser online, ao vivo ou gravadas, para que os alunos possam dar continuidade aos estudos em casa.
A mudança requer comprometimento não apenas dos estudantes, mas o auxílio e a orientação também por parte dos pais. Diante desse processo de readaptação enfrentado por muitas famílias, a Gazeta do Sul conversou com duas especialistas que deram dicas de como organizar o maior tempo com crianças e adolescentes em casa, e manter a disciplina com regras diárias fazendo uso de atividades saudáveis e cumprindo com as obrigações escolares.
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A psicopedagoga clínica e institucional Graciela Barros, que também atua na Escola Educar-se, explica que, para tornar o processo de aprendizado mais eficiente, o ideal é criar um horário para os momentos de estudos. “Os pais podem, através de combinações pré-estabelecidas com seus filhos, planejar a rotina de estudos e os demais afazeres do dia, enfatizando a importância dessa organização para que as atividades sejam desenvolvidas da melhor forma possível, também para que os momentos livres em casa não se tornem ícones de apatia, tédio e sentimentos de impotência e desânimo com tudo o que estamos vivendo”, esclarece.
A organização de um ambiente de estudo adequado dentro de casa também é fundamental para que o processo remoto de aprendizagem seja exitoso. “Com as crianças pequenas, é necessário criar o hábito e proporcionar um ambiente próprio para esse estudo, que possua uma mesa, cadeira confortável, objetos de uso diário para a prática, computador ou celular e pertences escolares necessários”, orienta. “Em horários extras, deixá-los com suas preferências de brincadeiras e atividades costumeiras da própria família. O segredo é não tornar o momento uma escolha, ou ainda uma dificuldade, mas firmar que é uma regra, num novo formato, e que será diário.”
Com os adolescentes, a situação não é muito diferente. Segundo Graciela, eles também precisam ter clareza das regras e combinados, além de uma responsabilidade maior no que se refere a sua própria organização para dar conta das aulas. “Vejo como ponto positivo a boa relação com os pais, a proximidade através do afeto, da compreensão e o acolhimento a uma fase que é de múltiplos sentimentos”, enfatiza. “O empoderamento os torna responsáveis pelas suas questões, e vale o convite a atividades extras para que eles saiam um pouco do foco tecnológico, como um jogo físico, um filme, uma caminhada, diálogos construtivos.”
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Caminhar juntos para superar ausência da escola
A pandemia “contaminou” a centralidade da nossa vida. De todos os ângulos que analisarmos a questão, identificaremos impactos gerados, seja pela própria pandemia (vírus) ou pelas marcas por ela produzidas. Para a psicóloga, professora e pesquisadora Andreia Mendes dos Santos, da PUC/RS, que coordena o Grupo de Pesquisa sobre Questões Sociais na Escola, as crianças e os adolescentes carregam as marcas que emergem da experiência pandêmica, e estas se diferenciam dos adultos.
“Esquecemos que na infância e na adolescência estrutura-se a personalidade, constrói-se a identidade e ocorre a mais acentuada e complexa etapa do desenvolvimento humano”, comenta. “Portanto, a ausência da presencialidade de avós, tios, primos (inclusive do pai e da mãe); da escola, dos colegas e dos amigos, do lazer, entre outros, podem atingir um arquétipo de trauma para crianças e adolescentes.”
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Frente às necessárias exigências de manutenção do distanciamento social, o “caminhar juntos” (família e escola) é essencial para superar a ausência da escola em tempo presente. Com as aulas de forma remota, é preciso ter clareza de que essas atividades estão realmente ocorrendo em contexto de emergência social.
“É possível que os alunos tenham maior dificuldade em se organizar, devido ao fato de os ambientes e as condições de estudo não serem os ideais (ou nem perto do necessário, como acesso à internet, computadores etc.)”, observa. Para as crianças, a ausência dos colegas foi o principal fator de desmotivação com as aulas. Foi o que apontou uma pesquisa do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Questões Sociais na Escola, junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação da PUC/RS, com a participação de 972 respondentes brasileiros.
“Nesse cenário, a família (que também se vê sobrecarregada) representa a principal possibilidade de conexão do aluno com a escola, e o acompanhamento dos pais ou responsáveis na organização e no planejamento dos estudos é fundamental”, destaca.
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Andreia esclarece ainda que é possível estabelecer novas rotinas em um tempo adverso. Neste momento, em que não ocorre o deslocamento para a escola, portanto, é até possível dormir uns 15 minutos a mais, por exemplo. Mas é preciso entender que isso pode não ser bom para todos os alunos.
“Mesmo evitando generalizações, manter a rotina de preparar-se para estudar, ou seja, ter disponíveis os materiais necessários, ligar o computador com antecedência e conectar-se à plataforma de aula, verificando a conexão com a internet. Fixar um ambiente na casa para participar da aula, preferencialmente com uma mesa/escrivaninha, e garantir que televisão, rádio e celulares estejam desligados nesse momento impedem interrupções desnecessárias”, salienta Andreia. “Da mesma forma, fazer pausas – intervalos – para movimentar-se e para alimentação (lanche)”, acrescenta.
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Maior perda é o convívio social
Além de todos os obstáculos enfrentados por professores, estudantes e suas famílias, a maior perda no processo de ensino a distância das crianças e adolescentes está sendo a falta do convívio social. “Embora seja considerado um tempo para fortalecimento das relações familiares, do reconhecimento e posse do seu lar, e da sua constituição de ser estudante e sujeito de socialização, independente de que forma, é imensa a falta das trocas, das brincadeiras entre os pares, das experiências compartilhadas, do tempo em que estariam no tapete da escola, no escorrega da praça, dividindo o lanche no refeitório, entre debates e discussões frente a frente. A maior perda é o convívio social”, explica Graciela Barros.
Diálogo e parceria entre colégio e família é a melhor alternativa
Para a funcionária pública Mirian Queli Kiefer, 35 anos, que reside no Bairro Monte Verde, em Santa Cruz do Sul, e é mãe de Lucas, 7, estudante do 2º ano do Ensino fundamental, e Lilian Thiely, 16, aluna do 2º ano do Ensino Médio e que cursa Técnico de Enfermagem, a rotina entre o trabalho fora e os afazeres domésticos teve de ser adaptada para dar suporte aos filhos nas atividades escolares.
A maior preocupação, segundo a mãe, foi com o menino, que está em fase de alfabetização. O processo de ler e escrever, com o ensino a distância, poderia ser mais difícil. “Aqui temos as duas situações que são delicadas: os anos iniciais, base para todo o resto do ensino, e as séries finais, no caso da minha filha, que está entrando na fase de preparo profissional e alinhamento da vida”, frisa. “Percebo que para o Lucas foi um pouco mais frustrante por ele ainda não estar alfabetizado, e está na fase pré-silábica, mas a professora disse que é uma etapa normal.”
Com bastante diálogo e a parceria da Escola Estadual Santa Cruz, a qual o menino frequenta, a família está tirando de letra. “O ano passado foi desafiador, tive de me reinventar como mãe, como profissional, diante de tantas preocupações”, ressalta. “Estabelecemos regras para manter essa rotina e, se não fossem o acolhimento e a troca que a escola propôs, não conseguiríamos, nem nós, nem os professores.”
A rotina da Thiely, que tem horários mais extensos de estudo, inicia-se pela manhã, com as atividades do 2o ano, que são transmitidas pela plataforma do Google Class. À tarde, durante duas horas, ela estuda o conteúdo do módulo II do Técnico de Enfermagem que está cursando na escola Dom Alberto; e à noite tem as aulas pelo Meet. Já Lucas estuda no período da manhã com o auxílio da mãe: as aulas são pelo Google Class e às vezes tem encontros pelo Meet, que oportuniza contato com a professora e os colegas. Já as atividades de educação física dele são feitas em parte na sala de casa e outras adaptadas em lugares onde não há circulação de pessoas.
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Dicas
Segundo as especialistas, as atividades saudáveis reverberam em saúde mental a todos! Elas podem ser desde brincadeiras simples, como jogar bola no pátio, jogos de tabuleiro, experimentos culinários, até o uso da criatividade para momentos não vivenciados.
Para as crianças que atualmente estão no primeiro ano ou na Educação Infantil, podem ser desenvolvidas atividades do desenho e rabisco, atividades motoras e de motricidade, para que amadureçam seus processos cognitivos para a escrita, o letramento e a alfabetização. “Uma rotina saudável em tempos de pandemia significa garantir às crianças e adolescentes a continuidade da percepção da escola, seus tempos, funções e atividades; assim como de tempos de descanso, do ócio, das brincadeiras. Essas rotinas se complementam”, destaca Andreia Mendes dos Santos.
Segundo ela, os aparelhos eletrônicos como tablets, celulares e computadores tornaram-se uma espécie de caderno na pandemia e seu uso, obrigatório. “Talvez este seja um argumento a usar com as crianças e adolescentes, de que eles já os utilizam tanto, que os momentos de lazer, se compartilhados em família, serão uma verdadeira fonte de prazer”, afirma.
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