Colunistas

Com a palavra, a ironia

O que mais me surpreende na vida de colunista é que as pessoas leem. Elas param diante de um texto e leem ele do começo ao fim. É incrível. Nessa sociedade marcada pela velocidade, há quem se debruce sobre artigos, reportagens, desabafos, notas fúnebres. E leia. Até livros. Até livros, pasmem. Cinquenta páginas, cem páginas, 387 páginas. Aquelas letras miudinhas formando palavras que formam frases que formam parágrafos que formam mais frases e mais parágrafos. Um cansaço. Isso não é aceitável. Estamos no século XXI e alguns desses teimosos leem inclusive a Bíblia. E parece que gostam.

Tenho que admitir: fico impressionada. A sobrevivência da escrita e da leitura para além das frases curtas e dos emojis merece um estudo. E, sem querer exagerar, a adoção de medidas drásticas. Talvez até com intervenção estatal. Será que essa gente não percebe que está remando contra a corrente? Tanto esforço tecnológico e midiático para melhorar nossa vida, facilitar a comunicação reduzindo o vocabulário… e vêm essas criaturas “leitoras” querer bagunçar tudo.

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Pensando aqui, eu e meus gatos na cozinha, acho que são subversivos. Afinal, são contra o sistema. Foram décadas de pesquisa e investimento para chegarmos ao atual estágio de nivelamento de cérebros. E esses rebeldes insistem em ficar debulhando o significado daquele emaranhado de letras. São uns inconformados. Absurdo. Não queriam igualdade? Pois temos. Graças às redes sociais e seus correlatos, somos todos iguais.

Pior é que se você conversa com um deles, ouve aquela lenga-lenga sobre “manter vivo o pensamento crítico”, “ser capaz de formar opinião”, “escolher de forma consciente” e outras balelas do gênero. Que tolice. Quem de fato precisa disso com o Google e com a Inteligência Artificial? São uns negacionistas. Não aceitam que o futuro chegou.

Levamos milhares de anos para alcançar esse nível de síntese. Começamos bem lá atrás desenhando nas cavernas. Depois, muito depois, inventamos a escrita cuneiforme, os hieróglifos, o alfabeto, a prensa de Gutemberg, o jornal, o folhetim, o gibi, o Batman. Entre as primeiras formas de escrita e seu acesso a todas as pessoas (será que eu deveria escrever “quase todas”?), levamos uns 4 mil anos. Talvez mais.

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Antes do Renascimento, só religiosos e alguns nobres sabiam ler. Evoluímos de forma exponencial.
Agora que finalmente rumamos felizes para uma sociedade onde todos se comunicam de forma simples, rápida, asséptica e eficiente; agora que estamos prestes a abolir de vez essas letrinhas, só falta esses saudosistas defenderem a supremacia do texto longo. Nem posso pensar nisso que até me enervo.

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Guilherme Bica

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Guilherme Bica

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