No limite com o município de Herveiras, na localidade de Linha Herval de Baixo, em Vale do Sol, fica o vinhedo do produtor Valdomiro Persch, empreendedor que desde 2013 comanda o projeto Videiras do Vale, ao lado de sua esposa Sara. O local, um vinhedo de 5 hectares na região serrana do Vale do Rio Pardo, a 560 metros acima do nível do mar, recebe clientes que queiram colher o fruto direto dos parreirais. É um ponto turístico bem-estruturado que, em anos considerados “normais” – sem a interferência de uma pandemia –, recebe cerca de 10 mil visitantes.
Chegar à região ainda é um problema. É preciso seguir pela RSC-153 e ingressar no acesso a Fontoura Gonçalves, no quilômetro 293 da rodovia. Depois de sair do asfalto são cerca de nove quilômetros de estrada de chão até a propriedade, que tem 85 hectares no total.
Além de uva, existe produção de ameixa, figo, pêssego e abóbora cabotiá na propriedade. Em meio a estradas estreitas, desníveis e muitas pedras, encontrar o local é um desafio. Algumas placas estão distribuídas pela estrada de chão. O ideal é contar com a ajuda do GPS do celular para evitar se perder, mas percorrer o caminho sinuoso, com certeza, vale o esforço pela exuberância da natureza, paz e tranquilidade que reinam no lugar.
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Valdomiro e seus funcionários produzem cinco variedades de uvas: Niágara Rosa, Isabel Precoce, Isabel Normal, Vênus e Moscato Bailey. Nesta safra, que termina em março, a expectativa é de produção de 20 toneladas, que, além de ficarem disponíveis no colha-e-pague – sistema no qual o turista recebe uma tesoura e um cesto, podendo acessar os parreirais e colher a uva que preferir –, vão abastecer principalmente os supermercados de Santa Cruz do Sul e Vera Cruz, além de outros revendedores da região.
Em virtude da pandemia do novo coronavírus, as atividades do colha-e-pague estão suspensas temporariamente. A venda ainda é realizada no local, mas sem a possibilidade de acesso aos parreirais, a fim de evitar aglomerações. A produção e o atendimento aos clientes seguem os cuidados de higiene para evitar a transmissão da doença. Os clientes que chegam precisam utilizar máscaras e álcool em gel.
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Dificuldades
Além das limitações com a pandemia do novo coronavírus, o clima também foi uma preocupação do produtor Valdomiro Persch durante a safra. “Tivemos excesso de chuvas em outubro, e a chuva e o calor nas videiras acabam desenvolvendo fungos. O mormaço e a umidade são prejudiciais ao desenvolvimento de cachos saudáveis. Nós tivemos uma preocupação com isso, mas conseguimos um bom equilíbrio. Em setembro houve uma geada fora de época, que também atrapalhou um pouco, mas não foi algo considerável. De resto, preocuparam-nos a seca e a questão do granizo.”
Apesar dos problemas, Valdomiro projeta uma produção com qualidade e quantidade dentro do esperado até o fim da colheita. “Estamos nos aproximando de uma grande safra. Uma produção muito superior à dos outros anos em termos quantitativos. A qualidade da nossa uva está muito boa mesmo. Devemos produzir muito mais que nos anos anteriores”, comemora.
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Um fator fundamental para os bons resultados foi a cobertura vegetal do solo nos parreirais. Utilizou-se a semeadura de ervas entre as videiras, como salsa, coentro, arruda e até algumas espécies de flores, que ajudaram a coibir pragas. Valdomiro explica que ele procura reduzir o uso de agrotóxicos. A aposta é cada vez mais utilizar processos naturais de combate a pragas e doenças nas plantas.
Aposta em outras frutas já apresenta resultados positivos
Valdomiro Persch é natural de Vale do Sol, mas mora boa parte do tempo em Curitiba, capital do Paraná, onde mantém um escritório de advocacia. Na época da safra da uva, ele retorna ao Rio Grande do Sul para administrar a produção. O “sonhador” Valdomiro, como ele mesmo se denomina, quer ampliar a atuação de seu empreendimento rural para o ano inteiro, e aposta forte no cultivo de outras frutas.
As plantações de figo, ameixa, pêssego e moranga cabotiá já são uma realidade, e as frutas estão em fase de comercialização. Além disso, Valdomiro aproveita para fazer experiências com outras variedades, que podem em breve estar no mercado: é o caso do mirtilo ou blueberry, da framboesa e do physalis, frutas com alto valor agregado e de uso para o consumo in natura ou para a produção de doces e geleias.
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Mas para aumentar o empreendimento, questões estruturais acabam dificultando, como a utilização de energia elétrica. Valdomiro reclama que a rede não tem força necessária e carece de maior capacidade. O produtor inclusive está interrompendo o projeto de criação de uma usina para a fabricação de sucos na propriedade. “Não se pode ligar um motor de um cavalo de potência, que você tem problema. Tanto é que agora precisamos de uma lavadora mais potente, e o correto seria um motor de 1 CV, mas não podemos colocar aqui porque não temos energia que suporte.”
O maquinário para a fábrica de sucos está parado em um depósito, e a intenção é repassar o material. Porém, as dificuldades não retiram o ânimo de Valdomiro, que, além de comemorar uma grande safra de uvas – o carro-chefe da Videiras do Vale –, vê oportunidades de implementar no negócio novidades que podem ser lucrativas e beneficiar o mercado com uma produção local de qualidade, feita em conexão com a natureza.
“Quando eu lancei esse projeto, fui chamado de louco. O que mais se ouvia era que não ia dar certo. Mas, felizmente, graças a Deus, esse ‘não dar certo’ o pessoal teve que engolir e hoje é uma realidade. Temos um divisor de águas aqui na Serra, que é uma terra praticamente esquecida, que vive de uma cultura só, a do tabaco.”
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A concorrência não espanta Valdomiro. Ele espera que seu exemplo seja visto por outros produtores e a “Serra dos Pinhais”, como é chamada por moradores da região, torne-se uma área com outros produtores de frutas, para que o poder público mostre mais empenho em garantir uma estrutura qualificada naquela região.
Projeção é boa em todo o Estado
O Rio Grande do Sul é o maior produtor de uva do Brasil. Em 2020, apesar da área plantada em relação ao ano anterior ter diminuído, mais toneladas de uva foram retiradas dos parreirais – e a perspectiva é que a safra 2021 seja ainda melhor.
No Vale do Rio Pardo, o destaque na produção da fruta é Encruzilhada do Sul, com aproximadamente 700 hectares plantados. Cerca de 95% da produção daquele município é de espécies das chamadas “uvas europeias” ou “uvas finas”, que servem para a fabricação de vinhos finos e espumantes. Ainda na região, Ibarama, Passa Sete e Sobradinho, no Centro-Serra, também possuem produções significativas, em sua maioria destinada à venda in natura ou para a fabricação de sucos e vinhos de mesa.
O agrônomo da Emater-RS/Ascar, Vivairo Zago, do escritório regional em Soledade, que é responsável pelo Vale do Rio Pardo, afirma que a qualidade da uva produzida na região em 2019 compensou possíveis perdas com a menor área plantada em 2020. Para a safra 2021, o clima mais seco durante o ano passado e a alta incidência solar nos parreirais podem resultar em uma uva mais doce e de alta qualidade.
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“Em 2019 e 2020, o clima estava mais seco. Então, no ano passado, houve redução em relação ao período anterior. Mas em 2019, tivemos uma excelente qualidade, o que compensou as perdas da estiagem. Em 2020, ocorreu estiagem em outubro, mas isso não afetou a produção. Onde prevalece um clima mais seco, diminui a incidência de doenças e, consequentemente, temos uma uva de melhor qualidade.”
Apesar do clima seco no último ano, as chuvas foram regulares, o que gera uma boa expectativa para a safra 2021, que começou a ser colhida na metade de janeiro. Segundo dados do governo do Estado, por meio da Divisão de Inspeção de Produtos de Origem Vegetal, a safra da uva em 2020 apresentou queda de 17,8% na comparação com o ano anterior.
Santa Cruz tem potencial para aumentar a produção
Do total de quatro hectares plantados com uva em Santa Cruz do Sul, toda a produção é destinada ao consumo in natura ou para a produção artesanal de sucos e vinhos de mesa. Segundo o engenheiro agrônomo Marcelo Cassol, que atua no escritório da Emater em Santa Cruz, existe potencial para multiplicar a presença da fruta. “Temos produtores com boa produtividade e outros nem tanto. Existe bom potencial no município, podemos chegar a 30 toneladas por hectare.” A questão cultural, com o predomínio da cultura do tabaco, é um dos fatores que afeta a evolução do plantio da uva no município.
“Podemos citar a distância das indústrias como um problema, assim como a questão cultural. E também as dificuldades com a deriva de 2-4-D (herbicida hormonal), que acaba prejudicando o desenvolvimento da planta”, observou Cassol.
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