Imagine um mundo onde os alimentos não possuíam data de validade nem informações básicas nos rótulos; onde os consumidores não tinham a possibilidade de se arrepender de uma compra e as empresas não eram obrigadas sequer a oferecer garantia sobre os produtos vendidos e defeituosos. Pois assim eram as relações entre consumidores e fornecedores no Brasil até setembro de 1990, quando foi criado o Código de Defesa do Consumidor (CDC), considerado uma revolução para a época e uma das regulações de consumo mais avançadas do mundo.
Passados 30 anos, muita coisa mudou – especialmente com o advento e consolidação do comércio eletrônico –, exigindo que o código seja também atualizado para contemplar as novas demandas, o que ainda não aconteceu. Ainda que tenha suas limitações, o CDC tornou-se fundamental e garante direitos hoje considerados básicos pela população.
Tem algum problema? O Procon pode ajudar
Criados com o objetivo de mediar as relações entre consumidores e fornecedores, os escritórios do Procon são o primeiro lugar onde a população pode procurar orientação caso tenha dúvidas a respeito de uma compra ou prestação de serviços. O coordenador do órgão em Santa Cruz do Sul, Marcelo Estula, explica que a atuação é de intermediação entre as partes. “O consumidor que tem algum problema na relação de consumo, ele nos procura e nós intermediamos a questão.”
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Estula enfatiza que, antes de procurar o Procon, o consumidor deve primeiro tentar a resolução da pendência junto à empresa. Nos casos onde há resistência em resolver a situação, aí sim o órgão atua, notificando o fornecedor com as reivindicações do cliente e dando um prazo para resposta. “Historicamente falando, em cerca de 80% das reclamações que chegam até o Procon, nós conseguimos uma resposta positiva para o consumidor. É um número elevado de sucesso”, ressalta.
Quanto à questão de preços de produtos e serviços, em que a população costuma cobrar uma ação do órgão, Estula explica que não existe tabelamento de preços no Brasil. Ou seja, desde que não ocorra prática considerada abusiva, nem o Procon, nem os governos têm a possibilidade de estabelecer valores fixos ou limites de preço para os produtos. Exemplo recorrente dessa demanda é o preço dos combustíveis e, mais recentemente, a alta repentina no valor do arroz.
No ano passado, o Procon santa-cruzense registrou um total de 548 reclamações, enquanto neste ano a soma já é de 282. Desde abril, quando entrou em operação o Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (Sindec), 160 queixas foram registradas. A maioria delas (40%) é contra os serviços essenciais, seguida pelos serviços privados (23%) e por problemas com produtos, que corresponde a 18% do total.
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Em função da pandemia do novo coronavírus, os atendimentos presenciais em Santa Cruz do Sul estão limitados. O escritório fica no pavilhão central do Parque da Oktoberfest, e o funcionamento ocorre das 8 horas às 11h30 e das 13 horas às 16h30 para consumidores que precisam sanar dúvidas ou entregar documentos. Contudo, a coordenação orienta que as pessoas entrem em contato preferencialmente pelo telefone 3715 4548 (também WhatsApp) ou pelo e-mail [email protected]. Há também a possibilidade de abrir uma reclamação por meio do site www.consumidor.gov.br, que é um serviço público oferecido pela Secretaria Nacional do Consumidor e realiza a mediação entre clientes e empresas, também com taxa de sucesso acima dos 80%.
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GAJ oferece orientação e consultoria
Outra forma de buscar informações e orientações sobre determinada situação é procurar o Gabinete de Assistência Judiciária (GAJ), serviço oferecido pelo curso de Direito da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc). O GAJ é onde os acadêmicos a partir do 8º semestre do curso de Direito fazem seus estágios obrigatórios, atendendo a população sob supervisão de professores e orientadores.
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Conforme o professor e orientador Vinícius Laner, já foram distribuídas ações de direito na Justiça Estadual, envolvendo contratos bancários, empréstimos consignados, planos de saúde e problemas relacionados à construção civil. Já na Justiça Federal, houve demandas referentes aos Correios e Caixa Econômica Federal.
É importante destacar que o serviço é gratuito, mas contempla apenas pessoas com renda familiar de até três salários mínimos. Para agendar o atendimento, é necessário ter carteira de identidade, comprovante de residência e comprovante de renda. Em Santa Cruz do Sul, os contatos podem ser feitos pelo telefone 3717-7444 ou e-mail [email protected]. O GAJ fica localizado dentro da Unisc, no bloco 18. Existem ainda unidades em Venâncio Aires, Rio Pardo, Sobradinho e Capão da Canoa.
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Problema com operadora acabou na Justiça
No verão de 2018, quando a empresária Glaura Hoppe ficou sem sinal no seu celular, nem imaginava o problema que viria pela frente. Passando as férias em Xangri-lá, ela percebeu que por longas horas não conseguia realizar nem receber ligações, bem como o aplicativo WhatsApp não estava mais funcionando. “Eu estava na beira da praia, tentando fazer uma ligação e o telefone dava sempre uma mensagem, como se não tivesse linha”, relata. Após vários contatos com a operadora Vivo, descobriu que seu número havia sido cancelado, sem ter feito essa solicitação. A empresária então procurou uma loja da operadora, onde descobriu que poderia tratar-se de um golpe.
Não fosse isso transtorno suficiente, a empresária descobriu que sua conta bancária havia sido invadida. Os criminosos realizaram movimentações e fizeram um empréstimo em seu nome. Após procurar a polícia e resolver a situação com o banco, ela ainda foi informada de que não seria possível reaver seu antigo número de telefone; ele deveria ser substituído. “Eu usava aquele número há anos, era o meu contato profissional, constava nos meus banners e cartões, como ia ficar sem ele?”, conta. Não teve jeito, o número precisou realmente ser trocado para que a situação se resolvesse.
Depois de buscar orientações e ser incentivada pela família, Glaura acionou a Vivo judicialmente. Uma ação de reparação de danos foi movida contra a operadora, que não conseguiu explicar o que tinha ocorrido, nem como a linha telefônica foi cancelada e transferida a terceiros sem a solicitação da cliente. Assim, o juiz entendeu o pedido como procedente e deu ganho de causa à consumidora, que recebeu uma indenização por danos morais.
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A necessidade de atualização
Apesar de ser considerada uma legislação moderna para sua época e existirem outras leis que amparam os direitos do consumidor, é inegável que, passados 30 anos, há a necessidade de atualização do Código de Defesa do Consumidor, sobretudo para contemplar novas modalidades como o comércio eletrônico. “O consumidor precisa estar protegido nesse ambiente virtual, onde está extremamente exposto a golpes e fraudes. O CDC, por ser uma norma abrangente, não conseguiu acompanhar todas as mudanças nas atividades econômicas no decorrer dessas três décadas”, destaca o advogado João Paulo Forster.
Além disso, outros pontos que merecem revisão e atenção especial são os que sofreram várias modificações na relação cliente-prestador ao longo dos anos. Esse é o caso dos planos de saúde, serviços bancários, de telecomunicações e dos transportes aéreos. “Os aplicativos de transporte e delivery também entram nessa necessidade de atualização, um serviço cada vez mais presente e difundido na rotina dos consumidores”, reforça Forster.
Na mesma linha, a professora Veridiana Rehbein, especialista em Direito do Consumidor, salienta que o CDC não pode ser considerado defasado, mas precisa, sim, de revisão e atualização. Ela destaca o projeto de lei 3.515/2015, que trata sobre o superendividamento. “É um assunto agora muito presente por conta da pandemia, muitas pessoas tiveram redução de renda e aumento nas dívidas.”
O texto do projeto impõe limites para a venda de crédito, buscando evitar o endividamento. Caso ele já tenha acontecido, trata também da renegociação com os credores por intermédio da Justiça. O projeto foi aprovado pelo Senado e encaminhado para a Câmara dos Deputados ainda em 2015, onde está parado desde então.
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PONTOS DO CDC
Rótulos dos produtos
Os rótulos devem conter informações claras e precisas sobre o produto, incluindo quantidade, qualidade e origem, bem como os eventuais riscos que oferece à saúde e segurança do consumidor. No caso dos alimentos, a tabela nutricional também é obrigatória.
Responsabilidade
O CDC é claro: fabricantes e fornecedores de produtos e serviços são os responsáveis pela reparação dos danos causados aos consumidores por informações insuficientes ou inadequadas, havendo culpa ou não.
Propaganda enganosa
Se uma oferta é anunciada ao público, seja na vitrine, no rádio, na televisão ou no jornal, a empresa é obrigada a honrá-la; do contrário, caracteriza-se propaganda enganosa. É um direito do consumidor, amparado pelo CDC, exigir o que foi anunciado ou, em caso da compra já ter sido finalizada, a devolução do dinheiro.
Venda casada
Já foi impedido de entrar em algum local com comida comprada em outro lugar, ou informado de que tal produto ou serviço só pode ser adquirido juntamente com outro? Trata-se de venda casada, prática vedada pelo CDC.
Queda de energia
Danos a equipamentos eletroeletrônicos causados por queda de energia elétrica devem ser pagos pela concessionária. Independentemente de culpa, ela é responsável pela reparação dos danos.
Comprovantes
Teve algum problema e contatou o fornecedor para tentar resolver? Guarde todos os comprovantes, sejam eles e-mails, protocolos de ligações telefônicas, capturas de tela de chat, entre outros. Eles podem servir como prova caso haja a necessidade de um processo judicial para resolver a situação.
Compras na internet
O direito de arrependimento e desistência nos primeiros sete dias estende-se para compras feitas pela internet. Nesse caso, o reembolso deve ser total, incluindo custos de frete e eventuais taxas pagas pelo consumidor
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