Estrondos inquietantes rompem pela vastidão do deserto. Lavas incandescentes esparramam-se sobre o imenso campo de dunas. Os mesmos areais que haviam soterrado boa parte das terras vegetadas e águas tranquilas, tão ao gosto dos grandes e pequenos sáurios, sufocam sob as golfadas basálticas. Ao primeiro estrondo segue-se outro, e mais outro. Da garganta da terra explodem massas de rocha que aos poucos perdem calor. Nos céus, as cinzas, ao sabor das moções, enovelam-se em fagulhas brilhantes.
Exausta pelo esforço que lhe vem das entranhas, a Terra busca se aquietar. Um estranho silêncio, só interrompido pelos estertores dos últimos vulcanismos, invade o novo cenário. Com saudade dos tempos da vegetação abundante, dos alagados plenos de vida e até dos pântanos traiçoeiros, novos sons rebrotam por toda parte. O hálito seco dos tempos tórridos perfuma-se na vitalidade, que ressurge refrescante. Raízes ensaiam profundidades. Copas anseiam pelas altitudes. Pássaros descobrem ramadas para seus ninhos. Águas marulham pelas fendas. O chão marcado pelos antigos répteis, depois recoberto pelas ressequidas areias, agora se alegra com microrganismos, insetos, mamíferos e plantas de toda ordem. Planícies se alongam por entre colinas e serranias, as mesmas que revelam encostas como a formatada pelo Cinturão Verde de uma cidade que um dia se ergueria. Antes da cidade surgiriam os humanos.
Se portentosas as árvores, águas e animais do Triássico, abrasadores os areais desérticos do Jurássico, possantes os movimentos vulcânicos do Cretáceo, deslumbrante o palco Terciário, avassalador, emergiria, já no Quaternário, um novo habitante da mesma Terra. Romperia as cortinas da existência pela força da conquista e, paradoxalmente, levaria muito tempo para se dar conta de que o próprio ímpeto apossatório se constituiria em sua possível autodestruição. Das rochas fez lascas pontiagudas, das plantas arcos e flechas, dos animais apreensão e caça. Das terras fez erosões, dos ares toxicidade, das águas esgotos. Dos territórios fez domínios cercados, dos instrumentos motosserras e canhões. Das relações fez competitividades, dos deuses expulsões, da vida urgências consumistas. Dos irmãos e irmãs fez escravos e expatriados.
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Todavia, este mesmo humano não titubeia em se lançar à frente de um carro para salvar uma criança. Afaga o entristecido, dedica-se aos desvalidos e mais vulneráveis. Este mesmo humano ama, instrui e é capaz dos maiores altruísmos. Desenvolve vacinas. Habilita-se às sinfonias e empatias. Consegue enxergar a beleza pela beleza, o valor existencial pelo respeito coexistencial. Humanos também amam e preservam a natureza biodiversa.
Estes humanos contraditórios somos nós, os herdeiros das coníferas, das dunas, dos magmas, da sociogeobiodiversidade e das encostas. Herdeiros, testemunhas e sujeitos também do que tem ocorrido com o Cinturão Verde, que insiste em nos afagar, apesar de nossas conturbadas inter-relações; assunto para daqui a duas semanas. Até lá!
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