A relação entre a urbanização e a catástrofe climática que afetou o Rio Grande do Sul foi tema de uma palestra na Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc). O evento, que integrou a Semana Nacional de Meio Ambiente, contou com a presença da professora de Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Nina Simone Vilaverde Moura, e do promotor Sérgio Diefenbach, responsável pela Promotoria Regional do Meio Ambiente da Bacia Hidrográfica dos Rios Taquari e Antas.
Com o auditório do bloco 18 da Unisc quase lotado, os palestrantes apresentaram situações e condições que contribuíram para a tragédia em maio. Defenderam a necessidade de adaptar-se à nova realidade do Estado e elaborar, a partir dela, ações para amenizar os impactos.
Com o uso de mapas e imagens de satélite, Nina Moura demonstrou as áreas de inundação dos rios Jacuí, Taquari, Caí, Sinos e Gravataí. Dados revelam que o nível das águas subiu tanto que as áreas inundadas conectaram lagoas e criaram uma paisagem que remete a 6 mil anos atrás, quando o nível do mar estava 2 metros acima do atual. “Em termos de inundação, para quem estuda geologia, isso é incrível. Com o aumento do nível, o delta do Jacuí se afogou completamente”, destacou.
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A docente do Programa de Pós-Graduação da Ufrgs explicou como esse cenário está relacionado ao processo de urbanização. Na década de 1950, 64% da população se concentrava na zona rural. A partir de 1970, o percentual passa a diminuir consideravelmente. Em 2000, só 18,7% habitava o interior, enquanto 81,3% estava na área urbana.
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Contudo, a expansão das cidades ocorreu de forma intensificada e descontrolada em todos os tipos de relevo, modificando-o totalmente, assim como a vegetação e o solo. Como consequência, isso alterou as regiões úmidas – várzeas, planícies fluviais, banhados e deltas, contribuindo para a ocorrência de eventos extremos – que escoam as águas da chuva. “Quando tu impermeabiliza ou modifica o sistema de drenagem, elas tendem a aumentar cada vez mais as inundações”, explicou.
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Diante desse cenário, defendeu a importância de recompor as áreas úmidas para que haja um armazenamento da água, favorecendo a infiltração. E, com a cobertura vegetal, proteger o solo dos processos de erosão para reduzir a probabilidade de alagamento.
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Segundo a doutora em Geografia, as inundações são o principal problema ambiental no Brasil, correspondendo a cerca de 70%. “E o que mais mata é o deslizamento. Embora tenhamos tido uma inundação violenta, onde muitas pessoas não puderam ser salvas, ainda há uma chance maior de resgate. Mas o escorregamento é bastante fatal e muito abrupto”, acrescentou.
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Em relação aos aspectos sociais, Nina Moura demonstrou como os bairros habitados por moradores de renda baixa foram os mais afetados.
Há ainda o caso de Eldorado do Sul. O município da Região Metropolitana, que teve quase 100% de sua área alagada, não está entre os com maior renda média.
Em Canoas, por exemplo, as enchentes afetaram especialmente Mathias Velho, Industrial e Mato Grande. Esses locais apresentavam em 2010 uma renda domiciliar média inferior a R$ 2 mil.
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Já na zona norte de Porto Alegre, região com maior extensão de área inundada, a renda média não supera quatro salários mínimos. Na zona sul, os bairros mais atingidos não são os mais ricos. Segundo a professora, a população de menor renda tem que ocupar locais mais suscetíveis a enchentes, desde as áreas de banhado ou de alta declividade.
Além disso, o mapa do Observatório das Metrópoles mostra que as áreas que mais sofreram com as enchentes têm uma concentração expressiva de população negra. Geralmente, acima da média dos municípios.
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É o caso do Bairro Santos Dumont, em São Leopoldo, e do Santo Afonso, em Novo Hamburgo. Há ainda o Santa Rita, em Guaíba, que concentra uma grande proporção de população negra. “Ela tem um predomínio maior do que a média em populações de menor renda, por uma questão histórica e de desigualdade, então repercute nisso também”, ressaltou.
Conhecimento e preparação. Essas palavras se sobressaíram durante a fala do promotor de Justiça Sérgio Diefenbach. A experiência adquirida durante a tragédia que assolou o Vale do Taquari, em setembro do ano passado, ajudou-o a identificar as principais necessidades e os problemas que acometeram a população.
Seis meses após a catástrofe, a região ainda aprendia a lidar com as consequências, quando foi acometida por uma enchente ainda maior. “Nos quebrou no meio”, admitiu o responsável pela Promotoria Regional do Meio Ambiente da Bacia Hidrográfica dos Rios Taquari e Antas.
Diefenbach julgou necessário planejar e desenvolver planos de contingência. Junto com um sistema de alerta e o treinamento da população, isso possibilitará a retirada antecipada de moradores das áreas de risco. “Não é um hábito nosso trabalhar com planejamento. Mas precisamos nos adaptar às mudanças, pois não vamos conseguir tirar todas as pessoas ou extinguir municípios como Muçum e Roca Sales”, frisou.
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Contudo, é fundamental aprofundar o conhecimento sobre o contexto vivenciado pelo Estado. E os estudos, enfatizou, não devem se limitar apenas à elaboração de novas leis e decretos. Defendeu uma participação popular ativa e diferenciada, além da criação de conselhos municipais voltados ao meio ambiente e às mudanças climáticas.
“Precisamos trazer esses debates mais à tona, com a participação de todos. Aumentando nosso conhecimento, vamos ter mais capacidade de tomar decisões sobre esses fatos que decidem e afetam nossas vidas”, afirmou o promotor.
Na tela do auditório, ele exibiu uma fotografia na qual, em meio à destruição provocada pelas águas, permanecem três árvores intactas. Para Sérgio Diefenbach, elas são um símbolo de resiliência e instigam a refletir sobre os motivos de não terem sucumbido. “Precisamos estudar todos esses aspectos para encontrar o ponto de equilíbrio da nossa resiliência. Temos que descobrir o quanto conseguimos avançar e quanto precisamos recuar”, concluiu.
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