Ela está nas fotos e sempre presente nas grandes memórias da minha família. No meu primeiro ano de vida, lá estava ela me segurando no colo. Perco as contas de quantas vezes chamei seu nome na infância, só para saber se estava por perto. Nessa mesma época, dormir na casa dela era sinônimo de alegria. Me viu crescer, literalmente. Ela quis esperar que eu terminasse o Ensino Médio para se aposentar, mas “pediu” que eu compreendesse que não seria possível, era hora de descansar. Descanso mais do que justo. Na minha formatura em Jornalismo, estava lá no auditório central ao lado da minha mãe e irmãos. Aliás, não foi só a mim que ela viu crescer. Foram os quatro filhos do seu Mario e da dona Regia. A bem da verdade, a Cica entrou na família antes mesmo do casamento dos meus pais.
A Tharzissa, seu nome de batismo, iniciou a jornada conosco quando começou a faxinar o consultório onde meu pai atendia. Algum tempo depois, passou a trabalhar na nossa casa. Foi com zelo, amor e cuidado que cultivamos essa relação. Dos 82 anos que ela completa neste domingo, em cerca de 40 houve essa rotina de ofício e de amor recíproco. A Cica – apelido que meu irmão deu a ela – também faz lembrar um tempo bom, em que conseguíamos nos reunir todos em torno da mesa para almoçar. E a comida? Aquela bem caseira, que abraça a gente – o melhor nhoque de batatas da vida é o dela. Quando meu pai morreu, ela mais uma vez esteve ao nosso lado, foi nosso amparo. Uma dor que também foi dela, ao perder um grande amigo.
Alguns laços que temos na vida não se rompem com o passar dos anos. Não seria uma aposentadoria, afinal, a quebrar esse vínculo. As ligações, visitas, convites para os aniversários seguiram acontecendo, mesmo que em frequência menor do que a desejada. Na semana passada, liguei para a Ciça – como é conhecida na clínica geriátrica onde mora. A voz e a saúde seguem firmes e fortes. Mas, diante de uma situação tão atípica como a que estamos vivendo, fez a mim uma confidência. Com a impossibilidade de receber visitas ou sair para passeios – por causa da pandemia –, não me escondeu que em alguns momentos a tristeza bateu. Para ver os filhos, netos e bisnetos, somente pelo portão da residência, sem contato físico. A irmã, residente de outra instituição, ela também não pode ver. Apesar das dificuldades atuais, penso que a nossa Ciquinha vai passar por tudo isso. Uma matriarca forte como ela, que já experimentou a dor de perder um filho, certamente vai buscar dentro de si a paciência necessária para estar ao lado dos seus.
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No telefone, ela também me contou sobre a rotina: gosta de assistir a missas na televisão e costuma ler a Gazeta. Falamos sobre a família, sobre nossas paixões por cães e gatos. Lá pelas tantas, fez menção a uma bisneta e perguntou sobre os meus sobrinhos. Com a propriedade de quem criou oito filhos e dedicou parte da vida a cuidar de mim e de meus irmãos, sentenciou: “onde tem criança, tem alegria”. E concordo, com a mesma alegria de quem teve ela por perto na infância. Neste dia 30, não vou poder abraçá-la como fiz ano passado. Mas o meu desejo a ela segue o mesmo: muita saúde! Que em breve o mundo esteja um pouco mais calmo e ela possa receber todos os abraços e beijos de gratidão que merece.
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