Os moradores da Rua Romeu Seibel, em Linha Santa Cruz, talvez não tenham maior referência acerca do santa-cruzense ilustre que lhe empresta o nome. Mas não por ele não ter sido conhecido – muito pelo contrário, é considerado um dos maiores instrumentistas brasileiros –, e sim porque foi famoso pelo seu apelido, Chiquinho do Acordeon. No momento em que os primeiros discos do artista completam 70 anos, a Gazeta do Sul relembra a trajetória de sucesso, que marcou a história da música brasileira.
Romeu Seibel nasceu em Santa Cruz do Sul em 7 de novembro de 1928 em uma família de classe média alta dona de uma confecção. O pai, João Walter, era alfaiate, mas tocava bandoneon e clarinete; a mãe, Julieta, também tocava cítara de mesa. A casa da família de descendentes de alemães era cheia de música e foi assim que, aos 9 anos, ele começou no acordeon, com uma gaita alemã do tipo Doble A, tomando as primeiras lições com a professora Marieta Heuser.
Aos 14 anos, o jovem músico já animava bailes tocando polcas e valsas e, enquanto cursava o técnico em contabilidade no Mauá, tocava nos grupos Jazz Ideal e Jazz Batucada, e possuía um trio com Gastão Schuck e Rudy Kasper (Kaspinha). Em 1949, o trio foi convidado para acompanhar uma apresentação da cantora, dançarina e Miss México Ana Luísa Peluffo. O grupo se apresentou na região e em excursões em São Paulo e no Rio de Janeiro, onde surgiram outras oportunidades. O trio voltou para Santa Cruz, mas Romeu ficou por pouco tempo. Logo ele se despedia de sua terra natal, indo em busca da carreira no Rio.
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Em 1950, o músico, compositor e arranjador fez as primeiras gravações em disco e, em 1953, passou a fazer parte da Grande Orquestra da Rádio Nacional, além de fundar o grupo Chiquinho e seu Conjunto. Em 1954, compôs a música “São Paulo Quatrocentão”, famosa na voz de Hebe Camargo e vencedora de um concurso promovido pela Prefeitura de São Paulo para escolher a música em homenagem aos 400 anos de fundação.
Com o sexteto do lendário maestro Radamés Gnatalli, ganhou prestígio e a oportunidade de excursionar pela Europa em 1960. Foi diretor musical da TV Excelsior entre 1963 e 1967 e seguiu gravando discos com inúmeros artistas brasileiros, além de 28 discos solos. Foi eleito o Melhor Músico Solista do Rádio Brasileiro em 1960, e em 1976 uma pesquisa apontou que Chiquinho tinha 40 mil horas de gravações em estúdios, um recorde entre músicos brasileiros.
Autor do CD-livro Chiquinho & Radamés, junto com o Quinteto Persch, o músico e pesquisador Arthur de Faria escreveu sobre a vida do santa-cruzense, em especial sobre as parcerias com o maestro Radamés Gnatalli. “Na história do acordeon brasileiro tem um antes e depois do Chiquinho. Ele é o cara que chegou com a leitura suficiente para ser abraçado pelo Radamés e aí ser incorporado na Orquestra de Ritmos Brasileiros que revolucionou a sonoridade que se utilizava até então na música brasileira”, explica.
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Ao longo da carreira, Romeu acompanhou muitos artistas nacionais, entre eles Martinho da Vila, Luiz Gonzaga, Carlos Lyra, Dominguinhos, Antonio Carlos e Jocafi, Maria Creuza, Altamiro Carrilho, Rildo Hora, Nara Leão, Radamés Gnattali, Sivuca, Zé Menezes, Fagner, Marisa Gata Mansa, Raul Seixas, MPB-4, Genival Lacerda, João Bosco, Elizeth Cardoso, Beth Carvalho, Edu Lobo, Francis Hime, Olívia Hime, Marina Lima, Rita Lee, Elba Ramalho, Ney Matogrosso, Raphael Rabello, Maria Bethânia, Clementina de Jesus, Jair Rodrigues e Luiz Bonfa.
O empresário Reno Schuh comenta que ouviu falar de Chiquinho por meio do pai, que havia sido músico. Em 1992, como secretário de Turismo e coordenador de eventos da Oktoberfest, na época em que a festa era organizada pela Prefeitura, teve a chance de trazer Romeu Seibel para receber uma homenagem em Santa Cruz do Sul. Ao atender à ligação de Reno, o músico não entendeu do que se tratava, o que exigiu um segundo telefonema, até que ele aceitasse o convite.
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“Posso dizer que a humildade morava ali. Nada de estrelismo; pelo contrário, tanto que quando liguei a primeira vez para ele, achou que eu queria contratar ele”, recorda. Na noite da homenagem se apresentava a cantora Rosana, que fez questão de receber Chiquinho no camarim, já que o conhecia de gravações em estúdio. No intervalo do show, o locutor apresentou um histórico da carreira de Chiquinho para o público e as soberanas da Festa da Alegria entregaram uma placa de prata ao artista, que tocou algumas músicas, para imensa satisfação de todos.
Chiquinho gostou tanto da homenagem que pediu a Reno e ao pai dele, Antônio Schuh, que organizassem um churrasco de agradecimento aos santa-cruzenses. O pai convidou os amigos e músicos das antigas e o filho chamou os conhecidos da época, em um encontro de gerações regado a muita música. Chiquinho tocou muitas das canções compostas por ele, incluindo as mais famosas “Acalanto para Juliana”, “Um Baile em Santa Cruz”, “Sinimbu” e “Polquinha Gaúcha”.
Um dos convidados da reunião detalhada acima por Reno Schuh, Hélio Bischoff, levou uma filmadora e registrou o encontro em vídeo. Nas imagens, ao lado de Romeu Seibel está um dos maiores fãs, o também acordeonista Lydio Frantz. “Passei a vida inteira idolatrando o Chiquinho. Cada um tem um ídolo, e o meu ídolo era ele. Comecei a estudar acordeon com 12 anos, sempre inspirado no Chiquinho do Acordeon”, frisa. O músico conta que, no começo, teve vergonha de abordar o ídolo, mas quando criou coragem de conversar com Romeu, estabeleceu com ele uma grande amizade.
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“Eu disse que era o maior divulgador aqui das músicas que ele gravou, e ele ficou muito meu amigo. Uma pessoa super humilde pela grandeza dele.” Lydio também comenta com carinho o conselho recebido de Chiquinho na ocasião. “Ele me disse quando nos conhecemos: Lydio, se você quer ficar bom, tem que estudar quatro horas por dia, no mínimo”, relembra. Apesar de não ter nenhuma foto do dia, ele assiste aos vídeos onde aparece com o artista e recorda o encontro com carinho.
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São preciosas as memórias daqueles que estiveram presentes no evento e tiveram a chance de conhecer Chiquinho do Acordeon. Isso porque aquela seria a última visita do artista à terra natal. Veio a falecer alguns meses depois, no Rio de Janeiro, em 13 de fevereiro de 1993, aos 64 anos. O músico foi casado por cerca de 20 anos antes de se divorciar e deixou dois filhos deste casamento.
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“Ele era verdadeiramente simples, um músico de estúdio que não tinha tanta visibilidade na televisão, mas no meio artístico era muito querido”, afirma Reno Schuh, que considera um orgulho ter trazido o artista para a cidade. O empresário aponta que ele era um músico muito completo, disputado pelos artistas mais famosos da época para as gravações de discos.
Lydio lamenta não ter conhecido o ídolo antes, já que não teve a chance de vê-lo outras vezes, nem de ir com ele ao Rio de Janeiro. “A importância dele é muito grande. Ele deveria ser mais homenageado hoje. Se tu perguntar a qualquer jovem hoje em dia quem foi Chiquinho, eles não sabem. Que pena, né? Um artista dessa grandeza, reconhecido mundialmente.”
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