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Chegou a hora de Santa Cruz conhecer a literatura afrodiaspórica de Rogério Athayde

Professor de História e palestrante sobre temas referentes a África, religião de matriz afro, preconceito e intolegância, Rogério Athayde participará de atividade em Santa Cruz

Um dos mais importantes estudiosos e pensadores acerca da cultura afro em realidade de Brasil, o professor carioca Rogério Athayde, tem viagem programada para a região no começo de maio deste ano. Ele será uma das atrações da 35ª Feira do Livro e da 1ª Festa Literária Internacional de Santa Cruz do Sul, já anunciada pelo Sesc Santa Cruz, organizador do evento. Na ocasião de sua vinda, Athayde vai participar de bate-papo com a escritora cubana Teresa Cárdenas, referência na literatura latino-americana contemporânea.

Em conversa com a Gazeta do Sul, por telefone, Athayde disse estar na expectativa por conhecer a região central gaúcha, uma vez que, até o momento, não teve contato pessoal com o Estado. Além de ser escritor, com obra publicada pela editora Pallas, a mesma de Cárdenas, e professor de História, ele palestra sobre diversos temas relacionados à África. Entre eles destacam-se as religiões de matriz afro, o preconceito racial e a intolerância religiosa.

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Athayde já se dedica há mais de 20 anos a pesquisas e a lecionar, e possui profunda vivência na cultura e na religião africana iorubá. Bacharel em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em 1992, na mesma instituição fez mestrado em Letras Vernáculas e Literaturas Africanas de Língua Portuguesa, em 2015, em dissertação sobre Mia Couto. É doutorando do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional.

Uma obra que proporciona mergulho profundo na cultura afro

Além da atuação em sala de aula e das palestras que ministra sobre cultura afro em sentido amplo, o carioca Rogério Athayde também assina uma já importante obra literária, tanto ficcional quanto de pesquisa e ensaística. A sua vinda a Santa Cruz, no começo de maio, será oportunidade para os leitores da região tomarem contato com essa produção intelectual, parcela da qual se encontra no catálogo da editora Pallas.

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Em 2023, Athayde lançou Oxalá é quem sabe: e outros contos diaspóricos. O volume é apresentado como uma homenagem às histórias que foram escritas depois de terem sido muitas vezes contadas de outra forma, ou pela oralidade, ou pelas expressões visuais. São tradições transmitidas a partir da tradição oral iorubá, um povo da costa ocidental africana, mais ou menos onde hoje se localiza a Nigéria. Os iorubás chegaram às Américas no processo da escravização. Foram desterrados, raptados, violentados, despojados de casas, famílias, terras e todos os seus demais bens.

Outro de seus livros mais recentes é Orunmilá, que tematiza o “dono do destino”, possuidor de culto e clero próprios no conjunto das religiões de matriz africana. Além de detalhar as circunstâncias nas quais esse orixá passou da África para o Brasil, Athayde explica a relação dele com o oráculo de Ifá. A obra é apresentada como base para reflexões sobre os fundamentos míticos e filosóficos cujo entendimento é indispensável para se aprofundar no ramo das religiões de raiz africana.

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Na linha de literatura infantojuvenil, em 2019, lançou O filho querido de Olokun, também pela Pallas.

Momento para falar da África

O professor e escritor carioca Rogério Athayde, de 55 anos, opta pelo termo literatura diaspórica para se referir a uma importante produção ficcional em que se tematizam e recuperam aspectos relacionados com a cultura dos afrodescendentes, tanto no Brasil quanto em outras partes do mundo. Em sua vinda a Santa Cruz do Sul, no contexto da 1ª Festa Literária Internacional, no final de abril e no começo de maio, terá a oportunidade de detalhar esse conceito para os leitores de toda a região.

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Em Santa Cruz, ele dividirá espaço com a escritora cubana Teresa Cárdenas, atualmente radicada no Rio de Janeiro. Athayde comenta que, embora ambos sejam publicados pela editora Pallas, que viabilizou, junto ao Sesc Santa Cruz do Sul, a vinda à cidade, até o momento nunca participou de atividade similar com ela. Se diz um admirador da obra de Cárdenas e igualmente do papel que ela cumpre no cenário da literatura latino-americana em geral.

Na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), em 2023, ambos estiveram em mesas, mas sem que estivessem reunidos em uma mesma atividade. “Agora, vai ser muito legal podermos conversar, juntos, no evento em Santa Cruz do Sul”, comentou.

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Rogério Athayde leciona, pesquisa e elabora ficção e ensaios sobre a cultura africana

Entrevista – Rogério Athayde, professor e escritor

  • Como o senhor define o termo literatura afrodiaspórica, que costuma usar?
    A palavra “diáspora” é sinônimo de exílio; portanto, expulsão forçada, afastamento. Claro, tem uma carga simbólica muito associada a perda, e esse é o uso correto da palavra diáspora. Quando nos referimos à diáspora africana nas Américas, estamos mencionando a captura dos africanos e todo o horror da escravidão, do tráfico, e, aqui no Brasil, dos usos e abusos dessa mão de obra. Quando a gente fala em diáspora, toda essa carga simbólica está compreendida.
    No entanto, eu, particularmente, tenho usado a palavra diáspora com outra intenção, porque, com a sua origem etimológica, já sugere outra ideia: “dia” quer dizer espalhar; o que vai ao encontro do uso corrente; mas “esporos” é semente. Então, “dia-esporos” é espalhar sementes, é semeadura. E eu gosto muito de pensar que a vinda forçada dos africanos para o Brasil não foi em vão, afinal de contas. Nós tivemos toda a violência, a estupidez, a brutalidade que a escravidão e o tráfico supõem. Aqui os africanos, em toda a diáspora americana, tiveram a capacidade, das inúmeras etnias africanas, de produzir cultura, adaptarem-se, criarem novas relações, de, através das condições encontradas no ambiente americano, levar adiante ou preservar suas expressões religiosas, suas tradições, seus idiomas. Isso me fascina.
  • Isso foi verificado em toda a América?
    Os cubanos, em especial, fizeram isso de maneira admirável. Os africanos chegados em Cuba e, depois, os cubanos descendentes dos africanos tiveram capacidade de adaptação admirável. No Brasil também vimos isso. Com o candomblé, constituído desde o século 19, uma capacidade espetacular de criação, recriação, adaptação e sobrevivência. Por isso, gosto de usar a palavra diáspora porque ela também significa semeadura, espalhar a semente, criar condições para que uma nova vida seja possível. Gosto muito de pensar nisso.
  • E no Brasil, como o senhor vê esse processo?
    Aqui no Brasil, há diversos autores que trabalham com antropologia, e o conhecimento antropológico sobre as tradições religiosas afrodescendentes ou afrodiaspóricas é muito grande. Só para ser correto, justo, com o uso da terminologia, a antropologia trabalha com essas questões há muito tempo e tem uma vastíssima produção nesses temas. Mais recentemente, a filosofia também vem tentando abordar esses temas, mas na literatura isso ainda é menos frequente.
    Na literatura, eu destacaria o Reginaldo Prandi, sociólogo da USP, que talvez seja hoje o maior especialista em religiões afro no Brasil. Pandi é brilhante e, além da produção intelectual, como sociólogo, é alguém que tem produção na área da literatura. Mitologia dos orixás é um clássico. Outro livro recentemente publicado, numa segunda edição, pela Pallas é Os príncipes do destino, cuja primeira edição foi pela CosacNaify, e está concorrendo a prêmio inclusive. Ele tem Aimó, pela Companhia das Letras. É um autor consagrado e importante nesse sentido.
    Outro autor que trabalha com esse tema e vem publicando tanto nas ciências sociais quanto na literatura é Luiz Rufino. Tem um livro dele infantojuvenil, do ano passado, Ossain. E na literatura a gente pode falar ainda do Joel Rufino dos Santos. São grandes nomes do Brasil sobre diversos assuntos ligados a tradições negras. Mas isso buscando só a questão do recorte religioso. Também gostaria de citar um autor muito querido, amigo meu, o Rodrigo Santos, que publicou um livro muito bom, chamado Macumba, thriller policial, e publicou recentemente uma obra que também envolve esse ambiente, que é Máquinas escrotas. E, humildemente, posso dizer que também tenho tentado fazer isso nos últimos tempos, trabalhar com os mitos iorubá e converter esses mitos para a literatura, além do trabalho acadêmico.
  • Acompanha a literatura africana?
    Acompanho sim, atentamente. Já escrevi sobre Mia Couto e sobre Moçambique, mas, de forma geral, a literatura africana talvez seja a mais potente da atualidade. Temos autores africanos excepcionais, não apenas em língua portuguesa, como Mia Couto, Ungulani Ba Ka Khosa, José Eduardo Agualusa, Ondjaki, Pepetela, mas autoras como Paulina Chiziane, de Moçambique, que escreveu Niketche, um dos livros mais poderosos que li em muitos anos; Noémia de Souza, Chimamanda Ngozi Adichie, Scholastique Mukasonga. E tantos e tantas mais. É uma percepção da África e da vida social na África que mostra o quanto esse continente é rico na produção literária. A gente tem autores ainda como Amos Tutuola, Chinua Achebe, Buchi Emecheta, grandes escritores que vêm publicando com muita potência, para falar sobre as possibilidades estéticas e imagéticas que a África possui.
  • O senhor já tem relação com o Rio Grande do Sul?
    Nenhuma! É um dó que eu tenho. Porque o Sul tem uma mítica em torno do Rio Grande do Sul, da cultura de fronteira, que admiro muito! Fui a Santa Catarina tempos atrás, mas nunca estive no Rio Grande do Sul. Vai ser minha primeira vez. Chegou a hora. Vou feliz.

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