Encravada em um fundo de campo, a plantação experimental de lúpulo dos irmãos Cristiano e Luciano Morsch, da esposa de Luciano, Michele Pauli, e dos sócios Alex Kwiatowski e Mariana Frey é de difícil acesso. Para chegar à propriedade, é necessário passar por um terreno acidentado e desviar das vacas que pastam tranquilamente. Um espaço com menos de um hectare, protegido por um capão de mato, foi escolhido para a empreitada. A área fica na Vila Santo Antônio, no interior de Mato Leitão, a 13 quilômetros do Centro de Venâncio Aires.
A plantação foi feita em dezembro de 2018. O grupo recebeu orientações do agrônomo catarinense Felipe Francisco, proprietário da uma empresa de assistência técnica especializada em lúpulo. Ambos ainda buscaram informações na internet. A maior parte do conteúdo é estrangeiro. A pesquisa nacional sobre lúpulo é incipiente. A estrutura foi montada e foram plantadas 300 mudas, das variedades norte-americanas Cascade e Columbus.
O cultivo é em formato de “V”. Cada planta precisa ficar a até um metro de distância da outra. Não há uso de defensivo. Para nutrir o solo e fornecer proteção, foram inseridos nabo forrageiro e aveia preta entre as fileiras. As plantas precisam de pelo menos dez horas de sol diariamente para o bom desenvolvimento, além de 12 litros de água. O sistema de gotejamento funciona com energia de placas solares. A maior dificuldade é afastar as formigas e um besouro verde chamado vaquinha. As ramas precisam ser guiadas pelo fio em “V” até alcançarem um metro. Também há exigência de capina para manutenção do terreno.
A primeira colheita ocorreu em março de 2019. A média de rendimento foi de 300 gramas por pé. A segunda safra será em abril. Os cones ainda não são utilizados na produção de cerveja. Eles serão levados para um estudo que vai traçar o potencial produtivo e a qualidade. Luciano aponta que a adaptação ao ecossistema brasileiro ainda é objeto de análise. Plantas exóticas precisam, em geral, de até 20 anos para uma adaptação completa. Assim como as uvas viníferas, o lúpulo tem o “terroir”. Os cones da mesma variedade podem ser distintos em regiões diferentes.
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Começo em 2012 e cursos para melhorar os processos
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Cristiano Morsch, de 33 anos, está envolvido há oito com o mundo da cerveja. Iniciou com uma produção caseira, com amigos e a família. As primeiras garrafas saíram em 2012, um ano antes da criação da Associação dos Cervejeiros dos Vales do Rio Pardo e Taquari (Cervale). Posteriormente, ele se especializou por meio de cursos para atuar como cervejeiro na Goldenbauch, da localidade de Santa Emília, interior de Venâncio Aires. A produção artesanal da Goldenbauch conta com as variedades pilsen, red, APA, IPA, Session IPA, Stout, Weiss e a desenvolvida em homenagem à Terra do Chimarrão: golden erva-mate.
Luciano Morsch, de 44 anos, trabalha como motorista e está entusiasmado com a capacidade de expansão do novo empreendimento. Caso o aproveitamento do lúpulo seja satisfatório, conforme o resultado das análises, o próximo passo será investir na mecanização. Para o futuro, a intenção é criar uma festa da colheita, nos moldes do que acontece na Europa. Nesses casos, cervejas são produzidas com o lúpulo fresco.
Presidente da Associação dos Cervejeiros de Santa Cruz do Sul (Acersc) e membro da Cervale, Roberto Gross, de 51 anos, incentiva a produção regional de lúpulo para abastecer as cervejarias locais. Para ele, o cultivo é uma fonte extra de receita e com potencial de crescimento. As cervejarias teriam o custo reduzido, já que todo o lúpulo consumido precisa ser comprado fora do País. “A expectativa é muito positiva. O Estado também conta com áreas maiores de cevada. É importante que os ingredientes estejam próximos da produção”, observou.
Mais plantações no Estado
Conforme a Associação Brasileira de Produtores de Lúpulo (Aprolúpulo), o Estado conta com 23 produtores. Há dois anos, eram somente cinco. O volume mais expressivo é resultado da expansão no consumo de cervejas artesanais. No Brasil, são 134 produtores em oito estados. A área total de plantação não supera 40 hectares. O custo de produção do lúpulo nacional é alto e acaba sendo vendido por R$ 150,00 a R$ 300,00 o quilo, enquanto o importado tem opções a partir de R$ 50,00 o quilo. Em flor, o ingrediente precisa ser utilizado poucos dias após a colheita. Já no formato de flor seca e embalada a vácuo, o tempo de uso máximo é de dois anos. Desde 2018, o Ministério da Agricultura passou a incluir o lúpulo no Registro Nacional de Cultivares (RNC). Hoje, há 41 variedades da flores reconhecidas e que podem ser vendidas no País.
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Viveiro tem capacidade para 20 mil mudas por mês
A Serra Gaúcha é a região mais avançada na produção de lúpulo. Para o agrônomo Felipe Francisco, juntamente com a Serra Catarinense, será o principal polo de cultivo. O clima ameno e a altitude favorecem a maior qualidade, com alto teor de óleos essenciais.
Para fomentar a produção como alternativa de renda, Natanael Moschen Lahnel, de Gramado, abriu um viveiro com 250 metros quadrados em abril do ano passado para fornecer mudas de nove variedades. A capacidade da Lúpulo Gaúcho é de 20 mil mudas por mês, vendidas a partir de R$ 15,00 a unidade. Ele iniciou o plantio de lúpulo em 2014 para utilizar na própria cerveja, criada em 2011. Neste ano, ele espera colher 400 quilos. Moschen orienta produtores iniciantes como secretário técnico da Aprolúpulo, criada em maio de 2018 e com sede em Lages, Santa Catarina.
Moschen conta com equipamentos de processamento, o que facilita a destinação da colheita dos outros produtores da região. Ele optou por uma plantação no estilo de parreira, com 2,3 metros de altura, no máximo, o que permite colheita manual. Nas plantações de 6 metros, segundo ele, o custo de implantação com 500 mudas pode chegar a R$ 100 mil. “As cervejas lupuladas estão na moda. Haverá uma demanda cada vez maior”, projetou. Não há uma quantidade precisa do ingrediente na cerveja. A pilsen, por exemplo, requer 10 gramas a cada 20 litros. Para uma IPA, são necessárias 8 gramas por litro.
Flor dá o amargor e serve para temperar a bebida
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O lúpulo é uma flor da família das canabidáceas, a mesma da maconha, que entra na composição das cervejas. Apesar do parentesco, a planta não tem efeito entorpecente: serve para dar o amargor, além de contribuir no aroma da bebida. A planta possui antioxidantes naturais potentes e alguns componentes têm efeito bactericida. É tida como relaxante e usada em calmantes e soníferos. Da planta típica de climas temperados que chega a seis metros no verão, nascem flores no formato de pequenos cones verdes. O que interessa aos cervejeiros é um pó amarelo produzido na base das pétalas chamado lupulina – nele estão a resina amarga e os óleos aromáticos que temperam a cerveja.
Cem litros de cerveja consomem de 40 a 300 gramas de lúpulo, segundo o livro Larousse da Cerveja, de Ronaldo Morado. Na hora de fazer suas escolhas, o cervejeiro conta com dezenas de variedades de lúpulo, que apresentam diferentes graus de amargor e aromas que vão do herbáceo ao condimentado e do terroso ao frutado (pense em grama, hortelã, feno, erva-doce, pinho, limão, toranja, mofo, resinas, flores…). Algumas variedades são famosas, como a tcheca saaz, responsável pelo caráter floral da pilsen da Bohemia, e às vezes merecem menção no rótulo das cervejas que as empregam. As dos Estados Unidos costumam ser mais potentes e exuberantes que as europeias.
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Curiosidades
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– O Rio Grande do Sul é o Estado com o maior número de fábricas de cerveja registradas no Ministério da Agricultura: 186.
– No primeiro ano de cultivo, cada planta produz, em média, 100 gramas. A partir do quarto ano, a produção pode chegar a 2 quilos.
– Em geral, a planta floresce em dezembro e a colheita acontece em março. No inverno, a planta entra em dormência e rebrota em setembro, com a chegada da primavera.
– Em 2018, o Brasil importou 3.362 toneladas de lúpulo, destinado, em sua maioria, para cervejarias artesanais. O valor do quilo varia de R$ 50,00 a R$ 1,2 mil, dependendo da qualidade e da variedade.
– Gustavo Laurindo, de São Francisco de Paula, é o maior produtor brasileiro de lúpulo, com 1,5 tonelada da flor seca e embalada a vácuo.
– Uma cervejaria de Bom Retiro do Sul colocou no mercado, em 2019, o primeiro rótulo (Harvest APA) produzido com lúpulo da variedade Cascade, oriundo da propriedade de Elson Alllgayer, de Santa Clara do Sul.