Há exatos cem anos, nascia em Petrovich, na Rússia, o escritor e bioquímico Isaac Asimov (1920-1992). Autor de mais de 500 livros, entre romances, contos, ensaios e obras de divulgação científica, ele foi, ao lado de Arthur C. Clarke e Robert A. Heinlein, um dos três grandes nomes da chamada “era de ouro da ficção científica”, nos anos 1950. No entanto, o trabalho de Asimov – que vem ganhando diversas reedições recentemente – se prova atual ainda hoje, tendo previsto dilemas cada vez mais relevantes em um mundo tecnológico como o nosso.
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O escritor, cuja família se refugiou nos EUA quando ele tinha três anos, escreveu os primeiros contos no final da década de 1930 em revistas pulp como a Astounding, de John W. Campbell, e a Amazing Stories, de Raymond A. Palmer. Mas desde o princípio da carreira, o autor já se destacava pela visão menos pessimista que imprimia às temáticas já usadas na ficção científica da época.
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Embora tenha sido responsável por criar as Três Leis da Robótica, Asimov não inventou os robôs. A ideia de seres autômatos já existia desde o século 19, em contos como O Homem de Areia (1816), de E.T.A Hoffman, The Bell-Tower (1855), de Herman Melville, e O Feitiço e o Feiticeiro (1899), de Ambrose Bierce.
Durante o século 20, robôs foram explorados exaustivamente pela literatura e pelo cinema. Sobre essa tendência, Asimov escreveu: “Tornou-se muito comum, nas décadas de 1920 e 1930, retratar os robôs como inventos perigosos que invariavelmente destruiriam seus criadores. A moral dessas histórias apontava, repetidas vezes, que ‘há coisas que o homem não deve saber’. No entanto, mesmo quando eu era jovem, não conseguia acreditar que, se o conhecimento oferecesse perigo, a solução seria a ignorância”.
Essa defesa incondicional da ciência e da busca pelo conhecimento marcaram a carreira de Asimov. O que o tornava diferente dos outros escritores que trataram de robôs na época foi dar a complexidade e as nuances que o assunto pedia. Em seu primeiro conto sobre o tema, Robbie (1940), os elementos já estavam todos lá: seitas de antirrobôs protestam contra a existência dessas máquinas, ao mesmo tempo em que uma criança não consegue superar a perda de seu robô-cuidador. Asimov destaca tanto os lados positivos quanto os negativos. Robbie é carinhoso com a protagonista, mas a insatisfação dos trabalhadores ao perder seus empregos é completamente justificada.
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O termo “robô” foi cunhado pelo pintor e poeta checo Josef Capek. “Robota” significa “trabalho forçado” em sérvio e sua raiz é “rab”, escravo. A palavra foi usada pela primeira vez pelo irmão de Joseph, Karel Capek, na peça A Fábrica de Robôs, justamente no ano em que Asimov nasceu. A questão trabalhista dessa temática fica clara em um diálogo da peça entre a presidente da Liga da Humanidade, uma espécie de sindicato, e o gerente da fábrica de robôs: “Que tipo de trabalhador você pensa ser o melhor?”, ele pergunta. “O melhor tipo de trabalhador? Suponho ser o honesto e dedicado”, ela responde. “Não. O melhor tipo de trabalhador é o trabalhador mais barato. O que tem menos necessidades.”
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Um estudo de 2013 publicado pela Universidade de Oxford mostrou que 47% dos empregos nos Estados Unidos correm risco de serem tornados obsoletos por máquinas. Atento a questões que somente hoje vêm recebendo atenção, Asimov já alertava para esse perigo quando o matemático Alan Turing abria caminho para a computação contemporânea – e, consequentemente, para a mecanização do trabalho em curso no século 21.
O escritor aprofundou essas questões ao tratar do direito robótico e de questões existenciais, sem negligenciar a discussão ética, social e trabalhista envolvendo inteligências artificiais em livros como As Cavernas de Aço (1954) e O Sol Desvelado (1957), que mesclam tramas policialescas em um pano de fundo futurista. As histórias de Asimov nesse nicho inspiraram filmes como O Homem Bicentenário (2000), de Chris Columbus, e Eu, Robô (2004), de Alex Proyas. Em Máquinas Como Eu (2019), Ian McEwan cita as leis de Asimov para falar sobre dilemas envolvendo androides sencientes, provando que o russo-americano ainda é uma bússola moral incontornável do tema.
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Fronteira final
Não só de robôs, contudo, se faz a obra de um mestre da ficção científica. Asimov explorou assuntos muito mais variados. Em 1966, a trilogia da Fundação foi eleita a melhor saga de fantasia e ficção científica de todos os tempos, e é o trabalho mais ambicioso do autor. Expandido nos anos seguintes para uma série contendo sete livros, a obra narra a queda de um império de proporções galácticas, inspirado pela forma como o historiador Edward Gibbon descreveu a queda de Roma.
Em meio a esse cenário espacial, o sábio Hari Seldon (uma espécie de alter ego de Asimov) cria a psico-história, uma ciência capaz de prever o futuro com precisão unindo elementos de psicologia, matemática e ciências sociais.
Com isso, ele dá origem ao Plano Seldon, uma tentativa de impedir que a humanidade entre em uma era de barbárie sob os escombros civilizatórios do Império. A saga consiste em histórias episódicas que se passam com séculos de distância, envolvendo personagens diferentes a cada época – o mais perto que há de um protagonista, Hari Seldon, está morto há muito tempo logo nas primeiras narrativas. Com a saga da Fundação, que será adaptada em uma série da Apple TV, Asimov voltou o olhar para os dramas da expansão espacial.
O conto O Cair da Noite (1941), filmado em 1988 e em 2000, trata de um planeta que orbita seis sóis e, portanto, está sempre iluminado. Quando um raríssimo eclipse múltiplo mergulha esse mundo na primeira noite em mil anos, a população só tem a razão científica para salvá-la da superstição. Esse embate entre civilização e barbárie – sempre resolvido pela ciência, é claro – é talvez o principal tema da obra do escritor.
Seja falando sobre a irracionalidade da tecnofobia, seja narrando aventuras espaciais, Asimov sempre se preocupou com o obscurantismo, tratando-o como principal ameaça à humanidade. Talvez por isso, em uma entrevista célebre de 1988 sobre a internet, que ainda engatinhava, ele tenha deixado de lado as visões apocalípticas e optado pelo otimismo ao exaltar a democratização da educação que os computadores poderiam trazer. Seria interessante ouvir o que Asimov diria do anti-intelectualismo que se propagou pelo mundo graças à internet neste século 21.
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