As localidades do interior tinham mais ou menos a mesma estrutura física e social: um pequeno núcleo central e as demais moradias espalhadas em seus minifúndios. Nesse universo, cercado de silêncio e muitas vezes de solidão, estendia-se vagarosamente a vida como se fosse um lençol monótono não agitado pelo vento. No núcleo central, havia, com pouca variação, três entidades: a escola, a igreja (com cemitério ao lado) e a venda, a casa comercial (com salão de baile associado). Hoje, vou reviver um pouco a minha aldeia.
A escola ensinava a ler e a escrever, pouco mais. Estudar até o quarto ano era suficiente, depois as crianças viravam mão de obra no cultivo da lavoura. Raríssimos conseguiam ver um pouco mais adiante, chegando até a fazer o ginásio, ponto culminante do então ensino fundamental. Mas, estes não mais voltavam ao interior. O professor era uma pessoa muito respeitada, às vezes por estima, às vezes por medo. Era um líder reconhecido na comunidade.
O transporte escolar contava com cavalos, para quem morava longe, todos os demais iam a pé. Quase ninguém tinha bicicleta. A merenda escolar vinha da casa de cada um. Para não comer sempre a mesma coisa, era comum haver troca. E não se considerava se uma valia mais do que a outra, importava variar o sabor. Poucos levavam linguiça, quase não havia esse produto em casa. Como nós tínhamos matadouro e açougue, de vez em quando o pai liberava um pedaço que se transformava, esse sim, em valiosa moeda de troca.
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A pequena igreja, que para nós era imensa, aos domingos, acolhia as pessoas para ali cultivar a fé. Usavam uma roupa melhorada, domingueira, ficavam felizes porque havia o reencontro depois de uma semana de distância e isolamento. O pequeno sino anunciava as celebrações da vida e da morte. As da vida tinham hora certa, as da morte, marcadas por toques plangentes, sempre surpreendiam e alvoroçavam o lugarejo porque um conhecido de todos havia partido.
Em tempos idos, a missa era rezada em latim, o sermão não terminava nunca porque o padre primeiro pregava em português, depois repetia tudo em alemão. Um suplício, pois ali perto o campinho, a bola de borracha e as rosetas nos esperavam. Nos dias de celebrações solenes, ao final, o coro entoava o “Deus imenso criador”, em português e, na minha comunidade, também em alemão. O povo cantava vibrante, o sino badalava ensandecido e, logo ao lado, espocavam rojões, tudo somado parecendo um prenúncio de fim do mundo. Quem viveu, jamais apagará isso da memória.
A venda era um pouco a alma da comunidade. Todos a frequentavam. Vendia e comprava o imaginável e o inimaginável. Os colonos vendiam porcos, galinhas, ovos, e compravam o que faltava em casa: tecido, erva, açúcar, sal, querosene, de tudo. Era comum ver alguém passando pela estrada com uma penca de galinhas amarradas pelos pés, suspensas dos ombros, para trocá-las por mantimentos.
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Na venda, o ônibus – que chamavam de linha – parava para trazer encomendas, espalhar novidades, embarcar e desembarcar passageiros, conectava a aldeia com o mundo possível. O ônibus trazia também as cartas tão esperadas pelos corações apaixonados. Ficavam numa caixa sobre o balcão e várias delas viriam a selar amores que viveriam felizes para sempre. Na venda igualmente ficava o único telefone da localidade.
O mundo era menor, mas também permitia a felicidade.
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