Moro em Porto Alegre há décadas. Algumas cenas urbanas ainda me perturbam. Todos os dias, na frente da Santa Casa de Misericórdia, desço da lotação que me leva ao Centro da cidade. Até o meu local de trabalho são mais 15 minutos de caminhada pela Rua Duque de Caxias.
Ontem uma cena cada vez mais comum chamou a minha atenção. Era uma mulher de cerca de 30 anos, morena, estatura média, roupas simples e coloridas. Ela aguardava a sinaleira de pedestres abrir para atravessar a movimentada via.
A passagem finalmente foi liberada, mas a moça permaneceu ali, imóvel, paralisada junto à estreita calçada onde outros pedestres desviavam dela. Intrigado, estanquei minha caminhada. Ao vislumbrar com maior nitidez seu rosto, constatei que lágrimas escorriam por ele. Chegando ainda mais perto percebi que ela soluçava, abalada com alguma circunstância de sua vida.
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Confesso que depois de flagrar a cena em toda a sua intensidade, me arrependi. Até a metade do dia, aquela imagem da morena aos prantos numa das principais ruas da Capital permaneceu com nitidez na minha retina. O que teria havido com ela? Repórter – mesmo que fora de forma – cultiva este vício eterno de saber os porquês das coisas, os motivos de as pessoas agirem assim ou assado. Enfim, entrar nos personagens que gravitam em nosso entorno.
No início desta crônica, disse que ver pessoas chorando era comum. Noto isso nos lugares onde almoço, no transporte coletivo, na Praça da Matriz, em bares e vários ambientes que frequento. Talvez a solidão, a depressão ou a sensação de vazio que tanta gente relata estejam afetando o comportamento das pessoas.
Outra paisagem que infelizmente quase não choca é a de pessoas dormindo ao relento. Isso acontece em cidades nem tão grandes. Cenas de idosos e crianças misturados a lixo, entulho e animais proliferam em Porto Alegre. Neste trecho que caminho todos os dias, uma senhora de uns 70 anos se espreme numa estreita escada que dá acesso a um ateliê de pintura.
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Faça chuva, faça sol essa senhora está ali, dormindo, encolhida, sem colchonete, papelão ou proteção. Veste roupas puídas, mãos encardidas e pés descalços. Parece viver um dia de cada vez. Já a vi acordada, mas não chorava. Pelo contrário. Tentava interagir com os transeuntes que, como acontece nesses casos, fogem temendo ser um assalto ou alguém com problemas mentais.
Lágrimas, abandono, dor. O ser humano é perpassado por sentimentos que deixam cicatrizes indeléveis. Nesta época do ano, assistirei a muitos casos semelhantes ao da moça morena chorando em frente à Santa Casa. Estaria ela indo visitar um parente querido em estado grave? Estaria ela adoentada após a realização de exames? Perdera um ente querido ou um amor?
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