Um grupo de pesquisadores americanos conseguiu restaurar a circulação e a atividade celular em órgãos vitais de suínos, como o coração e o cérebro, uma hora após a morte dos animais. O estudo lança questões sobre a ideia que a morte cardíaca (com a parada da circulação corpórea e a oxigenação) é irreversível, e levanta questões éticas sobre a própria morte. Em 2019, o mesmo grupo de cientistas reanimou o tecido cerebral de porcos quatro horas após a morte.
Os resultados foram publicados no dia 3 de julho na revista científica Nature. Os pesquisadores dizem que os objetivos são, um dia, aumentar a oferta de órgãos humanos para transplante, permitindo que os médicos obtenham órgãos viáveis muito depois da morte. Eles dizem esperar que a tecnologia também possa ser usada para prevenir danos graves aos corações após um ataque cardíaco ou ao cérebro após um derrame.
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Na técnica utilizada, os cientistas conectaram os corpos dos porcos mortos a um sistema chamado de OrganEx, que bombeia um substituto do sangue no corpo dos animais. A solução – contendo o sangue dos animais e 13 compostos como anticoagulantes – retardou a decomposição dos corpos e rapidamente restaurou algumas funções dos órgãos, como a contração do coração e a atividade no fígado e nos rins.
Embora a solução tenha preservado a integridade de alguns tecidos cerebrais, os pesquisadores não observaram atividade cerebral coordenada que indicasse que os animais haviam recuperado qualquer consciência ou senciência.
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Os autores do estudo alertam que os resultados não mostram que os porcos tenham sido reanimados de alguma forma após a morte, especialmente na ausência de atividade elétrica no cérebro. “Fizemos as células fazerem algo que não eram capazes de fazer” quando os animais estavam mortos, disse à Nature o membro da equipe Zvonimir Vrselja, neurocientista da Universidade de Yale em New Haven, Connecticut (EUA). “Não estamos dizendo que é clinicamente relevante, mas está se movendo na direção certa.”
O grupo, liderado por Nenad Sestan, professor de Neurociência, Medicina Comparada, Genética e Psiquiatria da Escola de Medicina de Yale (EUA), ficou impressionado com a capacidade de reviver células. Essas descobertas, no entanto, são apenas um primeiro passo, disse Stephen Latham, biogeneticista de Yale que trabalhou em estreita colaboração com o grupo. A tecnologia, enfatizou, está “muito longe de ser usada em humanos”.
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Sestan diz que o experimento pode funcionar com base no observado no estudo de 2019, porque o cérebro é o órgão mais suscetível à privação de oxigênio. “Se você pode recuperar alguma função em um cérebro de porco morto, também pode fazê-lo em outros órgãos”, diz ele. O grupo modificou a solução e a técnica usadas para esse estudo. Eles incluíram compostos que suprimem a coagulação do sangue e a resposta do sistema imunológico, que é mais ativo em outras partes do corpo do que no cérebro, diz ele.
Uma hora após a morte dos porcos, os pesquisadores colocaram os animais em ventiladores e anestesiados. Alguns deles foram então ligados ao sistema OrganEx; outros não receberam tratamento ou foram conectados a uma máquina de oxigenação por membrana extracorpórea (ECMO), usada em hospitais. Após seis horas, os pesquisadores notaram que a circulação havia recomeçado de forma muito mais eficaz nos porcos que receberam a solução OrganEx do que naqueles que receberam ECMO ou nenhum tratamento.
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O oxigênio começou a fluir para os tecidos de todo o corpo dos animais que receberam a solução e o coração apresentou alguma atividade elétrica e contração. O órgão, porém, não foi totalmente reanimado e não está claro exatamente qual foi a resposta do coração, diz David Andrijevic, neurocientista de Yale e membro da equipe. O estudo também notou que os fígados dos porcos que receberam a solução produziram muito mais uma proteína chamada albumina do que os fígados dos porcos dos outros grupos. As células deste grupo responderam à glicose em nível mais alto do que os animais dos outros grupos, sugerindo que o tratamento deu início ao metabolismo.
Para Vrselja, as descobertas são impressionantes, dada a rapidez com que a decomposição da morte começa. Poucos minutos após a parada cardíaca, o corpo fica privado de oxigênio e as enzimas começam a digerir as membranas celulares, levando os órgãos a perder rapidamente a integridade estrutural.
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Curiosamente, apenas os porcos OrganEx começaram a sacudir involuntariamente a cabeça, o pescoço e o torso depois de receber uma injeção de corante de contraste que ajudou os cientistas a visualizar os cérebros dos animais após o tratamento. Os pesquisadores não têm uma boa explicação para os movimentos, observando que é improvável que os impulsos tenham surgido no cérebro, dada a falta de atividade elétrica. É possível que os movimentos tenham surgido na medula espinhal, que pode controlar algumas funções motoras independentemente do cérebro, dizem eles.
Agora, os cientistas vêem os desafios éticos que podem surgir se a técnica puder um dia restaurar a atividade cerebral após a morte. O estudo enfatiza que a morte não é um momento, mas um processo, tornando difícil encontrar uma maneira uniforme de declarar uma pessoa morta, diz Arthur Caplan, biogeneticista da Universidade de Nova York. Isso significa que a definição legal de morte continuará a se adaptar à medida que a medicina continuar avançando, acrescenta.
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