A cassação do mandato do deputado federal Maurício Marcon (Podemos) e a anulação de todos os votos obtidos pela legenda para a Câmara Federal – com possibilidade de recorrer da decisão – apareceram como sinal de alerta para os dirigentes partidários. O motivo da decisão do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) foi o que chamam de uso de candidata “laranja”, quando a mulher disponibiliza seu nome apenas para a sigla alcançar a cota que obriga os partidos a terem 30% dos postulantes de um dos gêneros.
Essa exigência tornou-se realidade a partir da lei 9.100, de 1995, que definiu o mínimo de 30% para cadastro de candidatos nas eleições proporcionais. Costuma ter o entendimento de que se refere às mulheres, pois elas representam número menor entre os postulantes, apesar de serem a maioria na população. Um exemplo é o Vale do Rio Pardo. De acordo com o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a região tem 193.930 mulheres e 184.601 homens. Em 16 câmaras de vereadores avaliadas, das 170 vagas, apenas 32 foram ocupadas por mulheres.
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Professora do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Maria Lúcia Moritz destaca que elas não encontram espaço nos partidos. “São instituições que não são receptivas à presença das mulheres, tanto que os partidos só passaram a cumprir a lei de cotas quando foram obrigados a fazer por força da reforma política em 2009”, acrescenta.
Maria Lúcia diz que há situações de partidos que escolhem postulantes sem chance de se eleger, apenas para honrar o compromisso. Outro dificultador é a questão financeira. Ela alerta que o percentual do “fundão eleitoral” que seria destinado para as candidatas não é cumprido. “Ao invés de serem punidos, os partidos se esforçam para aprovar sua própria anistia, em uma nova proposta de emenda à Constituição”, aponta.
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E esse baixo desempenho não refere-se apenas à região. O Brasil, de acordo com o relatório da União Interparlamentar, de setembro de 2023, ocupa a 133ª posição entre 187 nações, um dos piores desempenhos do continente latino-americano. Mas isso não quer dizer que os brasileiros não votam em mulheres. Exemplos da professora Maria Lúcia são as eleições, duas vezes, de uma mulher para a presidência da República (Dilma Rousseff), de uma governadora no Rio Grande do Sul (Yeda Crusius) e de outras “campeãs de voto”, como Maria do Rosário, Manuela D’Ávila, Fernanda Melchionna, Luciana Genro e Silvana Covatti, entre outras.
Na região, em 16 municípíos, dois são geridos por mulheres: Santa Cruz do Sul (Helena Hermany – já tendo elegido Kelly Moraes) e Sinimbu (Sandra Backes). “O que geralmente acontece é a concentração de votos em poucas candidatas”, frisa.
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A lei das cotas é entendida pela professora Maria Lúcia Moritz como necessária, mas alerta que sozinha não tem sido suficiente nem eficaz para reverter a situação de desvantagem das mulheres na esfera política, em geral no Legislativo. Além da adoção das cotas, acredita, deve ser levado em consideração se ela é cumprida e quais sanções estão previstas para esse caso.
Sobre isso, na sessão da última terça-feira, o pleno do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) julgou a ação de impugnação de mandato eletivo e decidiu, por unanimidade, cassar o deputado Maurício Marcon; invalidar a lista de candidaturas beneficiadas da legenda, o Podemos, ao cargo de deputado federal; anular todos os votos nominais e de legenda e determinar o recálculo dos quocientes eleitoral e partidário.
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Mais situações como essa podem acontecer, caso os partidos busquem burlar a legislação eleitoral. O juiz André Luís de Moraes Pinto, da 162ª Zona Eleitoral, afirmou em entrevista à Rádio Gazeta FM 107,9 que o TRE formou um comitê de enfrentamento à fraude de gênero. Como resultado, candidaturas podem ser impugnadas e, reforça o magistrado, anulados todos os votos obtidos pelos integrantes da nominata que infringir a lei de cota.
Essa situação também foi destacada no encontro dos representantes da Justiça Eleitoral com os presidentes de partidos dos municípios que integram as zonas 162 e 40. Os números da região confirmam a concentração de votos em poucas candidatas mulheres. Exemplo é o fato de que em Santa Cruz do Sul, Rio Pardo, Vale Verde e Pantano Grande, as maiores votações são de mulheres. Em todos os casos, porém, elas não passam de 30% da ocupação nas vagas do Legislativo.
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O plenário com maior participação feminina, conforme os dados da eleição de 2020 disponibilizados pelo TRE, é Passo do Sobrado. São nove cadeiras, das quais cinco foram ocupadas por homens e quatro por mulheres. Durante a legislatura, com eventuais ausências, elas chegaram a formar maioria.
Sônia Marli Kessler Kist foi a primeira mulher a eleger-se por seu partido, a Arena – atualmente, Progressistas –, na Câmara de Vereadores de Santa Cruz. É considerada a mãe das feiras rurais, pois conseguiu a aprovação dessa iniciativa, mesmo tendo que lutar por quatro anos, recorda. “Não me entreguei. Lutei até que saíram”, comenta.
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Orgulha-se de ter sido a representante feminina no Legislativo durante 12 anos, em um período em que “a mulher era vista como dona de casa, para cuidar do lar, dos filhos e do marido”. Chegou a ser a única mulher entre 21 parlamentares. “Confesso que não foi fácil. Tive que enfrentar muitas batalhas, porque os colegas não facilitavam”, afirma. Assim, havia uma luta em cada projeto apresentado.
Mas se a relação no plenário demandava muito jogo de cintura e habilidade política, o contato com o público compensava. “A comunidade foi maravilhosa! Acompanhava meu trabalho, me incentivava, tanto que quase dobrei minha votação na eleição seguinte.”
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