O sorriso marcante da jovem Ana Paula Sulzbacher provavelmente ficou marcado na memória da população que viveu em Santa Cruz do Sul na década passada. Os desdobramentos de seu trágico assassinato marcam um dos episódios mais tristes da história do município e revelam a crueldade de um homem contra uma mulher, em seu mais alto nível de fúria.
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Em 14 de dezembro de 2012, ela foi estuprada e jogada ainda viva de uma altura de 40 metros, do topo do Morro da Cruz, um dos mais belos pontos turísticos da cidade. Devido ao sigilo do caso, muitas das informações na época, mesmo com a conclusão do inquérito, foram preservadas pela Polícia Civil. Em nove meses de investigações, a Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) concluiu que Deivid Stein de Oliveira, na época com 22 anos, foi o autor do crime. O feminicídio completa dez anos nesta quarta-feira.
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A Gazeta do Sul entrevistou a delegada Lisandra de Castro de Carvalho – responsável pela finalização do caso – e conta, na quinta reportagem da série Casos do Arquivo, bastidores da investigação, como quando o autor voltou à cena do crime pouco antes de o corpo ser encontrado, assim como a rejeição de outra mulher na mesma data do assassinato se somou à raiva que fez Deivid cometer o feminicídio. Também detalha como esse crime ajudou na investigação de outro cometido pelo mesmo autor, também com extrema crueldade.
Ana Paula Sulzbacher nasceu em 26 de maio de 1997, no Hospital Santa Cruz (HSC). Passou a infância em Alto São Martinho, interior de Santa Cruz do Sul, e foi aluna da Escola Nossa Senhora de Fátima até a oitava série, quando ganhou o título de Rainha da Escola, em 2011. Quando desapareceu, estudava no primeiro ano do Ensino Médio, no turno da manhã, na Escola Estadual de Ensino Médio Santa Cruz.
Adorava assistir televisão e era fã do Capitão Jack Sparrow, personagem interpretado pelo ator Johnny Depp. A jovem também costumava participar de teatros e encenações na comunidade e na escola e tentaria cursar o Ensino Superior (provavelmente Veterinária, em razão do amor pelos animais). Na noite de 14 de dezembro de 2012, uma sexta-feira, Ana Paula saiu de casa, no Bairro Margarida, por volta das 20h45, avisando a família que se encontraria com uma amiga.
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A polícia descobriu mais tarde que, na verdade, ela tinha um encontro marcado com um jovem de 19 anos. O rapaz, no entanto, desmarcou o compromisso quando a menina já havia saído de casa. Sozinha na rua, a adolescente manteve contato pelo celular com um amigo e pediu para que ele fosse encontrá-la. Às 22 horas, o amigo avisou que só poderia sair uma hora depois. Diante disso, ela enviou uma última mensagem de texto, manifestando medo de ficar na rua sozinha por tanto tempo. “Eu to falando serio… Ñ e muito seguro uma pessoa como eu ficar na rua mais uma hr!!!”, dizia o texto do torpedo.
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Ana teria avisado que iria até a casa dele, mas não apareceu nem deu mais notícias. Ao longo do final de semana, parentes e amigos, auxiliados pelas forças de segurança, fizeram buscas em diversos pontos da cidade, mas não a encontraram. Às 17 horas do dia 17 de dezembro, segunda-feira, a esperança de achá-la com vida desapareceu. Dois amigos da família encontraram o corpo em meio ao matagal na parte inferior do paredão do Parque da Cruz. A partir dali, começava uma investigação que terminaria apenas nove meses depois.
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Colega de aula de Ana Paula, Carolaine Kipper do Nascimento, hoje com 25 anos, lembra com saudade da amiga. “Fizemos o primeiro ano no Santa Cruz. Sentávamos juntas, fazíamos trabalhos de aula. Basicamente, estávamos sempre juntas. Aquela sexta-feira foi nosso último dia de aula. A gente se despediu de manhã e ficou de conversar para se encontrar no final de semana, pois queríamos ir a um rodeio”, contou a cabeleireira.
“De noite, antes de ela sair para encontrar a irmã na formatura do Ensino Fundamental, me ligou e falamos por telefone. Me contou que não ia no jantar e só iria sair com eles depois.” Foi a última vez que as duas se falaram. “Fiquei sabendo do desaparecimento pela Luana, irmã dela, que me mandou mensagem de madrugada, pois estava tentando entrar em contato com a Ana e não conseguia.” A amiga também tentou ligar, mas sem retorno.
“Ficaram as boas lembranças da época que a gente estudava, trabalhos que fazíamos na varanda da casa dela, das vezes que ela dormiu lá em casa, almoços na minha avó. Até hoje, entrar e passar pelo Santa Cruz é difícil, complicado, traz lembranças da gente juntas.” Para Carolaine, Ana Paula deixou um legado de carinho. “Fica a atenção também, sobre a importância de conversar com os pais, ter essa abertura, de não sair sozinho. A independência até um certo ponto é bom, mas tem situações que requerem mais atenção e cuidado”, avaliou.
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Os pais Silvani e Dario Sulzbacher e a irmã Luana Sulzbacher foram contatados pela Gazeta do Sul e não quiseram falar sobre o caso.
Considerado um dos crimes de feminicídio mais graves já registrados na história de Santa Cruz do Sul, o chamado Caso Ana Paula foi também um dos mais difíceis de investigar. Responsável por concluir e remeter o inquérito ao Poder Judiciário, com indiciamento de Deivid Stein de Oliveira por estupro, homicídio qualificado, furto e fornecimento de bebida alcoólica a menor de idade, a delegada Lisandra de Castro de Carvalho revelou detalhes para a Gazeta.
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“O Caso Ana Paula foi emblemático, principalmente pela dificuldade que se teve em achar o autor. Isso só foi possível pelo rastreamento das ligações efetuadas após a morte da vítima, com quebra de sigilo telefônico. Houve a inserção de um chip nesse telefone, que acusou que estava na posse de um rapaz que era conhecido do autor. A partir disso, chegamos ao nome de Deivid Stein de Oliveira”, comentou Lisandra.
Na época dos fatos e finalização do inquérito, nem todos os detalhes vieram à tona, principalmente em virtude de o crime envolver violência sexual. Uma das informações preservadas era que Deivid mantinha um relacionamento afetivo com uma mulher moradora do Bairro Margarida, próximo ao local do assassinato. Ele era morador do Bairro Bom Jesus e estava no Margarida em horário compatível com o desaparecimento da vítima.
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No dia do assassinato, a então companheira de Deivid terminou o relacionamento e quebrou o celular dela para não receber mais chamadas e mensagens de texto dele. E essa situação não foi aceita pelo autor. Inconformado, foi ao encontro dessa mulher a pé, mas no caminho, no entroncamento das ruas Edmundo Baumhardt e Rodolfo Buelow, cruzou com Ana Paula. “Ele viu que ela era bonita e chamou a atenção. Verificou que estava sozinha, caminhando à noite, em total situação de vulnerabilidade, e viu a oportunidade”, salientou a delegada.
Ninguém saberá como aconteceu o crime, pois Deivid negou que o tenha cometido, apesar das provas. No entanto, a suspeita da Polícia Civil foi de que naquele dia os dois se cruzaram a pé e ele flertou com ela. “Ele era jovem, bem vistoso, se aproximou dela e tentou ganhar sua confiança. Talvez ela tenha visto no Deivid um rapaz bem apessoado e aceitou a companhia”, disse Lisandra.
Foi possível identificar uma quantidade excessiva de álcool no corpo de Ana. Ela talvez tenha ingerido bebida após ser oferecida pelo autor. “Acreditamos que num rompante de fúria, por ele ter tentado manter algum relacionamento sexual e ela, que era virgem, ter resistido, ele, que ainda estava descontente em relação à rejeição sofrida naquele dia pela então companheira, descarregou sua raiva na Ana Paula”, complementou a delegada. A adolescente de 15 anos nada pôde fazer, diante da força e da maldade de seu executor.
Uma das apurações que ajudaram a polícia a confirmar que Deivid estava na cena do crime foi a análise da movimentação do seu telefone, que mostrou que ele retornou ao local do feminicídio no domingo, apesar da forte chuva que caía sobre a cidade, e no dia seguinte, segunda-feira, quando o corpo foi encontrado. “Isso nos chamou a atenção. O que ele fazia em um dia de chuva torrencial, no mesmo local onde esteve dia 14? Possivelmente queria ver se a polícia tinha informação, se podia esconder o corpo de outra forma. Acreditamos que o cadáver tenha ficado preso em algum ponto e, depois, despencado e sido encontrado”, disse a delegada Lisandra.
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Deivid foi preso temporariamente em março de 2013, enquanto a investigação estava em andamento. No entanto, foi solto porque a Justiça entendeu que não havia provas suficientes. Mesmo com o encerramento do inquérito, em 6 de setembro de 2013, e pedido de prisão preventiva, o Judiciário entendeu que ele deveria responder em liberdade. Solto, na madrugada de 30 de novembro estuprou e colocou fogo em Leodete Aparecida da Silva, de 35 anos, moradora do Faxinal Menino Deus.
O cadáver foi encontrado carbonizado em um terreno baldio da Rua Sete de Setembro, no Bairro Goiás. A necropsia apontou que a vítima estava viva quando foi queimada e morreu em decorrência de asfixia. “Um ano depois do Caso Ana Paula, para nossa surpresa, identificamos o mesmo indivíduo como autor de outro feminicídio bárbaro, da vítima Leodete, que foi queimada viva por ele após ser violentada”, disse Lisandra.
“Como foi encontrado material genético dentro da segunda vítima, e tínhamos coletado material dele no Caso Ana Paula, que já estava no banco do laboratório de genética forense, foi possível confrontar e confirmar que era o mesmo”, complementou a delegada. Por esse crime, ele foi preso em 17 de janeiro de 2014. Inicialmente, ficou detido no Presídio Regional de Santa Cruz, mas foi transferido ao Presídio Estadual de Sobradinho.
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Deivid alegou que estaria sofrendo ameaças dentro da cadeia. Em 18 de maio de 2016, foi condenado a 30 anos pela morte de Ana Paula. No dia 30 de julho daquele ano, tentou fugir da casa prisional, mas foi recapturado pela Brigada Militar e, em seguida, transferido à Penitenciária Estadual de Venâncio Aires (Peva). Em 28 de março de 2018, foi condenado a mais 18 anos pelo assassinato de Leodete. Atualmente com 31 anos, cumpre pena na Penitenciária Estadual de Charqueadas. Sua última movimentação policial aconteceu em 28 de dezembro do ano passado, quando teve um celular apreendido dentro da cadeia.
A polícia temia, na época dos assassinatos de Ana Paula e Leodete, que se o pedreiro continuasse solto, ele acabaria se tornando um assassino em série de mulheres. No período de um ano, havia cometido dois feminicídios brutais em Santa Cruz. O perfil traçado pela Deam mostra Deivid como homem com boa aparência, descrito pelas pessoas que o conheciam como sedutor, galanteador, de boa conversa e muito persuasivo e insistente. Todos foram unânimes em afirmar que ele também era mentiroso e dissimulado, e nos meios policiais era conhecido como suspeito de cometer pequenos furtos, aproveitando-se da confiança que conquistava das vítimas.
Também conforme o perfil, teria apresentado uma conduta doentia em relação à mulher que terminou o relacionamento com ele no dia da morte de Ana Paula. Em uma oportunidade, chegou a ficar horas em frente à sua casa, no Bairro Margarida, vigiando-a, ao mesmo tempo em que não deixava de cobiçar e assediar outras mulheres. “Escolhia vítimas aleatórias, que não o conheciam. Poderia classificá-lo como um verdadeiro psicopata. Não tinha limite, não se preocupava com a responsabilização e seguia seu instinto, sem o mínimo de remorso”, salientou a delegada Lisandra, que após 17 anos à frente da Deam, desde julho de 2022 responde pela Delegacia de Polícia de Vera Cruz.
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