Regional

Casa do Estudante resiste ao tempo e tem futuro incerto

Com quase 70 anos desde sua fundação, ocorrida em 1953, a Casa do Estudante Santa-Cruzense (Cesc) resiste ao passar dos anos e à demanda cada vez menor de moradores de Santa Cruz do Sul que procuram um lugar para ficar enquanto estudam na Capital.

Ao longo de suas quase sete décadas de existência, a casa foi responsável por abrigar centenas de pessoas que buscaram em Porto Alegre e Região Metropolitana a oportunidade para ingressar no ensino superior. Se, ao longo de sua história, cada uma das vagas em seus nove quartos era disputada e exigia até mesmo seleção dos candidatos, hoje a baixa procura é motivo de preocupação para o futuro.

Além disso, angariar recursos para a reforma do imóvel centenário, localizado no Bairro Bom Fim, tem se mostrado uma difícil tarefa.

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Os desafios de uma república estudantil

Segatto e Esteves se preocupam com o futuro

A Cesc é uma instituição autônoma, ou seja, a gestão é feita pelos próprios moradores sem nenhum tipo de interferência externa. Para isso, existem alguns cargos e também divisão das tarefas, como a limpeza dos ambientes comuns. De acordo com o atual diretor da casa, Bruno Esteves, todos são informados e concordam com as regras no momento da admissão. Com isso, a convivência é tranquila. O local dispõe de cozinha, lavanderia e sala de estudo disponíveis para uso de todos, bem como internet e televisão a cabo.

Os quartos são pequenos e costumavam ser divididos por duas pessoas cada um. Para isso, as camas são posicionadas no alto, fixas nas paredes, para que o espaço abaixo possa ser utilizado para guardar os pertences de cada pessoa. Nos últimos anos, com a redução na ocupação, alguns dos quartos abrigam somente uma pessoa.

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Em função dessa maior disponibilidade, a Cesc deixou de aceitar somente estudantes oriundos de Santa Cruz do Sul e passou a receber também pessoas que não tem vínculo com o município. Os residentes são classificados como moradores, que têm ligação com Santa Cruz, e visitantes, que não possuem. Bruno explica que o tempo de permanência como morador é o de duas graduações, sejam elas uma faculdade e um mestrado ou um mestrado e um doutorado. Depois desse período, caso a pessoa tenha interesse em continuar, passa a ser visitante e paga um valor diferente de mensalidade.

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“Nós temos notado nos últimos anos que a grande maioria dos estudantes que vêm a Porto Alegre fazer faculdade, seja federal ou particular, já são pessoas com condições de pagar um aluguel individual ou dividir com poucas pessoas”, observa o diretor da Cesc. Em função disso, não houve alternativa senão abrir o espaço para interessados de todas as partes do Rio Grande do Sul e até mesmo de outros estados. Foi necessário para que a casa possa se manter e a gente tenha condições financeiras de reformar a estrutura e torná-la atrativa para os santa-cruzenses e demais pessoas que precisam de um lugar.”

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Atualmente, a casa abriga 12 pessoas – nove moradores e três visitantes – e todos os ocupantes dos cargos de diretoria são naturais ou têm vínculo com Santa Cruz. Essa realidade de queda contínua na procura ocorre paralelamente ao declínio das repúblicas estudantis de modo geral e é motivo de preocupação para o atual diretor. Com cada vez menos moradores e interessados, o futuro da Casa do Estudante Santa-Cruzense é incerto. Por se r uma instituição autônoma, é fundamental para sua existência que haja novos residentes e também disponibilidade de recursos financeiros para a manutenção do imóvel.

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Esforço pela preservação da história do lugar

Pesquisa é feita com base nos arquivos da casa

Ex-morador da casa, Bruno Segatto está se dedicando a um trabalho de pesquisa sobre a história do local. As informações estão sendo colhidas nos livros de ata e também nas fichas dos antigos moradores que estão guardadas no arquivo da casa. Os depoimentos deles também são peça fundamental para preservar a memória de uma república estudantil com quase 70 anos e que já abrigou mais de 600 estudantes desde sua fundação, em 1953.

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Os dados colhidos indicam que a casa foi construída por volta de 1919 e funcionava como uma pensão na década de 1930. Em 1953, um grupo de estudantes que morava no local se mobilizou para adquirir o imóvel, o que foi possível por meio de um empréstimo. Os fundadores são Emiliano Limberger, Hélio Werlang, Humberto Gessinger, Francisco Schulte, Lúcio Hagemann e Lauro Hagemann. A casa sempre foi autônoma e gerida pelos próprios moradores com base em um estatuto.

Segatto se mudou para a Cesc em 2009, para estudar História na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs). Permaneceu na casa até 2016 e cursou ainda o mestrado. Nesse período, atuou em vários cargos. “Morei lá sete anos, fiz vários amigos, vivenciei e aprendi muita coisa. Tinha e tenho grande afeto pela casa, que me possibilitou morar e estudar em Porto Alegre.”

Graduado em História, ele logo se interessou pela memória de quase sete décadas da casa e pela grande quantidade de pessoas que passou por ela ao longo dos anos. Com a pesquisa, pretende mostrar o quão importante a Cesc foi para a formação de centenas de estudantes, mas também para a situação atual. “Quero chamar a atenção para o futuro incerto dela e para a necessidade de uma reforma do prédio”, afirma. Quem tiver interesse em colaborar com o trabalho pode entrar em contato pelo telefone (51) 99553 3995.

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Lembranças

Ruy Armando Gessinger

Ruy Gessinger | Foto: Maurício Silva/Banco de Imagens/GS

Segundo ele mesmo conta, tornar-se advogado e magistrado só foi possível graças, em parte, à Casa do Estudante Santa-Cruzense. Ruy Armando Gessinger morou na casa em meados dos anos 1960. Na época, o Ensino Médio era conhecido como Ensino Secundário e dividido em duas alternativas: científico e clássico. O primeiro oferecia disciplinas voltadas para ciências e exatas, enquanto o segundo era mais focado em filosofia e línguas estrangeiras.

Após concluir o segundo ano Secundário na modalidade científica no Colégio Mauá, em Santa Cruz do Sul, Gessinger decidiu pelo curso de Direito, que existia somente na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), em Porto Alegre. A situação, contudo, não era fácil. O comércio de seu pai acabou fechando as portas com o advento dos supermercados e ele entendeu que precisava fazer alguma coisa para sobreviver.

“Também entendi que não teria chance no vestibular da Ufrgs se ficasse inerte”, observa. Assim, Ruy Gessinger se matriculou no Colégio Júlio de Castilhos, na Capital, para cursar o terceiro ano do Secundário na modalidade clássica, onde poderia aprender mais sobre os conteúdos exigidos para o ingresso na faculdade. “Graças à Cesc, eu tive um lugar onde morar. De dia trabalhava e à noite ia a pé para o colégio.” Os finais de semana eram dedicados aos estudos.

Ele afirma que o clima na casa era de harmonia e todos se davam muito bem. “Sou grato até hoje por terem me acolhido e tenho saudades dos meus queridos camaradas.” Na sequência, Gessinger foi aprovado no vestibular e também em um concurso público. Foi quando se retirou da Cesc para deixar a vaga a outra pessoa que tivesse mais necessidade. “Se não fosse a bendita casa, as coisas teriam sido muito mais complicadas para mim”, finaliza.

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Miguel Pedro Lawisch

Miguel Pedro Lawisch | Arquivo Pessoal

Após algumas tentativas frustradas de ingressar no curso de Engenharia Civil em universidades federais, Miguel Pedro Lawisch decidiu mudar-se a Porto Alegre para fazer os cursinhos de pré-vestibular e viu na Casa do Estudante Santa-Cruzense a oportunidade de ter uma moradia para dar sequência aos estudos. Ele foi admitido como morador em 10 de junho de 1985, conforme consta em sua ficha de inscrição, que existe até hoje no arquivo da casa.

O período inicial, recorda, foi de dificuldades. “Era uma época em que a casa estava passando por uma grande reforma para a troca do telhado e das instalações elétricas.” Oriundo de família humilde e acostumado com os afazeres domésticos, Lawisch não se abateu. “Na casa do estudante cada um tinha uma tarefa, e também aprendíamos muito com a convivência”, observa.

Ele morou na Cesc de 1985 a 1991, período em que já se dedicava ao cicloturismo. “Com isso, eu não pude aproveitar tanto as amizades. O pessoal gostava da noite e eu acordava muito cedo para pedalar, trabalhar e estudar.” Para ele, a experiência de dividir a moradia e as tarefas com pessoas desconhecidas é sem dúvida uma experiência que ficou para a vida toda. “Havia uma hierarquia e disciplina dentro da casa. Os mais antigos ocupavam cargos de direção e tinha até multa para quem não cumprisse as obrigações.”

A comunicação por telefone na época era precária, de modo que as conversas com a família só ocorriam mesmo quando ele vinha a Santa Cruz. Quando havia dinheiro, a opção era o ônibus. Quando não, tentava pegar carona. Conforme a experiência sobre duas rodas aumentou, Miguel Lawisch não tardou a fazer o trajeto da Capital ao Interior pedalando. A bicicleta, segundo ele, facilitou muito a rotina nos primeiros anos em Porto Alegre para realizar os deslocamentos ao trabalho e à faculdade.

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Fábio Roberto Azevedo

Fábio Roberto Azevedo | Arquivo Pessoal

No final dos anos 1990, Fábio Roberto Azevedo já morava em Porto Alegre e cursava Engenharia Elétrica na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. A situação na casa dos parentes, contudo, ficou difícil e ele precisava de um novo lugar para morar. Foi quando descobriu a Casa do Estudante Santa-Cruzense, para onde se mudou em seguida. Devido à localização da casa, que fica a duas quadras do campus central da Ufrgs, a rotina se tornou mais fácil.

Fábio não demorou a assumir o cargo de tesoureiro. Nesse período, ele lembra que a estrutura se encontrava em condições precárias e precisava de uma reforma, que foi viabilizada junto à Prefeitura de Santa Cruz do Sul. “A casa estava caindo aos pedaços quando eu entrei, uma situação deprimente.” Uma equipe de Santa Cruz então realizou os reparos necessários e deixou o imóvel novamente em ordem. “Isso deu um gás para os moradores. Com as mensalidades que todos pagavam, conseguimos adquirir também novos móveis e eletrodomésticos.”

Foi também nesse período que os moradores decidiram fixar as camas nas paredes para aumentar o espaço útil nos quartos, que abrigavam duas ou até três pessoas, conforme o tamanho. Segundo ele, a convivência era tranquila, bem como a divisão diária das tarefas. “Como tinha muita gente, sempre tinha alguém limpando. Eventualmente um ou outro falhava e pagava uma multa, que engordava o caixa da casa e servia para comprar o que fosse necessário.”

Para ele, também foi um período de muito aprendizado e grandes amizades, que duram até hoje. “Havia trotes com os calouros, que eram saudáveis. Tinha muita pintura e o pessoal corria em volta do quarteirão.” A relação com a vizinhança, contudo, não era assim tão harmoniosa. “Éramos a única casa em meio a vários condomínios e como havia muitas festas, o pavio dos vizinhos era curto.” Ainda assim, Fábio afirma que todos os moradores de sua época concluíram os estudos e obtiveram êxito em suas carreiras.

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Marcio Souza

Jornalista, formado pela Unisinos, com MBA em Marketing, Estratégia e Inovação, pela Uninter. Completo, em 31 de dezembro de 2023, 27 anos de comunicação em rádio, jornal, revista, internet, TV e assessoria de comunicação.

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