Numa das fases mais desafiadoras da história para a educação, a professora Carmen Lúcia de Lima Helfer estava à frente da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) na condição de reitora, por oito anos. A pandemia surpreendeu a todos, levando à remodelação radical no processo de ensino-aprendizagem. Antes mesmo do advento da maior ameaça recente à saúde pública, a Unisc já vivenciava uma revolução. No que foi chamado de “reinvenção pedagógica”, Carmen liderou o movimento que tinha por meta sintonizar a instituição (tratando-se de universidade comunitária) com os novos tempos, de conexão digital e de novas demandas sociais e de trabalho.
Em certa medida, o fato de estar em meio a esse esforço permitiu à Unisc rapidamente se adequar a um contexto em que professores e alunos tiveram de seguir no processo de ensino-aprendizagem, apesar da pandemia. Nesta entrevista, Carmen, nascida em Rio Pardo e há cinco décadas radicada em Santa Cruz (a Câmara de Vereadores inclusive a agraciou com o título de Cidadã Santa-Cruzense, em 2018), reflete sobre o que os últimos anos deixaram como legado. E o faz como educadora, condição da qual jamais abdica. Junto à Unisc, atualmente responde pela Assessoria de Assuntos Interinstitucionais, e na terça-feira,12, foi eleita vice-presidente do Conselho Regional de Desenvolvimento (Corede). Ou seja, permanece uma forte liderança regional e comunitária, com ampla e privilegiada bagagem de conhecimentos.
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Entrevista – Carmen Lúcia de Lima Helfer, professora
- Gazeta – A senhora conduziu a Unisc em um dos períodos mais cruciais da história da educação, a das restrições motivadas pela pandemia. Quais foram os maiores desafios desse processo, e o que ele deixa como ensinamento, lição ou legado?
Como reitora, estive à frente da UNISC durante oito anos; e como gestora nas Pró-Reitorias de Extensão e de Graduação, mais 12 anos. Uma experiência longa e que foi vivenciada em diferentes períodos históricos da educação e da própria Universidade. Integrei gestão e docência. Das mudanças internas às mudanças externas, vivemos tempos de incentivo e de apoio aos estudantes da educação superior no país, por meio de políticas públicas, em especial, na esfera federal e estadual. E também vivenciamos a redução, a modificação das políticas para educação e do contexto social, econômico e sanitário. De fato, enfrentar uma pandemia, no Brasil e no mundo, decretada em 2020, foi algo que jamais imaginávamos viver, forçando-nos a modificar, de forma muito rápida, nossas rotinas pessoais e institucionais. Num clima de muita atenção aos cuidados e protocolos de segurança em saúde, dentro e fora da universidade, implantamos o ensino remoto em três dias, proporcionando aos nossos professores, estudantes e técnicos-administrativos novas formas de interação com o conhecimento, a aprendizagem e o trabalho. Penso que a pandemia acelerou as mudanças pedagógicas que estavam em curso, tais como a formação docente, o uso das TICs, o trabalho remoto, a manutenção da universidade, mesmo com isolamentos e distanciamentos. Os ensinamentos foram muitos. Trabalhar com perdas de pessoas queridas, com nossos medos e inseguranças, foram desafios enormes. No entanto, nessa época também presidia o COMUNG e ocorreu uma aproximação entre os reitores, com diálogo intenso, semanal, pois estávamos todos diante de um cenário totalmente novo, adverso e desafiante. Criamos formas de estar juntos, mesmo à distância. Assim foi com nossos professores, alunos e técnicos. Foram vivências de solidariedade, empatia, resiliência, ética e muita coragem. Estivemos juntos fortalecendo-nos e trabalhando em comitês do Município e do Estado, no COMUNG, na ABRUC, no CRUB, e buscando fazer a travessia, protegendo vidas, fazendo ciência, aplicando os conhecimentos produzidos, para minimizar os impactos desse vírus silencioso e letal até a chegada da vacina. Quando tantas mortes nos sensibilizavam e entristeciam, a maior força para mim, como reitora, foi a comunidade acadêmica da UNISC se apresentar, mais do que nunca, como uma autêntica e competente universidade comunitária. Foi motivo de coragem para, a cada dia, levantar e trabalhar e, com esperança, pensar nas pessoas, encarar os desafios cotidianos de um tempo inesquecível nas nossas vidas pessoais, profissionais e de nossas instituições. Pensar que estávamos vivos e, como liderança, entender que a educação, em todos os tempos, incluindo os de pandemia, é um campo propício para grandes transformações. Ainda não temos todos os dados e impactos causados pela pandemia. Um deles é que desvelou de todo, no País, a imensa desigualdade social. E na educação vimos isso de perto com evidências na evasão escolar, nos déficits em relação à aprendizagem, no acesso à tecnologia e na saúde mental de professores e estudantes.
- Antes mesmo desse contexto, a instituição iniciara um movimento que se denominou de reinvenção pedagógica. O que motivara essa iniciativa e em que medida ela contribuiu para um maior enfrentamento, talvez com mais resiliência, das adversidades trazidas pela pandemia?
Como referi, já havia tendências de necessidade de mudanças educacionais, de mudanças no pensar-fazer da universidade. Já nos deparávamos com novos cenários. Vários autores e pensadores da educação já lançavam luzes e a certeza de que a Universidade do século XXI precisava ser reinventada. Novos paradigmas, anunciados desde o século XX, apontam outros modos de fazer ciência, de ampliação das tecnologias digitais e seus impactos nas formas de ensinar e aprender, nas mudanças nos perfis dos estudantes, nas mudanças no mundo do trabalho e nas carreiras profissionais. A incerteza de novas e futuras formações que serão necessárias para dar conta dos inúmeros problemas da sociedade e do planeta, a flexibilização dos currículos, conhecimentos inovadores e a permanente aprendizagem durante a vida são só alguns aspectos. Já conscientes dessas questões, mobilizamos a comunidade acadêmica para a iniciativa de mudanças internas, mas também olhando para o contexto do mundo do trabalho e da vida. Nossos docentes foram provocados a buscar novas perspectivas pedagógicas diante das incertezas e da necessidade de avançar na reconfiguração da prática docente. Focamos muito em formação pedagógica de professores universitários para acompanhar, implantar e aperfeiçoar as mudanças, para melhorar e inovar as arquiteturas curriculares dos cursos. Assim fomos e estamos em busca de uma prática universitária, preocupada com a aprendizagem crítica, reflexiva, humana e ética, com interação com o mundo real, com apoio eficiente de tecnologias educacionais, com conexão ao mercado de trabalho, com a trabalhabilidade do egresso, e com currículos mais abertos, buscando um perfil formativo criativo e empreendedor no sentido mais amplo, de um sujeito capaz de resolver problemas reais, com competências como criatividade, cooperação, comunicação, ética, cidadania e adaptação a rápidas mudanças, com habilidades socioemocionais, como equilíbrio, tolerância, empatia, respeito, alteridade, coragem, solidariedade para consigo, para com o outro, para com o mundo, para com o meio ambiente, para a convivência social. Além do desafio de manter uma Universidade sustentável, financeiramente, sem prejuízo da qualidade e credibilidade, tínhamos os objetivos de melhorar os processos e inovar em todas as dimensões da UNISC.
- Além da condição de gestora, ex-reitora da Unisc, a senhora é educadora, com trajetória de presença em sala de aula. Como a senhora percebeu e como teve de gerir as angústias e as inquietações do corpo discente da instituição?
Sou uma educadora por opção e vocação. Fui professora da educação básica pública e privada; dos anos iniciais, do ensino médio e superior. Adoro aprender e educar. A sala de aula é um espaço de muita realização pessoal e profissional. Depois de 42 anos de magistério, ainda me sinto com muita disposição, vontade e crença na educação, em todos os níveis. A educação é a base de um processo de desenvolvimento de pessoas, de formação para a cidadania. É um eixo estratégico para a promoção do desenvolvimento humano, social e econômico. É a grande possibilidade de mudanças, de comportamento e de pensamentos. Educação trabalha com formação de pessoas. A escola é um grande e importante espaço de formação onde trabalhamos com pessoas que pensam, que sentem, que agem. E a produção do conhecimento requer interação entre o pensamento, o sentimento e o corpo. Na pandemia, vivemos a dor, o medo, o luto, a insegurança e a instabilidade, em todos os sentidos. No entanto, acreditamos na ciência como solução para os problemas, com alternativas construtivas e responsáveis. Tinha sob minha liderança mais de 8 mil estudantes, 500 docentes e 700 técnicos administrativos. E um hospital que teve enorme trabalho de assistência, que precisou se reconfigurar para dar conta da Covid, que continuou sendo campo de ensino e que esteve com um corpo técnico-administrativo assistencial no seu limite emocional e técnico. No início da pandemia, não tínhamos o conhecimento que temos hoje, nem a vacina. Era preciso gerir pessoas e suas inquietações. Avaliações diárias sobre o vírus, acompanhamento permanente das mantidas, implantação de home office, criação do Comitê de Operações de Emergência – COE, participação em outros comitês, acompanhamento e implantação da legislação educacional que se alterava do dia para a noite. Como lidei? Pensando que tinha que cuidar das pessoas. A vida era o principal. As pessoas tinham que ter a segurança e saber que eram cuidadas. Mantivemos vínculos, ampliamos as informações internas, acolhemos nossos alunos nas suas necessidades de acesso à tecnologia e de dificuldades financeiras. Ampliamos o CrediUnisc. Flexibilizamos mais ainda os currículos. Fomos ampliando o retorno gradativo e seguro das pessoas. Fizemos pesquisa para acompanhar o crescimento ou não da Covid na Instituição. Colocamos aplicativos para medição de temperatura, álcool em gel em todos os blocos e higienização constante. Fomos rigorosos no cumprimento dos protocolos e na conscientização do cuidado consigo mesmo e com os colegas. Acolhemos também nas necessidades de saúde mental. As pessoas eram o centro de tudo. Tivemos a perda, por Covid, de uma colega importante na nossa história institucional e hoje podemos dizer que encaramos essa travessia com muita responsabilidade, zelo, cuidado e rigor.
- Em âmbito de universidade interagem professores e estudantes, que, no final das contas, já são ou virão a ser, muitos deles, também professores, mestres, nos mais variados campos do saber. Como esses dois públicos, professores e alunos, tiveram de estabelecer sua parceria, ao longo da pandemia, para prosseguir com as atividades de ensino e aprendizagem? A “reinvenção pedagógica”, como a Unisc a propôs ao longo das duas gestões como reitora, busca salientar justamente a parceria entre professor, aluno e instituição, entre quem ensina ou facilita o acesso ao conhecimento, e entre quem busca aprender mais?
A Universidade é uma grande escola de educação superior. E educar envolve criação e manutenção de vínculos entre as pessoas e seus contextos de vida e profissão. No caso, a manutenção dos vínculos e a interação entre gestores, docentes e estudantes deu-se muito em torno do desconhecido, das possibilidades de enfrentamento decorrentes da crise sanitária, inicialmente, mas, também, econômica, social e política. Mantivemos a interação entre conhecimento, professor e estudantes, via ensino remoto. Depois veio a presencialidade nas práticas, com cautela e observação dos protocolos de saúde. Muitas e muitas reuniões via meet, zoom e similares. E outro aspecto foi o envolvimento de professores, estudantes, técnicos e comunidade nos projetos de extensão e pesquisa como, por exemplo, a realização de PCRs, os telecuidados, a produção de sopas e sabão para a população mais vulnerável e as lindas apresentações on-line de nossa orquestra. E as parcerias – internas e externas – foram essenciais. Parcerias com instituições públicas e privadas. Trabalhos de colaboração, colocando ciência, tecnologia e solidariedade a serviço do bem comum.
- Passados esses dois anos desde o advento da pandemia, e com a senhora já podendo inclusive olhar esse ambiente todo um pouco mais a distância da rotina junto à reitoria, o que fica como maior aprendizado inclusive pessoal, da senhora? O que ficará na memória para sempre?
Os oito anos como Reitora da UNISC e Presidente da APESC foram de intensas mudanças e de grandes aprendizagens. Sou muito grata por ter tido a oportunidade e confiança de fazer a gestão nesses tempos diferentes. São muitas memórias guardadas no coração e na mente. Nada fizemos sós. Tinha uma ótima equipe gestora, tive apoio dos professores, dos funcionários, dos estudantes, dos conselhos superiores da UNISC, bem como do Conselho Superior e da Assembleia Geral Comunitária da APESC, na tomada de decisões difíceis. Ampliei meus conhecimentos na gestão financeira, reforcei laços da Universidade e sua representação na comunidade com entidades que envolvem o segmento universitário, como COMUNG, ABRUC e CRUB, onde tive participação efetiva na gestão e na defesa dos interesses da educação superior. Aprendi com meus medos e inseguranças, perguntando-me sempre se o caminho a seguir era o melhor para todos e para a manutenção do todo. Aprendi a confiar e reforçar a crença no diálogo e na busca de soluções conjuntas. Aprendi que os problemas têm soluções, às vezes mais rapidamente; outros, uma luta permanente de busca. Ficará na minha memória o dia da minha eleição e o primeiro processo eleitoral, onde prometi a mim mesma que seria a Reitora de todos. Aprendi que é na diferença que se constrói o novo. A diferença nos amplia o sentimento de pertencer, de ser e, quando temos propósitos comuns, conseguimos grandes resultados. Tenho na memória o dia em que se anunciou a mudança do FIES. E o que isso representaria para as universidades comunitárias e para o acesso e a permanência de jovens na educação superior. E os impactos nos afetaram fortemente! Lembro com carinho da emoção e da esperança que senti quando do anúncio das ações do Projeto Reinvenção. Lembro dos olhos dos gestores da administração básica, senti as suas inseguranças, mas também a confiança no grupo da Reitoria e no trabalho que viria. Lembro do CONSUN que aprovou, por unanimidade, as mudanças administrativas na UNISC. Lembro dos dias de muita tristeza quando desfiz a equipe da Reitoria para dar conta das alterações aprovadas. Lembro das conquistas grandes, como o Hospital Veterinário, inaugurado em plena pandemia, do enfrentamento com galhardia do déficit do HSC, atendendo ininterruptamente 24 horas por dia e 7 dias da semana. Lembro da inauguração dos prédios que abrigariam o TecnoUnisc e os ambientes de inovação, hoje em pleno funcionamento, que fortaleceu a relação UNISC/empresas/pesquisa e tecnologia. Das mudanças nas salas de aula e dos ambientes de aprendizagem. Do vazio do Campus em 2020. Tenho boas memórias das horas difíceis, pois foram campo fértil para mudar, melhorar e inovar em educação rumo a um futuro melhor. Tenho a educação e a UNISC na minha maior memória: a do coração, que nos faz agir com coragem e força. Onde houver um coração batendo forte pela vida, tem um caminho mais assertivo a ser seguido.
- A instituição oferece oportunidades de educação para públicos de todas as idades, desde a infância até a pós-graduação. Há necessidade de pensar e atender de forma distinta estas diferentes faixas etárias? Como gestores e professores precisam pensar o ensino para diferentes gerações?
As mantidas da APESC oferecem oportunidade de educação para públicos de todas as idades, tanto no ensino quanto na extensão e na pesquisa. E hoje, 2022, pleno século XXI, temos a necessidade de educação permanente, de formação continuada. Aprendemos desde que nascemos até morrermos e acho que se continua aprendendo eternamente. Portanto, a educação de jovens, adultos e maiores de 60 anos na graduação e na pós-graduação. Temos a Escola de Educação Básica Educar-se, com ensino infantil, fundamental e médio. O Centro de Educação Profissional da UNISC – CEPRU, com cursos técnicos. Temos os cursos de extensão, de curta duração, para atualização e aperfeiçoamento pessoal e profissional. Temos cursos e atividades específicas para pessoas idosas que desejam permanecer aprendendo, convivendo com o conhecimento e com pessoas. O ensino intergeracional é uma realidade e será outro campo de aprendizagem interna. Como já falei, teremos currículos que contemplem a diversidade de interesses, de pessoas, de idades, de nacionalidades. A internacionalização e o intercâmbio virtual ampliam a possibilidade de professores e estudantes estrangeiros participarem de nossas aulas e de nossos professores e alunos participarem de aulas virtuais em universidades de vários países, enriquecendo a experiência formativa. E assim, acompanhando as tendências mundiais, a universidade busca concretizar sua missão de formar pessoas livres, capazes, solidárias e que possam contribuir para uma sociedade sustentável, fraterna, justa e saudável.
- A senhora hoje responde pela Assessoria de Relações Interinstitucionais da Unisc. O diálogo com a comunidade sempre fez parte da universidade, afinal de contas comunitária, mas como a senhora vê esse relacionamento agora e no futuro? Ensinar é também aprender a crescer com a comunidade?
Desde março de 2022, estou no cargo de Assessora de Relações Interinstitucionais da UNISC, a convite do Prof. Rafael, atual Reitor da Universidade, e vinculada ao seu Gabinete. Considerando meu perfil e a experiência construída ao longo dos anos numa universidade comunitária, essa assessoria se configura num canal institucional de fortalecimento de ações internas e externas na UNISC em relação a segmentos sociais estratégicos para a Universidade. É uma interface de relacionamento da UNISC com os diferentes segmentos, facilitando iniciativas, conexões e demandas externas, de interesse institucional. Por ser uma universidade comunitária, desde a sua origem, a articulação da universidade e sociedade sempre fez parte de nossa história. Essa relação é constituinte da identidade UNISC, que constrói e fortalece cada vez mais a interação com o ambiente externo. Temos em nossa missão de educação superior comunitária a promoção do ensino e da pesquisa de qualidade para a população regional, na maioria dos cursos de graduação. Uma IES Comunitária está sedimentada num projeto de autonomia comunitária para ofertar e gerir serviços em várias áreas. No momento em que vivemos, diante da ausência ou atuação mínima de Políticas Públicas para a educação, essas instituições são imprescindíveis aos municípios e às regiões que abrangem, pois são impulsionadoras de desenvolvimento educacional, científico, tecnológico, social e econômico. Há um forte compromisso com a responsabilidade social e com a formação de profissionais cidadãos, solidários, críticos e reflexivos.
- E uma reflexão algo filosófica: o que se deve entender por comunidade nesses dias, de um mundo tão globalizado? E como a atuação em ambientes cada vez mais abrangentes e ampliados se alinha nesse processo?
Uma universidade, que nasceu da organização da comunidade, tem no seu DNA a escuta das demandas, o envolvimento nas conquistas e na busca permanente de novos caminhos e construções conjuntas. Os espaços de aprendizagem estão cada vez mais ampliados para além dos muros institucionais, incorporando recursos da comunidade e desenvolvendo projetos que contemplem os cenários da sociedade. São desafios de formação, a partir da cultura do protagonismo, da autonomia, da responsabilidade e da solidariedade. Trazer o mundo da vida para dentro, entendê-lo com estudos e reflexões na interação docente-aluno e ampliar a visão de mundo, por meio do conhecimento, enxergando oportunidades de mudança e melhoria é um desafio da educação superior do século XXI. É necessário e possível fazer educação assim. Francesco Tonucci (2015), um autor de quem gosto muito, diz que o grande desafio para o professor universitário está em saber “prever o futuro nos olhos de seus alunos e prepará-los para esse futuro que nem nós sequer podemos conhecer”. A missão é nobre e árdua, processual e de aprendizagem permanente para quem ensina e para quem aprende. Ser uma instituição comunitária é ser raiz, é ter clareza de nossa essência, é ter trajetória e história feita de gente para gente, construindo fortes vínculos com o local e o regional, com a reflexão constante de por que e para que(m) educamos. Fazer as transformações que o século exige, mas sem perder nossos propósitos nem princípios nesses tempos difíceis. Educar é preparar e transformar pessoas para serem melhores e, assim, tornarem o mundo melhor. Existimos para fazer educação, que é um processo lento, difícil, que exige persistência, sensibilidade e investimentos de toda ordem. E, para mim, é o único processo com grandes resultados na formação de pessoas diferenciadas e humanas.
- Ainda nesta semana, a senhora foi eleita também como vice-presidente do Conselho Regional de Desenvolvimento (Corede), para a nova gestão deste organismo. É sequer possível pensar ou imaginar desenvolvimento regional sem que a educação seja “A” prioridade?
Não vislumbro desenvolvimento sem Educação. A falta de qualificação para o trabalho, os índices de analfabetismo funcional e, logo aí, a falta de professores para a Educação Básica estão evidenciando a necessidade de repensar e priorizar a educação. Países que querem mudar o rumo do desenvolvimento e a concepção dele investem fortemente em educação, nas escolas, em formação docente, em tempo do estudante na escola e em melhorias de estruturas. Boa educação requer grandes investimentos e seriedade nos projetos. Educação tem que ser Projeto de uma Nação que pensa, de verdade e com seriedade, no seu povo, na sua qualificação e autonomia. A ignorância custa muito caro!
- Como a senhora avalia o valor e a importância dada à educação, em termos de incentivo e fomento, em realidade de Brasil? O nível está bom? Poderia ser melhor? Precisa melhorar? E, se sim, o que precisa melhorar?
Já manifestei na resposta anterior. A educação é prática e não somente discurso. É o nexo entre a teoria e a prática, entre o discurso e a ação que EDUCA. No Brasil, há lugares com excelentes experiências educativas. O discurso derrotista não é bom, mas, no geral, a educação brasileira está gravemente doente, sem rumo e com muitos retrocessos. É preciso acreditar, investir em escolas e em professores. Professor é essencial e, hoje, é uma profissão ameaçada. A UNISC aposta no enfrentamento da crise e mantém seus dez cursos de Licenciatura. Em 2021, construiu um Programa de Formação de Professores totalmente inovador, focado na docência e na escola. A mudança tem que acontecer na base da formação, nas propostas de formar professores em todas as áreas, comprometidos com a produção de sujeitos pensantes, criativos, investigativos, que conheçam seu campo de trabalho desde o primeiro semestre dos cursos. Novos formatos curriculares, novas metodologias para o ensino e a aprendizagem, engajamento com a escola e a profissão são apostas da UNISC para o futuro, mantendo o seu compromisso histórico com a formação inicial continuada de professores.
- Como a dona Carmen, depois de ter sido reitora da Unisc, se vê enquanto educadora e enquanto estudante nesses tempos atuais, partindo do princípio de que estamos todos sempre aprendendo?
A professora Carmen sempre esteve presente. A essência da educação em mim nunca mudou. São 42 anos trabalhando na Educação e muitos anos na gestão de uma universidade. O que mudou foi o olhar para a Educação Básica e Superior a partir da experiência de gestora. Costumo dizer que minha grande causa e o propósito de vida é a Educação. O olho brilha quando acompanho a alfabetização de meu neto Pedro, fase tão importante para a vida como é o tempo da educação infantil e dos primeiros anos iniciais. Ali deveriam estar os melhores professores, assim como meus colegas professores sabem que os melhores deveriam estar na docência dos ingressantes da universidade. O encanto pelo aprender e estudar começa no início de qualquer etapa de escolarização. Há uma pergunta que sempre me fiz enquanto mãe e professora e também reitora: Para onde vamos com tantas mudanças velozes? O que queremos para os nossos filhos? Para nossos netos? Nossos estudantes? E chega a mesma resposta: quero que sejam bons estudantes, eternos aprendizes e que, por meio de seu crescimento intelectual e emocional, sejam cidadãos fortes no caráter, competentes e reflexivos e, principalmente, que sejam pessoas íntegras para enfrentar o viver presente e o futuro.
- Por fim, que recado ou que palavra de incentivo a senhora deixaria para os professores e para os estudantes, de todas as idades e de todos os níveis de ensino?
Aos professores e estudantes: nada transforma tanto as pessoas quanto um bom processo formativo. Nenhuma tecnologia substituirá o bom professor ou a boa professora, com brilho no olho, com sede de aprender, que acolhe seu estudante na sua inteireza com suas forças e fragilidades. Professores que aprendem e ensinam a pensar e a compreender a si mesmo e o mundo, problematizando e provocando a construção de conhecimentos, a partir da criação de fortes vínculos afetivos. Aprendemos na dor? Sim! Mas, com amor, aprendemos muito mais e por toda a vida!
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Carina WeberCarina Hörbe Weber, de 37 anos, é natural de Cachoeira do Sul. É formada em Jornalismo pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) e mestre em Desenvolvimento Regional pela mesma instituição. Iniciou carreira profissional em Cachoeira do Sul com experiência em assessoria de comunicação em um clube da cidade e na produção e apresentação de programas em emissora de rádio local, durante a graduação. Após formada, se dedicou à Academia por dois anos em curso de Mestrado como bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Teve a oportunidade de exercitar a docência em estágio proporcionado pelo curso. Após a conclusão do Mestrado retornou ao mercado de trabalho. Por dez anos atuou como assessora de comunicação em uma organização sindical. No ofício desempenhou várias funções, dentre elas: produção de textos, apresentação e produção de programa de rádio, produção de textos e alimentação de conteúdo de site institucional, protocolos e comunicação interna. Há dois anos trabalha como repórter multimídia na Gazeta Grupo de Comunicações, tendo a oportunidade de produzir e apresentar programa em vídeo diário.