Centro-Serra

Capoeirando: a capoeira como instrumento de inclusão, aprendizagem e desenvolvimento

Na semana em que duas importantes datas se reúnem, Dia das Crianças (12 de outubro) e Dia dos Professores (15 de outubro), uma iniciativa de um educandário no interior de Arroio do Tigre ganha estas páginas também como uma forma de homenagear a ambos: crianças, que com suas verdades demonstram inúmeros sentimentos e colorem o mundo; e professores, que são os impulsionadores para a construção de uma sociedade mais humana, solidária e respeitosa.

No contraturno escolar, estudantes da Escola Municipal de Ensino Fundamental Jovino Ferreira Fiuza, em Sítio Alto, têm a oportunidade de frequentar a Oficina de Capoeira. A iniciativa está ativa neste educandário desde 2022 e tem contribuído na formação dos alunos.

Mas a semente para este trabalho iniciou há mais de dez anos, na EMEF Vitalino Muniz, localizada em Sítio Novo, Linha Fão, hoje desativada, e onde a pedagoga pós-graduada em Educação Física, professora Marinalva Carvalho, conheceu a capoeira, através de uma apresentação de um grupo já existente. O nome Capoeirando surgiu tempo depois. Por lá também a docente passou a auxiliar na organização de atividades da Consciência Negra.

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Com a transferência para a Escola Jovino, o projeto teve sequência, inclusive trazendo consigo alunos da antiga EMEF. Atualmente, o Capoeirando conta com a participação de 32 estudantes, do Pré ao Nono Ano, de faixa etária que varia entre 5 e 15 anos de idade, que formam dois grupos para esta oficina realizada no contraturno escolar, e cujo aprendizado se dá de múltiplas formas.

Se a capoeira, expressão cultural brasileira, mistura dança, luta, artes marciais e música, e carrega em sua história e simbolismo a resistência, dentro deste projeto tem evidenciado, cada vez mais, a inclusão.

Conforme a diretora Nadiesca Rauber Pradella, oportunizar atividades como esta reforçam a importância da inclusão e de aproximar os alunos, cada vez mais, do ambiente escolar, fazendo com que se sintam ainda mais felizes e acolhidos. Quando passou a ser ofertada na escola, a oficina de capoeira como dança também tinha o intuito de que os alunos vindos da escola desativada, muitos dos quais membros da Comunidade Quilombola, se sentissem pertencentes ao novo espaço de aprendizagem. “Quem tem vontade, participa. Todos podem participar, dentro das suas limitações. Não precisa ser perfeito, eles só têm que praticar, fazer, estar incluídos, do jeitinho deles, como eles sabem, e estar juntos. Tudo o que pudermos fazer a mais pelas crianças, para tornar o dia delas melhor, mais significativo, com certeza é válido”, menciona, reforçando ainda a importância da aprendizagem e que é preciso ir bem nas atividades regulares para participar da oficina.

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A vice-diretora Sinara Karine Mergen lembra, neste sentido, que a atividade contribui também para a melhora da disciplina dos alunos, ouvindo o que lhes é passado e seguindo as regras estipuladas, seja para a boa convivência como mesmo dentro da própria roda de capoeira, e esta é um fator que contribui para um bom desempenho escolar.

Na roda de capoeira, cada participante é um ser único, que busca reproduzir movimentos característicos, mas os executa à sua maneira, de acordo com suas possibilidades. E aí reside a magia. No olhar ao outro com admiração, com respeito às particularidades de cada um, as quais, no conjunto, se somam para formar um grupo unido, plural, e que tem atraído olhares.

Neste ano, um novo participante se juntou ao Capoeirando. Luís Gustavo Cardoso Rodrigues, de 10 anos, teve o impulso da professora Marinalva e o incentivo dos colegas, e hoje é um dos capoeiristas. Diagnosticado com a distrofia muscular de Duchenne, uma doença degenerativa, as limitações físicas que a síndrome lhe impõe não foram impeditivos para que ingressasse no grupo, pelo contrário. “Luís não era uma criança muito sociável, vivia triste pelos corredores da escola, foi então que Deus iluminou meus pensamentos e disse: ele terá os melhores dias da vida dele no grupo Capoeirando. Desde então, foi muito bem recebido pelos membros do grupo, que tem como lema valorizar o que o aluno consegue realizar e não a competição de quem faz melhor. Afinal, juntos somos perfeitos”, ressalta a professora, que diz sempre buscar, em conjunto com os alunos, que cada dia seja de muita alegria.

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Luís Gustavo, professora Marinalva e professora de sala de aula, Vera

Quando o menino entra na roda, os demais colegas se sentam em forma de respeito e equidade. Assim como Luís Gustavo faz quando está do lado de fora, batendo palma no ritmo da música, os demais participantes o recebem ao centro do grande círculo. Ali se funda a harmonia entre corpo e mente, em movimentos adaptados, que seguem não só as batidas dos instrumentos, mas também as batidas do coração, da emoção.

CONFIRA NO VÍDEO:

E conforme a professora e quem o acompanha, ele é um aluno assíduo. “Ele não faltou nenhuma aula. Dias de chuva, de geada, desde que ele entrou no grupo participa sempre”.

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Para a mãe de Luís Gustavo, Fátima da Silva Cardoso, que também tem os filhos Wender, Priscila e Maria Vitória frequentando a mesma atividade, e o pequeno Bartolomeu que ainda não tem idade para acompanhá-los, é uma realização ver todos no mesmo grupo. Há cerca de três anos, ela, o marido Odair Matos e os filhos se mudaram de Porto Alegre para o interior de Arroio do Tigre, durante a pandemia, e desde então as crianças estão matriculadas na Escola Jovino.

Luís Gustavo e os irmãos integram o grupo. Para a mãe é realização

Segundo a mãe, o diagnóstico de Luís Gustavo para a distrofia muscular de Duchenne ocorreu quando ele tinha seis anos. “Dali em diante foi uma luta. A gente vai bastante aos médicos. E quando ele vem para a escola se sente bem, feliz. Desde que entrou na capoeira mudou completamente, está realizado. E quando ingressou no grupo, ele começou a sair com a escola para fazer apresentações e sempre chega em casa falando o quanto está feliz. Acredito que através da capoeira a gente descobriu um novo Luís, porque acho que quando a gente faz o que gosta esquecemos um pouquinho daquela dor da doença. Dia de frio, geada, nada o impede de vir na capoeira, e na escola também é um aluno frequente. Ele faz uma apresentação linda, que emociona quem assiste, e eu, como mãe, sou a fã número um dele”, ressalta.

Uma rifa de “Ação entre Amigos” está sendo comercializada, com números a 10 reais cada, para que seja possível a compra de uma cadeira de rodas motorizada e adaptada para Luís Gustavo, a qual, segundo Fátima, custa até 22 mil reais. O sorteio será em 24 de dezembro e, até lá, quem quiser contribuir pode entrar em contato com a família ou a escola.

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A diretora Nadiesca acrescenta ainda a multi aprendizagem. “Hoje a oficina não trabalha somente a dança, trabalha valores, ensina sobre a Cultura Africana, e agora se está implantando um pouco os instrumentos, para trabalharem com o berimbau, então são vários outros campos também”, salienta.

Com ajuda financeira conquistada através de parceiros, a professora Marinalva conseguiu adquirir roupas especiais para todos os alunos que integram a iniciativa. Essa conquista é muito importante para o grupo, que se apresenta com frequência, até mesmo em municípios vizinhos, e que, para fazer cada vez mais bonito, aprimoram o aperfeiçoamento nos golpes, nas acrobacias e na ginga. “Essas 32 pessoas apoiadoras ainda não conhecem os  alunos do grupo Capoeirando. Eles serão padrinhos destes alunos e, no próximo dia 14 de novembro, a escola irá promover um evento para este lindo encontro. Estamos ansiosos para esse momento”.

A Escola lembra da importante parceria firmada neste ano com o Programa Alcançando a Redução do Trabalho Infantil pelo Suporte à Educação (Arise). “Conhecemos uma pessoa muito especial, Marinês Kittel, supervisora de Projetos Sociais da JTI, e ela simplesmente foi um grande alicerce do grupo. Agradeço imensamente todo o amor e o auxílio que ela vem nos dando. Foi através do Arise que passamos a contar também com um monitor, o estudante de Educação Física, Marcus Alves, para nos ajudar, e também desta parceria que foi possível a compra de instrumentos, como berimbaus e pandeiros, para o grupo”, salienta Marinalva.

A capoeira, segundo ela, é uma atividade completa, que trabalha os alunos de dentro para fora. “Assim seguimos lutando. A cada apresentação minhas forças se renovam para juntos continuarmos esta linda história”, reforça a professora Marinalva.

Integrantes da oficina com a professora Marinalva, monitor Marcus, direção da escola e professoras que acompanham Luís Gustavo no dia a dia
  • Palavras que simbolizam o Grupo Capoeirando na visão dos alunos: disciplina – companheirismo – esforço – treino – educação – consciência dos movimentos – convivência – orgulho – amor“Viva a capoeira”.

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Nathana Redin

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