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Campos de concentração para nunca mais esquecer

Nem todos os pontos de interesse turístico são agradáveis, mas por vezes precisam ser visitados para que se entenda a extensão e o impacto de determinados períodos históricos. Conheci alguns dos principais campos de concentração nazistas que ainda restam como museus ou memoriais: Dachau, Buchenwald e Sachsenhausen na Alemanha. Auschwitz e Birkenau na Polônia. Os campos poloneses são de longe os mais impactantes, pelo número de vítimas e pela crueldade sistemática de seus algozes. Visitei Auschwitz e Birkenau (Auschwitz II) pela primeira vez em 1993 e, desta vez com meu pai, retornei recentemente a esses tristes palcos de holocausto no sul da Polônia.

Eu prefiro não entrar em detalhes sobre tudo que se passou por ali, algo que já foi extensamente retratado na literatura e em documentários amplamente disponíveis. Por mais que descrições e estudos tentem transmitir o que aconteceu, só mesmo uma visita ao local para nos dar uma vaga ideia do inferno do maior complexo prisional e de extermínio construído e mantido pelos nazistas durante a Grande Guerra. 1,3 milhão de pessoas foram levadas para Auschwitz, das quais 1,1 milhão morreram nos campos. 90% delas eram judeus. As demais eram ciganos, prisioneiros de guerra soviéticos e cidadãos poloneses de outras etnias.

Ao entrar pelo famoso portão que exaltava a liberdade através do trabalho, a primeira coisa que me vem em mente é a descrição dura de Dante Alighieri para o aviso que imaginou no alto do portal do inferno: “Vós que entrais, deixai toda a esperança”. Essa seria uma tradução mais realista para aquelas três palavras em alemão. Os vários blocos de prédios perfeitamente alinhados, as cercas outrora eletrificadas e os milhares de objetos confiscados dos prisioneiros (sapatos, bagagens, utensílios domésticos) são um choque de realidade inexplicável. Em um dos blocos, que por respeito não pode ser fotografado, está uma montanha de cabelos das vítimas. Eram usados para fazer meias e tapetes.

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LEIA A PARTE 1: Campos de concentração de vazio e escuridão

Pórtico do campo de concentração de Buchenwald, próximo a Weimar

Mesmo tendo estado ali mais de uma vez, caminhar por aquelas avenidas da miséria humana não me causa reação imediata. Em cada um dos blocos, praticamente congelados no tempo desde a liberação do campo por tropas soviéticas, guias bem treinados explicam tudo em detalhes e sabem transmitir com sensibilidade excepcional os dramas ali vividos. Sinto contudo que a informação parece ser absorvida sem causar efeito significativo, parcialmente pela presença de estranhos no grupo, mas principalmente porque, por seu significado, são precisos tempo, reflexão solitária e perspectiva para entender o que aquilo representa.

O campo de Auschwitz I tinha capacidade para 16 mil prisioneiros de cada vez. As dimensões impressionam, pelo menos até embarcarmos no ônibus que percorre os 3 quilômetros separando Auschwitz I do simbólico portal de Birkenau (Auschwitz II). Birkenau foi o maior campo de concentração nazista, onde 90 mil prisioneiros eram mantidos de cada vez. Mais de um milhão de pessoas foram mortas, a maioria nas câmaras de gás, e as demais sucumbindo às condições sub-humanas e experimentos “médicos” a que eram submetidas. O gás Zyklon-B, cuidadosamente manipulado pelos químicos nazistas a partir do pesticida Zyklon-A, tornou-se uma forma considerada “eficaz” para executar humanos em larga escala nas câmaras de gás. Uma crueldade calculada que, como tudo ali, não pode jamais ser esquecida.

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Atravessando a pé o portão principal de Birkenau, observo os trilhos que separavam o mundo normal do horror, terminando próximos às câmaras de gás, deixadas em ruínas pelos nazistas antes da libertação do campo. Dos dois lados ficava a vastidão de barracas de prisioneiros, algumas relativamente intactas. Meu sentimento é de estar em um local que perdeu sua alma e tornou-se escuridão. Como o escuro é a ausência da luz, o mal pode ser simplesmente a ausência do bem. Um vazio surreal.

Cerca de arame farpado na área de Dachau, um aspecto onipresente na paisagem

Pode-se ler muitos livros e assistir a muitos filmes e documentários sobre a época. Nada contudo pode ser comparado a estar no complexo de Auschwitz. É como levar constantes socos inesperados. A primeira reação é de um certo torpor, uma tentativa de compreender exatamente o que é e como algo assim foi possível. Se nem mesmo as vítimas compreendiam aquela realidade, não podemos nós querer entendê-la em uma visita ao que restou. Não há lógica possível.

Não nos espanta tanto saber que indivíduos podem tornar-se monstros sadistas. O que por vezes causa mais incredulidade é que essa crueldade possa contaminar grupos significativos de uma população, apoiando o racismo em suas variadas formas ou, no mínimo, tapando um olho em favor de alguma vantagem ou interesse pessoal. O nazismo é só um de tantos outros exemplos, mas, pela dimensão, por ser relativamente bem documentado e por ter muitos de seus cenários ainda existentes, ele assume uma grande relevância histórica.

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A importância desses memoriais e museus é materializar a história e não deixar que, à medida que o tempo passe, a noção da realidade passada evapore. Eventos similares, em menor proporção, acontecem ainda hoje em prisões e campos de refugiados. Sempre surgirão teorias lunáticas que negam ou tentam justificar o que aconteceu nesse e em outros tantos períodos macabros da história. Enquanto houver tempo para reagir, educação, informação e humanidade são as defesas para que essas minorias permaneçam assim, minorias, sem poder real.

Nas palavras do filósofo espanhol George Santayana, gravadas em uma das placas de Auschwitz I: “Aqueles que não lembram o passado estão condenados a repeti-lo”.

Vidas interrompidas: um dos portões de acesso ao campo de Dachau

Aidir Parizzi Júnior – Natural de Santa Cruz do Sul, é engenheiro mecânico e reside no Reino Unido. É diretor global de suprimentos para uma multinacional britânica que atua no fornecimento de sistemas de controle e segurança para usinas de geração de energia, usinas nucleares e indústria de petróleo, gás natural e petroquímica.

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