Recentemente assisti ao excelente filme russo Sobibor, que trata da única fuga em massa de campos de concentração nazistas. Em um bem montado plano de fuga, cerca de 300 prisioneiros escaparam do campo de Sobibor em outubro de 1943, após roubarem fuzis e matarem vários oficiais nazistas.
Sobibor, diferente de outros campos poloneses, como Auschwitz e Treblinka, havia sido criado com um único objetivo, o de exterminar seus prisioneiros. Quase três quartos dos recém-chegados eram mortos no mesmo dia nas câmaras de gás. No caso de Sobibor, em túneis ligados ao escapamento de motores a diesel.
No filme, chamou-me a atenção o nome de um dos comandantes do campo, o austríaco Franz Stangl. Stangl havia trabalhado anteriormente no Aktion T4, o programa de eutanásia dos nazistas para pessoas com deficiências físicas. De Sobibor, foi transferido para Treblinka e sucedido no comando pelo não menos cruel Gustav Wagner. Pesquisei um pouco mais e lembrei onde eu já havia ouvido o nome de Stangl.
LEIA MAIS: Brunei: riqueza e silêncio em uma das monarquias do século 21
Publicidade
No final dos anos 90, trabalhei em uma montadora de automóveis, e passava boa parte do tempo na planta principal do grupo no ABC paulista. Esta pequena “cidade”, que já teve mais de 30 mil funcionários, tinha de tudo, inclusive sistema de transporte interno, igreja e prisão. Ali, os mais antigos me contaram muitas histórias.
Uma delas é que na prisão interna da fábrica, durante a ditadura militar, foram encarcerados e torturados muitos funcionários considerados subversivos, em uma operação extra-oficial conjunta da empresa com o exército e a polícia brasileira nos primeiros anos após o golpe.
O esquema de espionagem interno ficava a cargo de ninguém menos do que o próprio Franz Stangl, que, assim como Gustav Wagner, acabou se refugiando no Brasil após a derrota alemã. Sem ao menos ter se preocupado em mudar o nome, Stangl foi contratado pela filial brasileira como “Supervisor de Manutenção Preventiva”, e ali trabalhou por oito anos, até 1967.
Publicidade
Um dos fugitivos de Sobibor, o judeu polonês Stanislaw “Shlomo” Szmajzner, também veio parar coincidentemente no Brasil depois da Guerra. Shlomo, como todos os sobreviventes deste campo nazista, ficou vivo graças a sua habilidade profissional. Como ourives, na época com apenas 17 anos, ele produzia joias para os nazistas, utilizando ouro e prata confiscados dos prisioneiros.
O caçador de nazistas Simon Wiesenthal acabou localizando Franz Stangl e posteriormente Gustav Wagner em São Paulo. Shlomo os reconheceu imediatamente. O governo brasileiro, pressionado pelos órgãos internacionais, ficou sem alternativa, e o austríaco acabou preso pelo Departamento de Ordem Política e Social, o DOPS. A empresa, embora tenha alegado não saber absolutamente nada sobre o passado de Stangl, chegou a recomendar um advogado para defendê-lo. O comandante da unidade brasileira na época era um alemão que havia sido membro do partido nazista.
O Brasil acabou extraditando o ex-oficial da SS para a Alemanha, onde foi julgado e condenado a prisão perpétua em 1970 pela participação na morte de mais de 900 mil pessoas. Franz Stangl morreu do coração na prisão em Düsseldorf, menos de seis meses depois, aos 63 anos. Quanto a Gustav Wagner, que no Brasil usava o nome “Günter Mendel”, o STF não autorizou sua extradição e ele foi liberado em 1978. Pela versão official, suicidouse dois anos depois, em uma cidade paulista que recentemente tem aparecido muito nos noticiários: Atibaia.
Publicidade
O polonês Stanislaw “Shlomo” morreu em 1989 em Goiânia, aos 62 anos. Era o último sobrevivente entre os líderes da revolta de Sobibor. Dizia sempre que para sobreviver eram necessários “sorte, coragem, inteligência e uma forte vontade de viver”. Nada restou do campo de Sobibor, na fronteira entre Polônia e Ucrânia. Prisioneiros judeus do campo de Treblinka foram levados a Sobibor por ordem do chefe da SS Heinrich Himmler para desmantelar o Campo imediatamente após a fuga em massa. Os 159 prisioneiros que não conseguiram fugir já haviam sido fuzilados. Assim que a tarefa de destruição do campo foi completada, todos os prisioneiros trazidos de Treblinka também foram executados (continua).
Aidir Parizzi Júnior – Natural de Santa Cruz do Sul, é engenheiro mecânico e reside no Reino Unido. É diretor global de suprimentos para uma multinacional britânica que atua no fornecimento de sistemas de controle e segurança para usinas de geração de energia, usinas nucleares e indústria de petróleo, gás natural e petroquímica.
LEIA TAMBÉM:
FOTOS: Laos, um dos países mais felizes do mundo
Santa-cruzense esteve na fronteira entre as Coreias do Sul e do Norte
Publicidade
This website uses cookies.