Decididamente, o relógio anda para trás. Voltamos à perspectiva de uma guerra mundial nuclear depois de décadas. Tendo em vista o acirramento da violência na arena política, um fenômeno global, não chega a ser surpresa. Há não muito tempo, convicções diferentes eram apenas divergências; hoje são questões de vida ou morte. Não para todos, claro, pois ainda há quem acredite no diálogo e na racionalidade. Mas até mesmo a razão, em certos momentos, é obrigada a reconhecer seus limites.
O filósofo italiano Umberto Eco (1932-2016), em um de seus Cinco escritos morais, observa que a razão é incapaz de lutar contra a intolerância selvagem, “porque diante da animalidade pura, sem pensamento, o pensamento fica desarmado”.
Quando a intolerância se cristaliza em visão de mundo, então, os argumentos são inúteis. É perda de tempo discutir com quem acredita que os negros são inferiores, os judeus querem dominar o planeta e tal credo religioso ou político é uma manifestação do demônio. É o tipo de convicção que cria abismos.
Do outro lado do precipício, quem discorda de tudo isso também enfrentará um desafio: permanecer sensato no campo gravitacional do absurdo.
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Esse é o desafio imposto a D’Hubert, personagem de Os duelistas, novela de Joseph Conrad que inspirou o filme homônimo de Ridley Scott. No século 19, dois oficiais franceses do exército de Napoleão Bonaparte, em pleno período de guerras, travam um combate particular que se estende por mais de 15 anos.
Por um motivo tolo, o tenente D’Hubert é desafiado a um duelo de sabres por Féraud, que alega ter sido agredido em sua honra. Féraud é derrotado, mas guardará um ódio que só poderá ser aplacado com novos confrontos. E os embates entre os dois – colegas de armas – se sucederão, ora com vitória de um, ora de outro, sempre inconclusivos, até se tornarem uma lenda entre as fileiras do exército. E ninguém lembrará da suposta ofensa imperdoável que deu origem à contenda. Nem mesmo os duelistas saberão por que ainda lutam.
D’Hubert sabe que aquilo é insano, mas é incapaz de ignorar as provocações de Féraud. “Como alguém pode recusar-se a ser mordido por um cão disposto a morder?”, questiona. Contra a vontade, e apesar da tristeza que sempre o acomete diante da “imbecilidade” de mais um combate, tornou-se prisioneiro. E derrotado: espiritualmente, Féraud, que é apenas rancor cego, venceu. Mas esse ainda não é o fim.
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