Até a criação do Cadastro positivo, a única informação que o SPC e Serasa mostravam era a dívida. Não importava se consumidor poderia ter tido algum problema pontual no orçamento, deixando de pagar algum produto ou serviço específicos para poder dar conta de outras despesas prioritárias. Ou, então, se estivesse aguardando o desfecho de alguma reclamação ou até processo em andamento no Procon, alguma agência reguladora ou na Justiça. Esse consumidor acabava tendo comprometido todo o seu histórico de crédito positivo.
Por isso, mesmo atrasado em relação a outros países, surgiu o cadastro positivo de consumidores. As primeiras conversas a respeito começaram em 2003 e só a partir de 1º de agosto de 2013 iniciou a operacionalização do tratamento e compartilhamento de dados dos consumidores, com base na Lei 12.414 – Lei do Cadastro Positivo -, aprovada em 2011.
O Cadastro Positivo é um conjunto de dados de pessoas físicas e jurídicas, mantido por 4 empresas de serviços de proteção ao crédito (birôs) – Boa Vista, Quod, Serasa e SPC Brasil -, autorizadas a operar o sistema. Esses cadastros contém informações sobre o histórico de pagamentos de cada pessoa e empresa referente a empréstimos, financiamentos, crediários e até contas de consumo, como água, luz, gás e telefone, fornecidos obrigatoriamente pelas instituições que trabalham com parcelamento de crédito e com serviços continuados, como varejistas, prestadores e concessionários. Não podem constar, nesse cadastro, informações salariais e de aposentadorias, saldo bancário, limite de cartões de crédito e detalhes de despesas pessoais do cartão.
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A finalidade do Cadastro positivo é subsidiar a concessão de crédito, a realização de venda a prazo ou de outras transações comerciais e empresariais que impliquem em risco financeiro. Ao contrário de cadastros já existentes – de “maus pagadores” -, o Cadastro Positivo relaciona os clientes que mantém seus compromissos financeiros em dia.
A nova lei do Cadastro Positivo – Lei complementar número 166/19, de 08 de abril de 2019 -, aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo presidente da República, introduziu algumas alterações em relação à lei 12.414: 1ª) a inclusão automática – a partir de 9 de julho de 2019, todas as pessoas físicas e jurídicas passaram a ser incluídas automaticamente no Cadastro – 120 milhões de consumidores listados – , com histórico de informações de crédito; mas, mesmo sendo automática, os administradores do cadastro devem comunicar aos consumidores, através de e-mail, carta ou SMS, a abertura de seu cadastro, para evitar ilegalidades; 2ª) poderes dos gestores: as pessoas jurídicas, autorizadas para operar o sistema, serão responsáveis pela administração (coleta, armazenamento e análise) dos dados, poderão abrir o cadastro de consumidores, compartilhar as informações cadastrais com outros bancos de dados e disponibilizar dados a terceiros; 3ª) pontuação de crédito: os gestores dos bancos de dados deverão emitir para os consulentes nota ou pontuação de crédito – o score -, com base nas informações armazenadas, bem como histórico de crédito (mediante autorização prévia do cadastrado); 4ª) impugnação: o cadastrado pode solicitação a impugnação ou correção de qualquer informação errada que consta no cadastro: 5ª) cancelamento do cadastro: o consumidor pode solicitar, gratuitamente, a exclusão de seu nome do cadastro, mediante algumas informações e seguir protocolos de segurança de cada um dos quatro birôs que administram o sistema; o pedido de cancelamento deve ser transmitido aos demais gestores; 6ª) compartilhamento de dados entre os gestores; 7ª) responsabilidades: os bancos de dados, as fontes e os consulentes são responsáveis, objetiva e solidariamente, pelos danos materiais e morais que causarem ao cadastrado; 8ª) quebra de sigilo: a nova legislação modificou o artigo 1º da LC 105/01 para estabelecer que o fornecimento de dados financeiros e de pagamentos, referentes a operações de crédito e obrigação de pagamento a gestores de bancos de dados, não configura violação do dever do sigilo.
Com a ampliação do cadastro, a expectativa é incluir uma parte da população não bancarizada ao mercado de crédito – 45 milhões de pessoas – e melhorar as avaliações de risco das financeiras que, anteriormente, só tinham acesso aos dados negativos dos consumidores. Com as informações positivas, os credores poderão avaliar se eventual inadimplência é pontual no histórico de crédito do consumidor, dando menos peso a essa informação na análise do risco.
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A princípio, o Cadastro Positivo foi criado para beneficiar os consumidores – os bons pagadores -, que pagariam juros menores em compras e financiamentos, pois um dos motivos alegados pelos altos juros praticados no Brasil seria a inadimplência, fazendo com que todos paguem juros mais caros para compensar aqueles que não pagam seus empréstimos. Mas, há quem diz que os verdadeiros beneficiados serão os bancos e financeiras que poderão utilizar a ferramenta para realizar suas operações com risco menor.
Desde o início de sua operacionalização, a partir de 1º de agosto de 2013, existiam dúvidas se as pessoas que estivessem com as contas e financiamentos em dia teriam, de fato, juros mais baixos, o que era o principal argumento dos criadores do Cadastro. Na prática, até julho de 2015, a Associação Proteste constatou que os 2 milhões de consumidores que se cadastraram continuavam tendo juros elevados e crédito restrito. O Cadastro positivo, até aquela data, não havia gerado resultado nenhum para o consumidor.
Ao longo dos próximos meses, todos os correntistas de instituições financeiras, consumidores e titulares de serviços (água, luz e telefone) terão seus CPFs adicionados ao sistema automaticamente. Mas, como dito anteriormente, o consumidor precisa ser comunicado previamente, tomando ciência da abertura do cadastro.
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Como toda moeda tem dois lados, o cadastro positivo pode prejudicar alguns consumidores. Pessoas com débito aberto ou em situação de negociação de dívidas devem resolver sua situação antes de participar do cadastro ou avaliar sua permanência para que seu score (pontuação utilizada pelas empresas para avaliar o risco de crédito e probabilidade de pagamento) não seja comprometido. Alguns casos de pequenos equívocos ou esquecimentos de dívidas podem negativar as pessoas. A recomendação é fazer uma varredura com o objetivo de identificar se existem pendências em seu nome para evitar problemas.
Nos países com condições econômicas similares à brasileira, a inadimplência caiu 42% com a implantação do cadastro positivo. Espera-se que no Brasil, a inadimplência também caia, no médio prazo, num cenário de juros menores nos empréstimos e financiamentos.
Por enquanto, a única certeza da lei do Cadastro Positivo é uma prova inconteste da demora dos nossos legisladores e governantes para decidirem sobre algum assunto que pode ser, o não, do interesse da sociedade. De resto, sobram muitas dúvidas com relação aos efeitos práticos da lei do Cadastro Positivo no sentido de beneficiar o consumidor. Uma das dúvidas, levantada por associações de consumidores, é que as empresas e instituições financeiras não são obrigadas a dar a vantagem do juro mais barato, mesmo que o consumidor se identifique como bom pagador, ficando a decisão por conta da boa vontade de quem concede o crédito. Outra, diz respeito à possibilidade de criar-se um preconceito contra quem não quer fazer parte do Cadastro Positivo, que pode, por exemplo, ser considerado um mau pagador apenas porque não quis se cadastrar. Da mesma forma, quem nunca contratou crédito em sua vida ou só paga suas compras à vista ficará em desvantagem com quem paga em dia seus empréstimos e carnês, pois não terá seus dados incluídos no cadastro. Enfim, são tantas questões que só o tempo dirá se a promessa de uma revolução silenciosa no crédito, na redução dos juros e no controle do endividamento foi alcançada com a implantação do Cadastro Positivo.
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