As fazendas situam-se em lugares desabitados, via de regra. É o caso da nossa que tem quase 3 mil hectares. Aí que entra o papel importante dos cachorros campeiros. Eles são diferentes dos de rua e dos urbanos. Nascem num canto escondido, sem assistência profissional nem nada. Nós sempre temos em torno de uns 15 cães adultos, entre machos e fêmeas. Sempre há um cão alfa que se impõe aos demais “na marra”. E é ele, só ele, que cruza com as fêmeas até que seja derrotado por um outro, após uma peleia bem braba. Quando todos estão reunidos e se lhes atira um osso o alfa rosna e caminha solenemente até o osso, sem que ninguém o importune. Mas com os filhotes ele é condescendente. Esses cães têm dentes tão poderosos que mastigam os ossos e os engolem. Nós nunca damos ração industrializada. Temos um tacho no qual preparamos a comida deles.
Quando se sai a cavalo para camperear, a metade deles é amarrada e a outra acompanha os peões. Depois de 15 minutos, os amarrados são soltos e ficam de vigias em redor das casas.Nas campereadas os cães são fundamentais para ajudar a tirar uma rês que se escondeu no mato. Eles não a agridem, mas a tangem para fora, dando mordiscadas nos garrões. E ajudam na disciplina da tropeada.Terminada a faina da manhã, essa equipe descansa e sesteia. À tarde vai o outro grupo.
Esses cães não vão para dentro das casas de moradia. Nós também não os deixamos entrar no galpão de convivência, só no dos arreios. Mesmo com geada e frio eles dormem ao relento, enrodilhados. Mas superatentos: sempre uma das orelhinhas em pé. Ao menor barulho estranho já saltam e dão o alarme. Isso em qualquer horário, de dia ou de noite.
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Por isso se pode dormir tranquilo, pois se alguém se aproximar da porteira é um alarido só e dá para a gente se prevenir. Eu tinha um, muito lindo, que já faleceu. Chorei muito quando o perdi. Quando eu estava na estância recusava-se a sair com os peões e ficava montando guarda na soleira da minha porta. Como se tornou meu preferido?
Um dia na estrada que leva da estância à BR-287 vi um filhote lindo, abandonado, ao lado de uma bolsa vazia de adubo. Tentei pegá-lo a fim de o levar para a fazenda, mas ele rosnou e não deixou. Ao retornar, lá permanecia. Pensei: alguém deve tê-lo abandonado, mas ele acha que tem que cuidar da bolsa. Então com cuidado peguei o saco e o joguei na caçamba. Pronto, o cusco concordou em ir comigo. O cachorro só te cobra carinho, fala com os olhos. O meu sabia quando eu estava triste.
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