Três crianças são entregues voluntariamente para a adoção por dia no Brasil. Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostram que de 2020 a maio deste ano foram registradas 2.734 entregas desse tipo, que são previstas pela lei. Para especialistas, o número poderia ser maior, se houvesse mais informação para as mães e menos estigma sobre as decisões.
O tema entrou em evidência após a atriz Klara Castanho ter sua opção de entrega para adoção exposta, contra a sua vontade, na internet. Ela, de 21 anos, foi vítima de estupro, descobriu a gestação de forma tardia e procurou a Justiça para garantir que a criança fosse adotada por outra família.
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A entrega voluntária é um procedimento legal, não configura crime nem abandono. Já a divulgação dessa informação, como ocorreu com Klara, é proibida. Apesar de legalizado e apoiado pelos Tribunais de Justiça, mulheres que optam pela entrega voluntária sofrem constrangimentos e pressões para desistir da ideia. Desde 2017, uma lei federal deixa clara a possibilidade de que uma grávida manifeste interesse em entregar o filho para adoção. Esse direito deve ser garantido em qualquer circunstância e não depende de ter sido vítima de violência ou não ter condições econômicas.
Não há dados sobre o perfil das mulheres que realizaram entrega voluntária no Brasil, mas juízes e assistentes sociais afirmam que é comum receber mulheres que já têm algum tipo de informação sobre o procedimento. A comunicação sobre a intenção de entrega voluntária pode ser feita pela grávida na Vara da Infância e da Juventude ou a qualquer serviço público, como hospitais, escolas e conselhos tutelares. “Muitas chegam com informação porque procuraram, pesquisaram. Podem ter sido vítimas de abuso sexual e encaminham para a entrega porque quando chegam ao serviço já não conseguem o aborto”, diz Angélica Gomes, assistente social do Tribunal de Justiça de Minas e assessora técnica de serviço social da Associação Nacional de Grupos de Apoio à Adoção. “Às vezes universitárias, bebês de relacionamentos extraconjugais.”
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Se a Vara da Infância já foi informada sobre essa decisão, deve comunicar ao hospital provável de nascimento para que também se prepare para acolher a gestante. Ela tem o direito de não amamentar nem ver o recém-nascido. Caso a manifestação de interesse de entregar a criança ocorra apenas na hora do parto, a maternidade deve acionar a Justiça para garantir que a entrega aconteça de forma legal. O bebê é encaminhado para acolhimento, enquanto a genitora confirma em audiência a intenção de entregar a criança. Só então o bebê é levado à família adotiva.
O processo visa a evitar situações chamadas de “adoção à brasileira”, quando um recém-nascido é entregue de forma irregular a uma família que se passa pela biológica. Segundo Silvana do Monte Moreira, presidente da Comissão de Adoção do Instituto Brasileiro de Direito de Família (Ibdfam), ainda é comum que profissionais de saúde façam essa intermediação irregular, fora do olhar da Justiça. O problema disso é que nem sempre a família que recebe uma criança nessas condições está preparada ou tem boas intenções. Já as cadastradas na Justiça para adotar passam por cursos e avaliações psicológicas.
A entrega voluntária também ajuda a evitar situações de abandono de bebês. Segundo a juíza Samyra Remzetti Bernardi, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e integrante do Fórum Nacional da Infância e da Juventude do CNJ, hoje no Brasil são oito crianças abandonadas por dia – número maior, portanto, do que a de entregues regularmente à adoção.
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A entrega voluntária encontra resistências. Nem todos os profissionais que atendem a mulher tratam essa situação como um direito, diz Silvana. “Sempre que possível, as pessoas tentam insistir para que a mulher fique com o rebento indesejado”. Para ela, há um “mito” do amor materno que impede de tratar esses casos sem julgamentos. O CNJ documentou em relatório deste ano tentativas de demover as genitoras da decisão de entregar a criança para adoção. Em um dos casos, um conselheiro tutelar argumentou a uma mulher que “onde come um, comem dois”.
Em outra situação, uma mulher havia tentado fazer um aborto, sem sucesso, e pediu sigilo sobre a decisão de entregar a criança para a adoção, mas o nascimento foi relatado à família por uma médica. Também ocorrem sugestões para que a mulher amamente contra a vontade. Mulheres de cidades pequenas buscam outros municípios para a entrega, a fim de garantir sigilo. “Elas têm medo do julgamento”, diz Angélica.
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Além dos julgamentos à mulher, a entrega voluntária para a adoção enfrenta gargalos técnicos. O atendimento à grávida ou à mulher que acabou de dar à luz deveria ser rápido e contar com equipe multidisciplinar, o que nem todas as localidades têm. Varas que não são exclusivas para Infância e Juventude vivem o desafio de priorizar esses casos em meio a processos de outras naturezas também urgentes, diz Hugo Zaher, juiz da Infância e Juventude de Campina Grande (PB) e presidente do Fórum Nacional da Justiça Protetiva.
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Há também a necessidade de formação para profissionais de saúde, conselheiros e demais envolvidos no atendimento à mulher para conhecerem essa possibilidade e encaminhar os casos. Maternidades, por exemplo, devem estar preparadas para atuar caso uma mulher manifeste a intenção de entregar a criança para a adoção no momento do parto. Juízes relatam alta rotatividade de equipes, o que dificulta a formação dos quadros para lidar com essas situações.
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Tribunais de Justiça em todo o País têm feito palestras e cartilhas de orientação à sociedade. Uma resolução em debate no CNJ visa a dar uniformidade aos procedimentos de entrega voluntária e detalhar questões relacionadas à capacitação de profissionais e às formas de atendimento à mulher quando ela é encaminhada a uma Vara da Infância e Juventude. O texto recebeu quase 300 sugestões e ainda será votado.
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