“Posso não concordar com uma só palavra sua, mas defenderei até a morte o seu direito de dize-la”. Lembro-me de ter ficado bastante impactado ao ouvir essa famosa citação de Voltaire pela primeira vez, aos 11 ou 12 anos de idade, em uma aula de História. Essa semana, a frase me voltou à memória.
Eis a notícia: em Lajeado, uma celeuma se criou após a Univates anunciar palestra com um integrante do site The Intercept Brasil, conhecido pela divulgação de conversas privadas entre integrantes da Operação Lava Jato. A iniciativa recebeu uma avalanche de críticas e, na Câmara, um vereador chegou a dizer que o evento “mancharia a imagem da universidade”.
Há poucos dias indaguei o jornalista Alexandre Garcia sobre sua impressão em relação ao cenário de polarização radical no país e ele respondeu que considera isso positivo, pois indica que não somos uma sociedade de pensamento único. Faz sentido. O que me preocupa, porém, é um sentimento que parece germinar entre nós de que o pensamento do qual discordamos não deve ter voz.
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Aceitar o contraditório parece cada vez mais difícil – não é à toa que as discussões políticas e de costumes vêm sepultando amizades e rachando famílias há tempos. É comum tratar-se a opinião antagônica não como simplesmente uma forma distinta de interpretar a realidade, mas como um sintoma de mau caratismo ou ignorância e que, portanto, precisa ser varrida da face da Terra.
O episódio de Lajeado assemelha-se a outras confusões que assistimos nos últimos anos, como a de Miriam Leitão na feira do livro em Santa Catarina, a do curso sobre o impeachment de Dilma Rousseff na Unisc e a da exposição no Santander Cultural em Porto Alegre. A ideia que parece estar por trás de todos esses levantes é: não gosto disso, então não deve existir.
Antes que me acusem de qualquer coisa, deixo claro que essa sanha autoritária é comum à direita tanto quanto à esquerda. É só lembrar que, em 2017, um festival de cinema em Pernambuco foi adiado após cineastas se rebelarem contra a presença de um filme sobre a história do Plano Real.
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O fato é que, mais do que a pluralidade de ideias, a democracia pressupõe a convivência pacífica com ela. Quer dizer, cada um é livre para questionar o Intercept e seus métodos. Pode-se e deve-se contesta-lo, mas jamais querer silencia-lo, e isso vale para tudo. É como disse certa vez o saudoso Ricardo Boechat, questionado sobre um comentário da também jornalista Rachel Sheherazade sobre o linchamento de um assaltante em São Paulo que havia causado enorme polêmica. De uma forma mais direta e, digamos, menos elegante, Boechat disse o mesmo que Voltaire: “A opinião dela é uma bosta, mas ela tem que ter o direito de dize-la”. Simples assim.
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