Dentre as atividades que programamos para o Dia das Crianças, na semana passada, o ponto alto era para ter sido o passeio de bicicleta – uma reivindicação das próprias gurias. A atividade, contudo, foi marcada por dois incidentes inesperados e não acabou conforme o planejado.
O incidente mais grave foi o tombão sofrido pela Ágatha, a caçula, que, por conta dos pedidos insistentes dos leitores, tornou-se a grande protagonista desta coluna. Em dado momento, no afã de imprimir maior velocidade à bicicleta, a traquinas acabou perdendo o controle, deixou o pneu dianteiro derrapar e estatelou-se ao solo. O saldo do acidente foi um joelho ralado e um mau humor terrível.
Deve ter doído um bocado, mas a caçula não chorou. A humilhação da queda, diante das irmãs e de outras testemunhas que estavam por perto, foi maior que a dor física. E chorar só iria ampliar o vexame. Conteve, portanto, o choro, mas adotou severa carranca e decretou que o passeio estava encerrado.
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Tendo examinado e limpado o ferimento – que, de fato, não passou de alguns arranhões –, ainda propusemos à caçula que seguisse o trajeto de carona comigo. Contudo, antes mesmo que ela tivesse oportunidade de subir ao bagageiro, percebi que havia algo errado com a minha bicicleta: a roda traseira, inesperadamente, começou a raspar no quadro e, enfim, travou. Definitivamente, era hora de dar fim ao passeio.
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Quem me vê nos dias de hoje não acredita que, no início da juventude, fui um ciclista de fôlego notável. Tinha uma bicicleta que, gradativamente, ia ganhando novos apetrechos à medida que eu arrumava, aqui e ali, algum dinheirinho – até convertê-la em um Frankenstein com 15 marchas, um imenso guidon, aros de diferentes cores e até velocímetro digital, uma coisa rara na época. Com aquele monstrengo, eu rodava por várias localidades do interior – às vezes, até Rio Pardinho.
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Até que, já empregado, consegui adquirir algo que, na época, me pareceu mais interessante que a bicicleta: um automóvel. E a bike-monstro, coitada, foi condenada à prisão perpétua no ostracismo do galpão.
Só retomei as pedaladas na qualidadede pai, quando as crianças pegaram gosto pela coisa. Contudo, agora com um bocado de quilos a mais. E a bicicleta atual, sem a mesma robustez da Frankenstein, não suportou a tortura por muito tempo.
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Adepto do “faça você mesmo” – que minha esposa classifica como pão-durismo – resolvi, dias depois, consertar a bicicleta por conta própria, no quintal. Ágatha instalou-se ali perto para assistir à operação e logo quis saber:
– Pai, tem certeza de que isso vai dar certo? De fato, a mecânica das bicicletas, sob certos aspectos, é bastante complexa. Basta um parafuso mal apertado ou um eixo ligeiramente desalinhado e a bike, ou não anda, ou derruba o ciclista. E, enquanto eu lutava para desempenar a roda traseira, Ágatha discorria sobre as vantagens de outra forma de locomoção: o cavalo.
Claro que, para Ágatha, cavalos não são meros meios de transporte. Os leitores mais assíduos desta coluna sabem da adoração que a caçula tem por cavalos e dos seus planos de, no futuro, ganhar a vida como “cavalgueira”, trotando pelas coxilhas e laçando, do alto do pingo, bois desgarrados. Para Ágatha, cavalos são amigos fiéis e carinhosos, com os quais “cavalgueiros” e “cavalgueiras” podem contar nas horas mais difíceis. E com a vantagem de também nos conduzir, a trote manso ou a galope, de um lugar para outro.
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– Tem certeza, filha? – e olhei-a, curioso.
– Óbvio. Cavalos não gastam gasolina, não pagam pedágio, não poluem. Claro, fazem um montão de cocô, mas a fumaça dos carros é bem pior. E arrematou:
– Não entendo a graça que vocês, meninos, veem em automóveis e motores. Que coisa mais sem graça. Quando eu crescer, não quero saber de carros. Só vou andar a cavalo.
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E eu, vencido pela roda empenada da bicicleta, deixei o conserto de lado para começar a delinear os contornos de outro projeto ao estilo “faça você mesmo”: um estábulo no quintal.
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