Quando o Guido Hoff me entregou Peter & Lis, com autógrafo do autor Benno Bernardo Kist, imediatamente segui o aceno do título a me sugerir que o livro poderia ser uma narrativa genealógica da família de dois personagens; que poderia ser a descrição documentada da biografia de imigrantes; e que poderia ser, talvez, um conto romântico, estilo “Era uma vez, Peter e Lis”… No entanto, ao adentrar na leitura, percebi logo que nada disso estava no escrito do autor, especificamente, porque Peter e Lis não eram historicamente o que comumente se denomina “patriarcas”, por onde começa qualquer genealogia; eram pessoas que fizeram história em terras brasileiras, nos tempos da imigração alemã no Rio Grande do Sul. A descrição do autor compõe-se, às vezes, com um estilo parecido ao romântico, o que faz jus pensar que era uma vez um casal.
Benno Bernardo apresenta um; além de ser um “escritor voltado para as causas de sua terra natal” (Bender, Lissi. “Apresentação”, p. 9). Gostoso de ler, reouvindo e repensando canções, mate, café com leite, queijo fresco, festas, religiosidades e tantas outras singularidades dos imigrantes alemães, até hoje significativos para quem viveu dezenas de anos atrás. Lembranças. Com permissão da autora da Apresentação, faço minhas as suas palavras: “Meus irmãos e eu também estávamos inseridos nos afazeres diários para a reprodução da vida, o que promoveu em nós uma saudável Zugehörigkeitsgefühl…” (Bender, p. 11).
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Ao reproduzir as palavras, pergunto: o que citar quer dizer? Faz recordar fundamentalmente que também nós temos esse sentimento de pertencer à época. Assim, é, essencialmente, a homenagem do autor a seus avós Pedro e Elisabet, Peter e Lis. O nascimento e a infância de Lis em Briedel, Alemanha, lembra a agradável passagem por essa cidade e por Cochem, pelo Rio Mosela, que fizemos alguns anos atrás. Do Mosela entramos no rio Saar e visitamos Weiskirchen, Saarland, terra de meus avós.
O primeiro capítulo do livro Peter & Lis inicia com os sons que o autor ouviu de pássaros e de aves, os mugidos de bois e vacas, os grunhidos de leitões, o chiar de madeira no fogão de lenha; e os cheiros do mate, Schmier, pão de milho, feijão, tabaco, linguiça, vinho caseiro e tantas outras iguarias. Além do cheiro rural dos suores que resultavam do trabalho, surgem no cenário os reverendos católico e evangélico e o falar de todos os habitantes em Hunsrück. Refiro-me também a tantos eventos narrados pelo autor. Considero que todo esse conjunto de lembranças bem descritas são singularidades de uma aldeia. Tudo isso está na singular Posemuckel e na particularidade das demais aldeias recordadas.
Permite-me o autor fazer, sem pretensões maiores, uma pequena apreciação sobre seu escrito ou uma manifestação de quem, depois de ter lido o livro, pensou o seguinte.
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O conjunto de sons, de sabores e de religiosidades, outrora ouvido e vivido pelos imigrantes, e, agora, levantado e descrito pelo autor, considero singularidades interessantes e importantes. Assim, o pão com Schmier e queijo fresco ou com nata, as trempes do cozimento, o barulho do último gole sorvido do chimarrão, as variedades de linguiças, o parreiral, o palheiro do Peter, o culto do vigário e do pastor, este em alemão padrão e aquele em misto de Hunsrück, e tantos outros eventos e costumes foram narrados pelo autor como particularidades expressivas da vida e do trabalho dos antepassados. Toda sua descrição representa a singularidade de uma aldeia de outrora, da singular Posemuckel e das demais aldeias onde Peter e Lis formaram residência. São histórias do passado que permanecem na realidade ou na lembrança a nos dizer que o passado revela muita coisa e que devemos verificar sempre o que de passado está presente no presente.
Peter e Lis aparecem em cenário não narrados como personagens grandiosos. São pessoas simples, com vida dura em trabalhos e dificuldades de sobrevivência, nos inícios da vida a dois. Não são descritos como personagens líderes e poderosos; são pessoas que vivem num determinado local e numa época especial.
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Ao mesmo tempo que a narrativa de Benno revela esse conjunto de coisas singulares, escancara toda uma universalidade: o universal do Hunsrück na Alemanha, o universal do conceito de trabalho para a sobrevivência de todos os homens do mundo, o universal da religiosidade, o universal dos costumes e da cultura, de canções e da ética humana, tudo está na singular Posemuckel. O autor também articula a aldeia com eventos de uma cachacinha, da erva-mate, do café, com a universalidade dos costumes autenticamente brasileiros.
O escrito de Benno Bernardo Kist dá-nos a entender que o universal se manifesta na particularidade da vida de Peter e Lis e se incorpora na singularidade de um povo numa aldeia. Na singular Posemuckel manifestava-se o mundo todo! Esse é o grande mérito de Peter e Lis. Quando o autor descreve os contratempos da nacionalização do ensino, da revolução e da guerra, igualmente torna-se evidente a universalização que atinge de cheio a vida particular das famílias e das aldeias.
Para descrever a vida e o trabalho de seus personagens, o autor usou palavras adequadas e agradáveis de ler. Outrora, todos nós aprendemos no livro Seleta em prosa e verso, de Alfredo Clemente Pinto, que as frases compõem-se de sujeito, verbo e complemento. De minha parte, considero o verbo como o mais importante, porque tem tempos. O uso do verbo propiciou ao Benno Bernardo manifestar os tempos antigos. Formidável. Campo Grande, 12 de outubro de 2024.
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