É corrupto, violento, impune e desigual. Mas é resistência, riqueza e expressão cultural à flor da pele. Esse é o meu Brasil e é pelos três últimos motivos que sigo acreditando nele. No fim de semana passado, acompanhei o que certa vez um amigo descreveu como experiência antropológica: o Carnaval do Rio de Janeiro. E não haveria de ser diferente. Uma semana antes da data oficial, foliões já lotavam as ruas e fizeram eu sentir um pouquinho da vibração que rege essa festa maravilhosa. Só preciso aprimorar meus dotes na escolha de fantasia. Tem muita gente boa nisso!
No sábado, meu paradeiro foi o Aterro do Flamengo, espaço onde o bloco Tambores de Olokun performou. Pertinho da concentração dos percussionistas, me deixei levar pelo ritmo do maracatu. Que mistura boa! Uma gaúcha, em solo carioca, vivendo um pouquinho de Recife. Sem conseguir ficar parada – impossível resistir ao som do tambor – entrei no ritmo das mulheres que rodavam suas saias compridas em tons azul e branco (salve Iemanjá!).
Inspirados pelo batuque que parecia vir do mar, músicos e dançarinas transbordaram amor pela cultura. E resistência ao Carnaval. Não tem Crivella que segure eles.
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Nessa junção tão cheia de vida, avistei grupos de todos os tipos. De um lado, família inteira com pai, mãe e criança trocava passos. Do outro, homens trajados com vestido entregavam-se à diversão. Na minha frente, uma foliã só queria curtir a festa, bem à vontade. De maiô e all star, fez questão de fixar um recadinho (no bumbum) em que deixou tudo muito claro. “Não é não!” Depois, entendi que tratava-se de um bloco só de gurias, todas com o mesma mensagem marcada em alguma parte do corpo. Coisa linda! Atrás de mim, um universo de pessoas focadas em cumprir aquilo a que o Carnaval se propõe: dançar, sentir e esquecer que um dia a tristeza passou por ali.
E se no sábado o maracatu a céu aberto foi protagonista, no domingo as influências latinas envolveram os pedestres que circularam pelo bairro de Botafogo. O bloco Bésame Mucho começou tímido, com os músicos e seus instrumentos de sopro andando em marchinha pelas ruas. Devagarinho, mais pessoas começaram a se juntar e em coro, é claro, entoaram “Bésame… Bésame mucho/ Como si fuera esta noche la última vez!” Não foi uma multidão, mas um grupinho capaz de dançar até o anoitecer. E vai dizer: existe festa melhor do que essa de rua? De povo?
Retornei para Santa Cruz na segunda e bastou ligar a televisão para ser bombardeada com as notícias sobre a violência que por lá assusta. E mata. Me perguntei até quando seguiremos acompanhando a dor da cidade, da favela, do cidadão. O Rio é mesmo o purgatório da beleza e do caos. É o melhor e o pior do Brasil.
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