Iniciou na terça-feira, 26, dia em que o cantor, se estivesse vivo, teria completado 75 anos, a Exposição Belchior Abraços & Canções, na Casa de Cultura Mario Quintana, em Porto Alegre. A mostra, com curadoria da santa-cruzense Marina Trindade, reúne materiais que ela e seus pais, Ubiratan e Ingrid, guardaram do período em que o artista ficou hospedado na casa da família, em 2013. O grande nome da MPB optara por viver de forma reservada no interior do Rio Grande do Sul, onde cultivou amigos que o ampararam. Ele viveu em Santa Cruz do Sul até seu falecimento, em abril de 2017. O sumiço instigou teorias e a curiosidade do público, e um renovado interesse em sua obra surgiu nos últimos quatro anos, com tentativas de desvendar quem era o verdadeiro Belchior.
O artista, natural de Sobral (CE), viveu um exílio espontâneo, passando os últimos anos de sua vida longe dos holofotes, afastado da mídia, dos palcos e dos estúdios de gravação. “Apesar dessa circunstância, o cantor criou uma rede de amigos confidentes e um elo afetivo com a minha família, proporcionando intensa troca de conhecimentos, envolvendo o compartilhamento de poemas, livros e trabalhos autorais”, conta Marina no texto curatorial da mostra. Segundo ela, a mostra é uma chance de os fãs e admiradores do artista se sentirem mais próximos dele, não com uma exposição sobre o legado, a vida e a obra de Antônio Carlos Belchior, mas sim visitando as lembranças de quem teve o privilégio de conviver com ele.
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De acordo com Marina, o processo de curadoria começou logo após o convite para organizar a mostra. Ela colocou sobre uma mesa tudo que tinha guardado sobre Belchior, incluindo itens de quando ele foi acolhido pela família e objetos que foram adquiridos depois, como livros indicados por ele e um projeto da Revista Caras com poemas de Carlos Drummond de Andrade musicados pelo artista, juntamente com pinturas que ele fez retratando o poeta.
“Foi um processo bem nostálgico, rever tudo isso enquanto lembrava das nossas conversas. Avisei os meus pais da exposição, mas não pedi ajuda para escolher os materiais. Houve dias em que tinha certeza que ia expor algo, e depois mudava de ideia”, conta. Marina preparou o esboço da ordem da exposição diversas vezes, e conta que é um processo bonito que traz sensações de calma e de saudade. Na Casa de Cultura Mario Quintana, as peças ocupam a sala Radamés Gnattali, no 4º andar, e parte do Acervo Elis Regina, no 2º andar.
A exposição reúne materiais do arquivo familiar, como registros fotográficos, todos feitos pela mãe de Marina, Ingrid. Além das fotos, compõem a mostra discos autografados, bilhetes, dedicatórias, desenhos, objetos pessoais, como um pijama que pertenceu ao músico, materiais sobre desenhos e pinturas de Belchior e também uma coleção de reportagens de jornal, incluindo especiais da Gazeta do Sul sobre a estadia do cantor em Santa Cruz.
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O item preferido da curadora é uma revista dos anos 2000 que mostra o lado artista plástico do cearense, com obras que ele fez, incluindo autorretratos. “Quando eu e minha mãe encontramos essa revista na nossa casa, ficamos de queixo caído. Ele, além de ser compositor, poeta, pessoa culta e tão inteligente, pintava e desenhava. Já sabíamos disso porque ele nos contou, mas foi com a revista que conseguimos ver suas obras. Estou ansiosa para ver a reação do público quanto a isso.” Com entrada franca, a mostra pode ser visitada diariamente, das 10 às 20 horas, e ficará disponível ao público até o dia 1º de dezembro.
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Os abraços e as canções de Bel
A convivência com o artista e amigo deixou muitas marcas em Marina Trindade. Até mesmo a escolha de vestibular, que estava prestando para cursar História da Arte na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), foi tema de conversas com Belchior. Hoje, aos 26 anos, a historiadora da arte e estudante de Psicologia da Unisinos trabalha com curadoria e pesquisa, tendo realizado anteriormente uma exposição sobre Regina Simonis junto à Associação Pró-Cultura. A santa-cruzense, que foi morar na Capital para estudar, atualmente está de volta a Santa Cruz até o retorno das aulas presenciais.
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Desde a formatura, ela tinha intenção de realizar uma exposição e honrar não só o músico, mas também o artista Belchior, mostrando ao público algumas das pinturas e desenhos dele. O convite para realizar a mostra partiu do colega Diego Groisman, que chamou Marina para a curadoria por lembrar da relação da família dela com Bel. Em entrevista à Gazeta do Sul, a curadora da exposição Belchior Abraços & Canções contou um pouco sobre suas lembranças com o artista e sobre os planos de trazer uma mostra ainda mais completa a Santa Cruz do Sul.
O futuro da exposição
Marina conta que um de seus desejos é ser curadora de uma exposição ainda maior sobre Belchior, que acontecesse em sua terra natal. O sonho, que ela diz ainda ser distante, é trazer, além dos materiais de sua família, os de outros amigos do cantor na região, como Dogival Duarte, Malu Muller, Célia Zingler e Dulce Helfer. Ela explica que para viabilizar a mostra seria necessário encontrar um lugar maior, como a Casa das Artes Regina Simonis. “Seria bacana fazer em Santa Cruz. Ele morou na nossa cidade por quatro anos, escolheu permanecer aqui. Gostou das pessoas, da cidade. Deveríamos honrar mais isso”, disse.
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ENTREVISTA
Marina Trindade
Historiadora da arte e curadora da Exposição Belchior Abraços & Canções
Magazine – Quais são algumas das lembranças que você tem desse período em que o Belchior esteve com a sua família?
Marina Trindade – Belchior era um ser que transmitia muita paz. Gostava de abraçar, de perguntar como a gente se sentia. Lembro bem de ele sempre me questionar sobre os estudos, viagens para o Canadá que ambos fizemos em épocas totalmente diferentes, sobre meus desejos para o futuro. Ele era muito curioso e também sempre tinha uma história engraçada para contar. Lembro dos nossos jantares, quase sempre vegetarianos, porque tanto ele quanto sua esposa e eu não comíamos carne. Mas a melhor memória é dele na Murta, assobiando para os passarinhos, cantando igual a eles, tanto que um veio e se aproximou dele. Foi uma cena poética. O Belchior chegou no final de outubro de 2013 na casa dos meus pais e ficou até os últimos dias de dezembro. Infelizmente pouco tempo, mas deu para aproveitar bastante.
Magazine – Como o Belchior esteve muitos anos afastado da vida pública, criou-se uma certa mitologia em torno dele, uma certa aura de mistério. Você acha que essa imagem condiz com quem ele era de verdade?
Marina Trindade – Aura de mistério? Acho que depende para quem. Com conhecidos ele era tão adorável, amava conversar, filosofar sobre a vida, abraçar, demonstrar afeto. Mas fez a escolha, lúcida, de não querer mais viver próximo dos palcos e dos holofotes. Tento entender isso como algo positivo para quem é famoso e muito conhecido. Ele quis se distanciar para curtir os pequenos prazeres da vida, como ficar numa casa de campo, conviver com amigos etc.
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Magazine – Na sua opinião, essa mostra e os itens que estão em exibição podem aproximar o Belchior de seu público?
Marina Trindade – Eu espero que sim. Porque ali vão estar presentes fotografias mais recentes dele, além de obras desse cantor que se descobriu artista também. Desde sua morte, em 2017, recebo mensagens de fãs me perguntando o porquê do “sumiço” dele, por que não cantava mais. Isso não sei responder. Talvez nem ele saberia direito. Mas a exposição é para mostrar um lado mais pessoal dos últimos anos dele e, assim, espero que o público que o ama tanto veja isso como algo positivo, vendo que, sim, ele estava bem.
Magazine – Como a sua família, que era tão próxima do Bel, recebeu a notícia da morte dele?
Marina Trindade – A notícia da morte foi um dia tremendamente ruim e triste. Quando li, chorei muito. Lembro que estava em Porto Alegre e fui para a rodoviária pegar o primeiro ônibus para Santa Cruz porque queria estar perto dos meus pais. A gente se sentiu mal por perceber que alguns desejos que ele tinha e nos confidenciou não se tornariam realidade. Foi um momento difícil de acreditar no que estava acontecendo. E tantos repórteres nos perguntando mil coisas, lembro que não conseguia pensar direito. Mas, depois de tantos anos, agora só restam ótimas lembranças e muito carinho por aquele momento que vivemos com ele.
Magazine – Como você vê, nos últimos anos, a renovação do interesse do público pela figura do Belchior e pela sua obra?
Marina Trindade – Quando o Emicida, junto com a Pabllo Vittar, anunciou que na nova música dele estaria presente uma gravação do Belchior, fiquei muito feliz. O Bel adorava ver que a garotada de hoje em dia escutava mestres da MPB. E ver que isso continua acontecendo, que eles seguem escutando seus álbuns, é encantador demais. Belchior partiu, mas não morreu, jamais. Segue presente no coração de tanta gente latino-americana. É bonito perceber isso.
SERVIÇO
O que: Exposição Belchior Abraços & Canções
Quando: de 26 de outubro a 1º de dezembro
Visitação: diariamente, das 10 horas às 20 horas
Entrada: gratuita
Onde: Sala Radamés Gnattali (4º andar) e Acervo Elis Regina (2º andar) – Casa de Cultura Mario Quintana, Andradas, 736 – Centro Histórico de Porto Alegre
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