Nos anos 1980, uma canção da banda de rock Rush parecia para mim uma profecia, ou um desejo incontido de explorar o mundo. A letra de A Passage to Bangkok, do álbum 2112 (1976), fala de uma fascinante jornada que sai da América do Sul, passando pelo Caribe, México, norte da África, Oriente Médio e Ásia Central, a caminho da capital tailandesa, Bangkok.
Recentemente, assisti a uma entrevista com os músicos canadenses na qual explicavam que a letra insinuava uma espécie de turismo psicodélico, por locais mais liberais com o uso recreativo de canábis e de suas variantes, como o haxixe. Na juventude, felizmente, eu ignorava essa interpretação e a inspiração gerada era mais nobre, alimentando o sonho de sentir e viver paisagens, culturas, aromas, sabores e, especialmente, conhecer histórias e almas ao longo do percurso. Por isso, no aeroporto de Bangkok, ao pisar pela primeira vez o solo tailandês, aquela música voltou com força à minha mente.
Bem além do apelo visual de belas praias e paisagens, para absorver a cultura do país que até a metade do século 20 se chamava Sião, é preciso abstrair-se da atual realidade de sua capital de 11 milhões de habitantes. Bang-kok, cujo nome oficial abreviado é Krung Thep (o nome completo tem mais de 160 caracteres), é uma megalópole suja, com trânsito caótico e ar carregado de chumbo, onde um suicídio acontece a cada hora, uma pessoa em cada cinco não tem onde morar e uma mulher em cada 30 se prostitui. A chamada “cidade dos anjos”, por outro lado, ainda conserva locais pitorescos, onde a população mora em palafitas e se locomove em pequenos barcos por canais estreitos e mercados flutuantes. Na carona de um sonoro táxi-motocicleta (tuc-tuc), saí à procura de um pequeno barco que me levasse por essas vias menos poluídas e mais tradicionais, e logo encontrei o sorridente Arthit, meu anfitrião aquático naquele final de semana.
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No aspecto turístico, os palácios e templos budistas de Bang-kok são imperdíveis. O enorme e luxuoso Grande Palácio é um complexo que servia como residência da família real tailandesa até 1925 e requer horas para ser visitado em detalhes. Próximo dali está Wat Pho, o Templo do Buda Deitado, uma estátua de 45 metros de comprimento difícil de ser enquadrada em fotografias. De volta ao Rio Chao Phraya, a principal via aquática, o próximo destino foi Wat Arun, um templo com torres de quase 100 metros de altura e vertiginosas escadarias externas, que é ainda mais impressionante visto de longe, durante o pôr do sol. Entre uma visita e outra, fiz uma pausa para assistir a uma incrível e arriscada exibição de domadores de serpentes.
Bangkok está sofrendo mais que a média das cidades com o aquecimento global, como resultado do aumento do nível dos oceanos combinado com o excesso de arranha-céus, que bloqueiam a brisa do mar e, aos poucos, afundam esta que é considerada a cidade mais quente do planeta. É a vingança da natureza contra quem não respeita sua harmonia; no caso, contra nós, a espécie humana. Como em outras regiões asiáticas, o cavalo de Troia da modernização (leia-se também ocidentalização) extraiu um pouco do fascínio e do espírito do lugar. Aliás, quem quiser sentir o espírito siamês puro e pulsante deve dar um pulo a Vientiane, no vizinho Laos, enquanto há tempo. Bangkok, se pessoa fosse, estaria, infelizmente, a caminho de perder a memória e a consciência.
Na diáspora chinesa, a Tailândia é o país com maior número absoluto de imigrantes, com quase 10 milhões de ancestrais do país de Mao que formam a maior comunidade chinesa fora da China. Mais que na maioria dos países do sudeste asiático, os sino-tailandeses souberam se integrar na sociedade e se entranhar na economia e na política do país. A maioria dos empresários, políticos e primeiros-ministros têm alguma ascendência chinesa. A Tailândia, porém, jamais perdeu a personalidade, talvez por ter sido o único país do sudeste asiático que nunca foi colonizado por europeus.
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A viagem descrita na canção do Rush foi um dos tantos estímulos para sentir e viver experiências e culturas do planeta. Nem sempre é possível, e nunca é fácil, mas considero fundamental escutar esses chamados e, quando possível, usá-los para decidir nosso caminho. Em outro álbum do grupo, Permanent Waves (1980), a letra de Freewill (livre-arbítrio) alerta: “Se escolhes não decidir, ainda assim fizeste uma escolha”.
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