Autores e autógrafos

Na semana passada, fiz referência ao livro Sonhos tropicais, biografia romanceada do médico sanitarista Oswaldo Cruz (1872-1917). Com isso, acabei lembrando do breve encontro que tive com o autor, o já falecido Moacyr Scliar, durante uma sessão de autógrafos dessa obra. O gaúcho Scliar foi uma das minhas primeiras referências na literatura brasileira, por romances como O exército de um homem só e Os voluntários. E era uma pessoa muito cordial, receptiva.

Scliar pegou meu exemplar de Sonhos tropicais e escreveu: “Para Luís, em homenagem ao seu talento”. Até me emocionei. Na hora, ali diante dele, cheguei a pensar: como ele sabe que sou talentoso? Será que alguém contou? Conversei, então, com algumas pessoas que estavam por perto. E todas elas, sem exceção, tinham livros diferentes do Moacyr Scliar com as mesmas palavras, “homenagem ao seu talento”. Diante dos fatos, só restou me conformar com a dedicatória genérica. Mas guardei, tenho até hoje.

Essa memória remete a uma outra história que me contaram, supostamente ocorrida em uma das tantas Feiras do Livro de Porto Alegre. O sujeito tinha viajado quilômetros para comparecer à sessão de autógrafos do grande escritor (nome preservado), seu ídolo literário e inspiração na vida. Chegando à Praça da Alfândega, deu de cara com uma fila enorme, mas isso ele já esperava. Enquanto aguardava sua vez, porém, ouviu comentários desanimados de quem retornava. “Ele escreve a mesma coisa pra todos”, dizia uma moça, e a outra concordava. “Sim. ‘Com carinho, do Fulano.’ E mais nada.”

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E era verdade. Quando ficou diante do venerado autor, o fã confirmou com os próprios olhos: além de escrever o mesmo texto minúsculo, ele não demonstrava um pingo de imaginação. Se usasse um carimbo, não faria a menor diferença. Quando viu aquele “Com carinho” na página, o homem não se conteve.

– Desculpe, mas eu viajei quilômetros para ver o senhor, falar com o senhor. E tudo que recebo é “Com carinho, do Fulano”?

O escritor olhou-o com frieza, não sem esconder certa surpresa, ainda que discreta. Então, pegou a caneta, riscou a frase rejeitada e anotou logo abaixo: “Sem carinho, do Fulano”. Prometo escrever algo mais relevante na semana que vem.

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