O julgamento que marcará a abertura das sessões do Tribunal do Júri neste ano em Santa Cruz do Sul reflete uma das maiores regras impostas pelo tráfico de drogas em áreas conflagradas: se furtar ou roubar no bairro, morre. Segundo uma investigação da Polícia Civil e denúncia do Ministério Público (MP), Roberto da Silva, de 36 anos, passou por essa espécie de “tribunal do crime”. Ele foi assassinado a tiros em 9 de março de 2022, na Rua Treze de Maio, no Bairro Faxinal Menino Deus, apenas pela mera suspeita de ter furtado a bicicleta de um morador das cercanias de onde o homicídio aconteceu.
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Indiciados pela 2ª Delegacia de Polícia (2ª DP) e denunciados pelo MP, Daniel Henrique Oliveira, de 24 anos, que está preso na Penitenciária Estadual de Venâncio Aires (Peva) cumprindo pena por um homicídio cometido em 2017, na cidade de Cachoeira do Sul, e Jeferson Geremias Lourenco Sins, de 36 anos, atualmente em liberdade monitorado por tornozeleira eletrônica, vão sentar no banco dos réus nesta terça-feira, 30, para responder pelo assassinato.
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A sessão inicia às 13h15 e será presidida pela juíza Márcia Inês Doebber Wrasse. Sete pessoas serão sorteadas para compor o conselho de sentença. A acusação será feita pelo promotor Flávio Eduardo de Lima Passos, autor da denúncia. A defesa dos dois réus ficou a cargo da Defensoria Pública, que será representada por Arnaldo França Quaresma Júnior.
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Conforme o MP, Daniel Henrique teria mandado um adolescente de 17 anos pegar uma arma de fogo com Jeferson Geremias e matar Roberto da Silva. O mais jovem, que já foi condenado pelo crime a uma medida socioeducativa na Vara da Infância e Juventude, foi apreendido pela 2ª DP no dia 25 de abril de 2022, no Bairro Faxinal Menino Deus, e levado para a Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase), de Porto Alegre. Os outros envolvidos foram identificados posteriormente.
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Jeferson e Daniel vão responder por homicídio duplamente qualificado. As qualificadoras – dispositivos que podem ampliar a pena – foram elencadas pela motivação torpe, em virtude da reprimenda pelo furto; e pelo recurso que dificultou a defesa da vítima, pois Roberto estava na via pública e foi pego de surpresa pelo atirador. Responsável pela investigação do caso, o delegado Alessander Zucuni Garcia foi a única testemunha convocada para depor no júri desta terça-feira.
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Na época da investigação, o delegado detalhou à Gazeta que essa espécie de tribunal do crime acontece em áreas conflagradas por lideranças do tráfico de drogas, pois é uma regra que se criou a partir do que os criminosos tentam impor, de que é proibido delito patrimonial em algum determinado local. No entanto, a falsa sensação de pacificação e segurança para os moradores nada mais é do que uma tentativa em não chamar a atenção da polícia para abordagens e investigações de crimes em áreas onde há grande movimento em bocas do tráfico.
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Mais dois casos no mesmo bairro
Este não foi o primeiro caso envolvendo uma espécie de tribunal do crime dentro das cercanias do Bairro Faxinal Menino Deus, cometido contra uma pessoa em que há uma mera suspeita de ter realizado um crime de furto ou roubo. Um dos fatos que mais gerou repercussão aconteceu em 5 de agosto de 2017. Por volta de 1 hora da madrugada, Anderson Mello dos Santos, de 30 anos, foi espancado com chutes, socos, pontapés e pedradas, mesmo após ele já estar desmaiado.
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As agressões realizadas por um grupo de pelo menos sete pessoas foram gravadas por imagens de câmeras e aconteceram próximo a um mercado, na Rua Deputado Júlio de Oliveira Vianna, no Faxinal Menino Deus. O motivo seria a suspeita de um roubo cometido pela vítima contra a mãe de um dos autores da agressão, Daniel Henrique Oliveira, o mesmo que será julgado nesta terça, desta vez apontado como o mandante do assassinato de Roberto da Silva. Anderson sobreviveu àquele ataque, mas ficou com sequelas, e os autores responderam no tribunal do júri pelo crime.
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Daniel Henrique Oliveira foi sentenciado a seis anos, dois meses e 20 dias de prisão, em regime inicial semiaberto, por tentativa de homicídio. Outros cinco réus tiveram o delito desclassificado pelos jurados, repassando o mérito para a juíza Márcia, que considerou que eles cometeram os crimes de lesão corporal grave e gravíssima, com penas que variaram de três anos a três anos e seis meses de reclusão em regime aberto. Outro caso de tribunal do crime aconteceu na madrugada de 25 de outubro de 2020.
Paulo Eduardo Bolico Schneider, de 19 anos, foi sequestrado por criminosos e levado até uma residência do Bairro Faxinal Menino Deus. No local, foi amarrado e amordaçado, sendo colocado no porta-malas de um carro e conduzido, na sequência, até uma área de mata, na Avenida Rudi Falk, próximo ao Parque de Eventos, no Distrito Industrial de Santa Cruz do Sul. No local, ainda preso por cordas nos pés e nas mãos, o jovem foi torturado, tendo um dedo da mão esquerda decepado, antes de ser morto com pelo menos dez golpes de faca que foram direcionados, a maioria, à cabeça.
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O homicídio, conforme a investigação, teria ocorrido em represália a uma mera suspeita de que a vítima teria assaltado um motoboy nas proximidades de um ponto de tráfico de drogas do Faxinal Menino Deis. Bruna Daiane Esteves, de 32 anos, foi condenada no tribunal do júri a 16 anos por ser a mandante do crime. Ela é esposa de um dos líderes do tráfico no bairro, que está preso, e é conhecido no submundo do crime pelo apelido de “Nego Drama”.
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Bruno Fleck, de 21 anos, foi condenado a 14 por ser o autor confesso da execução de Paulo; e um adolescente de 17 anos foi sentenciado pelo crime a uma medida socioeducativa na Vara da Infância e Juventude. Embora tenha coletado indícios da participação de mais duas pessoas, que teriam auxiliado a levar Bolico até a casa onde o crime ocorreu, os agentes da 2ª DP não conseguiram comprovar tais participações e os suspeitos não foram indiciados.
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