A inclusão da cloroquina e do derivado hidroxicloroquina no protocolo de tratamento para pacientes com sintomas leves de Covid-19, feita pelo Ministério da Saúde nessa quarta-feira, 20, preocupa especialistas em todo o País. Sem estudos que comprovem o efeito positivo da substância no tratamento do novo coronavírus, médicos temem que a utilização acarrete mais efeitos adversos do que melhora. É o que pensa o presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul, Eduardo Neubarth Trindade. Em entrevista à Rádio Gazeta nessa quinta-feira, 21, ele ressaltou o espanto do órgão com a medida anunciada pelo Ministério da Saúde.
“O Conselho Regional de Medicina é uma autarquia federal que defende a boa medicina. […] Por isso, o Cremers recebeu com certa reticência e até com um certo espanto essa resolução do Ministério da Saúde. Nós não temos nada contra a hidroxicloroquina, esperamos que ela funcione, estamos na torcida para que os estudos comprovem que ela tenha real efetividade. Mas infelizmente, até o momento, não se mostrou um real benefício da hidroxicloroquina para o coronavírus, seja para as formas leves ou casos mais graves”, afirmou. “Por isso a gente vê com preocupação. Porque, apesar de os efeitos adversos não serem tão comuns, eles acontecem”, disse, ressaltando que a medicação pode causar arritmias e alterações no funcionamento do coração, podendo levar o paciente à morte.
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Conforme Trindade, a segunda preocupação do órgão é social, referente à crença da população em uma cura milagrosa, que não existe. “Uma segunda questão é social e de saúde pública, porque gera a impressão na população de que existe uma medicação que cura o coronavírus, enquanto sabemos que isso não é verdade. Então gera aquela sensação de segurança na população”, destacou. Ele se preocupa que, desta forma, as medidas de segurança – como lavar as mãos e usar máscara e álcool gel – sejam deixadas de lado, com a crença em uma “cura”.
Além disso, em nota emitida pelo Cremers, a entidade ecoa o mesmo pensamento do presidente: o médico que prescrever a cloroquina terá não só autonomia sobre a situação, mas também responsabilidade. Principalmente, conforme Trindade, sobre o que é chamado de prescrição off-label – quando o medicamento é utilizado fora do uso descrito na bula, quando o remédio não foi criado para tal fim. “Eventualmente se o paciente tiver um efeito adverso, a responsabilidade recai sobre o médico, não sobre o Ministério da Saúde”, ressaltou o presidente do Cremers.
Pressão sobre os médicos
Por: Estadão Conteúdo
Os especialistas são unânimes: não há evidência científica que embase o uso da cloroquina como tratamento para Covid-19; nem nos casos graves e, muito menos, nos estágios iniciais da doença. As recomendações de uso da droga lançadas nessa quarta-feira pelo Ministério da Saúde, no entanto, devem exercer pressão sobre os médicos para a prescrição.
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“Acho que deve gerar uma grande pressão sobre os médicos, não só pela recomendação em si, do governo, mas, sobretudo, pela pressão do público leigo, pacientes e familiares, pela prescrição da droga”, avalia o especialista em terapia intensiva Jorge Salluh, do programa de pós-graduação em clínica médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
O especialista lembra que, como se trata de uma doença grave e ainda relativamente desconhecida, já há uma pressão natural para se testar diferentes medicações, mesmo sem eficácia comprovada. A recomendação do governo dá mais peso a isso. “Mas esse não é um cenário favorável às melhores escolhas”, diz. “No passado, em todas as situações em que isso foi feito, os resultados não foram bons.”
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Para Salluh, no entanto, deve haver também um outro tipo de pressão, voltada para o futuro. “Qualquer um que prescrever essa droga hoje, no futuro, pode ser processado por má prática, no meu entender”, afirmou. “Porque prescreveu uma droga sobre a qual não há benefícios comprovados e existe um potencial de risco ligado à dosagem.”
De acordo com a Sociedade Brasileira de Imunologia, a escolha da terapia com cloroquina ou hidroxicloroquina vem na contramão de toda a experiência mundial e científica da pandemia.
“Este posicionamento não apenas carece de evidência científica, além de ser perigoso, pois tomou um aspecto político inesperado”, informou em comunicado assinado por 22 especialistas. “Nenhum cientista é contra qualquer tipo de tratamento, somos todos a favor de encontrar o melhor tratamento possível, mas sempre com base em evidências científicas sólidas.”
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