No pátio da Receita Federal de Mundo Novo, no Mato Grosso do Sul, há dezenas de carretas e caminhões com caçambas apinhadas de cigarros de marcas paraguaias estacionados. São cargas interceptadas pelos órgãos de repressão desde os últimos meses do ano passado, à espera dos trâmites legais para que os maços sejam destruídos e os veículos encaminhados para leilão. “Vai começar a faltar espaço”, conta um agente. “Só esse ano apreendemos 30 cargas. Está aumentando muito.”
Dados oficiais confirmam a percepção: apesar dos esforços do poder público, o contrabando de cigarros segue crescendo no Brasil. Segundo um relatório da Receita, o valor apreendido passou de pouco mais de R$ 700 milhões em 2015 para mais de R$ 1,3 bilhão em 2018. Um levantamento do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Inteligência (Ibope) apontou que 57% dos cigarros consumidos no País em 2019 tinham origem ilegal, produzidos no Paraguai (a esmagadora maioria) ou em fábricas clandestinas dentro do território nacional. Além disso, a participação do contrabando no mercado, que era de 54% em 2018, deve chegar a 60% em 2020.
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Para piorar, segundo projeções da empresa Kantar, o Brasil, que ostenta o titulo de segundo maior produtor e principal exportador de tabaco do planeta, muito em breve vai se tornar o líder mundial em penetração de cigarros ilegais – superando a Malásia, que atualmente está no topo do ranking. Isso deve acontecer até 2023. Tudo indica que a nova política cambial, que prevê o dólar em um patamar mais elevado a partir de agora, estimule o comércio irregular, já que, dentre os produtos contrabandeados, o cigarro é de longe o que oferece as maiores margens de lucro.
Informações como essas foram agrupadas no estudo “A economia do mercado ilegal de tabaco no Brasil” , apresentado há poucos dias pela Oxford Economics e anteriormente em um seminário da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) em Brasília.
A mesma pesquisa da Kantar indica que a fidelidade aos cigarros contrabandeados se multiplica. Em 2015, 2% dos consumidores eram fiéis à Gift e 11,8% eram fiéis à Eight – duas das três marcas mais consumidas no Brasil. No ano passado, esses índices saltaram para 7% e 16,2%, respectivamente. “O volume de cigarros legais vendidos no Brasil cai, em média, 8,5% ao ano desde 2013” explica o economista da Oxford, Marcos Casarin.
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As apreensões
Quantidade de maços de cigarros apreendidos
2015 – 177,5 milhões
2016 – 199,6 milhões
2017 – 218,1 milhões
2018 – 276,3 milhões
2019 – 235,3 milhões
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Valores de cigarros apreendidos
2015 – R$ 702,4 milhões
2016 – R$ 910,2 milhões
2017 – R$ 1 bilhão
2018 – R$ 1,3 bilhão
2019 – R$ 1,1 bilhão
Fonte: Receita Federal
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As consequências
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Menos arrecadação
O estudo da Oxford Economics também relaciona os reflexos nefastos do contrabando em todos os aspectos da economia brasileira. O mais óbvio é a evasão fiscal, já que os cigarros paraguaios são introduzidos em território nacional de forma clandestina e não recolhem impostos. Desde 2009, o governo deixou de arrecadar nada menos que R$ 62,4 bilhões em razão das operações criminosas.
Menos empregos
Em fevereiro de 2016, a Souza Cruz fechou uma fábrica de cigarros em Cachoeirinha, na Região Metropolitana, sob alegação de perdas em função da expansão desenfreada do contrabando. Na ocasião, 190 funcionários foram demitidos. O episódio ilustra o impacto do crime sobre a geração de empregos formais.
De acordo com o estudo, as cigarreiras legalizadas sustentam 25,9 mil postos de trabalho no País, incluindo 4 mil diretos e 16,6 mil indiretos (o que inclui os fumicultores). “A produção de cigarros requer a aquisição significativa de bens e serviços de terceiros, provenientes de todas as partes da economia. Esses terceiros, por sua vez, compram bens e serviços de seus próprios fornecedores, sustentando outras atividades econômicas em todo o Brasil. E os trabalhadores empregados nas fábricas de cigarros, bem como seus fornecedores, gastam o salário que ganham em bens e serviços, impulsionando ainda mais a atividade econômica no País”, observa Marcos Casarin.
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A expedição
Pelo segundo ano consecutivo, a Gazeta do Sul pegou a estrada para conhecer os meandros do comércio ilegal de cigarros em alguns dos pontos estratégicos da rota do crime no país. Ao todo, o jornalista Pedro Garcia e o fotojornalista Alencar da Rosa rodaram quase 2,5 mil quilômetros primeiro até Foz do Iguaçu, no Paraná – onde boa parte do fluxo de mercadorias contrabandeadas ingressa por via fluvial – e depois até o Mato Grosso do Sul, que nos últimos anos tornou-se a principal porta de entrada de cigarros contrabandeados por meio terrestre.
No caderno especial, encartado na edição da Gazeta do Sul dos dias 14 e 15 de março, além de relatar em detalhes o funcionamento do crime após tê-lo visto de perto, a equipe apresenta análises e dados atualizados sobre o problema, bem como as iniciativas governamentais para tentar conter o seu avanço. O projeto “Os caminhos do tabaco” conta com patrocínio da Prefeitura de Santa Cruz, Sinditabaco, Unisc e Afubra e apoio da City Car.
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