Devo ter nascido com um chanel cacheado de franja longa. Não há testemunhas para confirmar, mas a farta cabeleira me acompanha desde onde minha lembrança alcança. Uma exuberância que me causou traumas. Na infância, fui assombrada por uma foto de Carnaval. Mara e eu, de odaliscas. A criança magrinha que eu era aparece virada em cabeça na imagem em preto e branco. Na agitação do bailinho, não me ative aos grampos que minha mãe colocou e as melenas onduladas se soltaram alegres. Enormes.
A virada veio nos anos 80, com a moda das madeixas volumosas. De repente, eu tinha o estilo que as outras queriam. E desde então, durante muitos anos, admirei e agradeci o cabelo que Deus e a genética me deram.
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Ocorre que, mais cedo ou mais tarde, eles ficam brancos. Um fio ali, um fio aqui… e, quando você menos espera, precisa recorrer às tintas a cada 15 dias para evitar a faixa emergindo como uma denúncia: olha só a tia fingindo ser garotinha. É uma prisão cosmética. Um saco. Quem tem sorte de não precisar disso, ou precisar pouco, não esconde. Chega aos 50 e proclama para as amigas: “Eu nunca passo tintura. Quase não tenho fios brancos”. Mas que ódio.
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Só que, nos últimos tempos, isso vinha me cansando. Eu queria assumir o meu cabelo em versão absoluta. Eu queria me assumir em versão absoluta. Ou o que fosse possível. Foi um longo processo, entre tentativas e desistências. Afinal, em uma sociedade que avalia as mulheres por sua aparência (leia-se, juventude), envelhecer não é moleza. Mas tem suas compensações. Uma, a mais importante, é se olhar no espelho e gostar. A outra são os privilégios que você conquista.
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Ao menos comigo, uma grisalha muito grisalha. De um modo geral, as pessoas passaram a me tratar diferente. Mais gentileza de motoristas que param para eu atravessar a rua e no comércio, por exemplo. Um tal de senhora pra cá, senhora pra lá com o qual me acostumei rapidinho. Quando minha mãe faleceu há alguns anos, vivi uma epopeia em bancos para liberar um seguro, acessar uma poupança, coisas assim. Quase perdi a conta das vezes que precisei ir em uma instituição específica tanto na agência de São Gabriel quanto em Santa Cruz. Sempre faltava alguma coisa. Eu sempre estava na agência errada. Dias atrás, no mesmo local, fui preparada para o sobe e desce daquele tempo. Começa-se no térreo, daí se sobe ao terceiro, daí se desce ao segundo, e depois se volta novamente ao terceiro para finalizar. Não é que foi tudo diferente? Com os meus maravilhosos cabelos brancos, fui encaminhada a um rapaz simpático que me disse: “A senhora não precisa se preocupar. Vou resolver tudo por aqui. Fique tranquila”. E não é que resolveu mesmo?
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