A cadeia do tabaco no Brasil e em outros países mira com expectativa e inquietação a nova Conferência das Partes (COP) da Convenção-Quadro para Controle do Tabaco (CQCT), que vai ocorrer em novembro próximo, na Cidade do Panamá. A iminência desse evento é tema de entrevista especial que a chefe-executiva da Associação Internacional dos Produtores do Tabaco (ITGA), Mercedes Vázquez, concedeu à Gazeta do Sul.
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Ao final de fevereiro, Mercedes esteve em visita a uma das filiadas, a Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra), ocasião em que também fez visitas a campo e a empresas na região. Nascida na Andaluzia, ao sul da Espanha, Mercedes está na ITGA desde 2010, e em 2021 sucedeu ao português António Abrunhosa na chefia executiva, quando este se aposentou após duas décadas junto à entidade. Ela conhece bem a realidade na maioria dos países produtores.
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Gazeta do Sul – A senhora teve uma agenda recente pela ITGA em Santa Cruz e na região de tabaco ao Sul do Brasil. Como foi essa vivência?
A Afubra, como membro fundador do ITGA, e um dos nossos principais parceiros organizou uma agenda onde tivemos oportunidade durante os dias da nossa visita de contactar todos os principais parceiros no setor. Isso incluiu a visita aos produtores, companhias e Profigen e Sinditabaco, o que foi muito importante para perceber a realidade da perspectiva do produtor no Brasil. A agenda desenvolvida foi muito produtiva e enriquecedora. Conseguimos voltar com uma visão clara do setor no Brasil e perceber os desafios que enfrenta para, dessa forma, acompanhar de forma mais eficiente e proporcionar apoio nas áreas onde o ITGA atua de forma global. Foi de extrema relevância conhecer em primeira mão as muitas iniciativas exemplares que a Afubra está a desenvolver no âmbito social e meio ambiental. Temos um enorme orgulho de poder contar com a Afubra como membro que tem sido pioneiro no setor e serve de inspiração para outros membros do ITGA em outras regiões do mundo.
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O Brasil segue como importante referência mundial na atividade?
O Brasil continua a ser um dos mercados mais importantes no contexto da produção mundial de tabaco em folha. Se excluirmos a China, que opera a um nível diferente e se concentra principalmente no mercado interno, e as variedades de tabaco ora cultivadas pela Índia para o mercado local, o Brasil é o maior produtor do mundo. Com cerca de 600 milhões de quilos de FCV, Burley, Comum e outras variedades de folhas, o Brasil é um dos principais exportadores em nível mundial. O que torna o mercado ainda mais especial é a associação local de produtores de tabaco, a Afubra, membro fundador da ITGA. A Afubra é grande exemplo de sustentabilidade a longo prazo e de esforços de diversificação que são vistos com grande respeito internacionalmente. Basta ver os números-chave da feira Expoagro Afubra 2023 para perceber a dimensão do alcance da associação.
Quais são, na atualidade, os maiores obstáculos da produção de tabaco no mundo?
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Desde a perspectiva do produtor, os desafios para a produção a longo termo de forma sustentável têm de vir acompanhados de preços justos. Os produtores de tabaco no Brasil cumprem com as expectativas requeridas no âmbito social e meio ambiental, aplicando o que há de melhor nas boas práticas agrícolas. Além de cumprir com esses requerimentos, o tabaco produzido é de uma excelente qualidade. Isso tem de ser recompensado com os preços aplicados em cada safra, do contrário o produtor sente-se desanimado e desmotivado a continuar com essa lavoura. Por outro lado, os desafios inerentes a toda a cadeia de valor têm de ser abordados de forma coletiva, e o Brasil trabalha nesse sentido.
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Os incessantes ataques ao setor de tabaco por parte das organizações antitabagistas cada vez ganham mais força e a resposta deve ser conjunta e consistente. Devemos esperar no futuro próximo a continuidade que estamos vivendo na carência de insumos e o impacto que isso irá criar na cadeia de valor do tabaco. O ambiente político mundial com a guerra na Ucrânia, que estabeleceu um antes e um depois no contexto geopolítico, tem de ser visto como um fator que a longo prazo continuará a modificar todos os mercados e respetivas economias. A falta de alimentos irá reforçar a imagem do tabaco como inimigo comum, alimentando os argumentos dos antitabagistas. Devemos estar preparados para esse contexto e fortalecer a nossa mensagem de que o tabaco proporciona grandes benefícios às regiões onde é cultivado.
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Como a senhora avalia o respaldo público e privado a produtores e colaboradores do setor?
Os governos têm obrigação de providenciar mais apoio. Em alguns casos, nem sequer ouvem a voz do produtor e isso cria enormes problemas na dinâmica das políticas desenvolvidas a nível nacional. O setor do tabaco goza de boa reputação em muitas regiões do mundo porque lhe é reconhecido o impacto positivo nas regiões e nas comunidades onde é cultivado. O tabaco sempre foi uma agricultura de âmbito familiar e isso se traduz em um vínculo que liga as pessoas ao cultivo de forma emocional e o compromisso de respeitar e melhorar o entorno.
Como a ITGA e as associadas trabalham para fortalecer o setor, pela geração de empregos e renda?
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Há países onde o tabaco representa fatia muito alta na geração de emprego. Mencionando alguns: Malawi, Zimbábwe, Moçambique, Indonésia, Índia, República Dominicana… No entanto, num contexto mais microeconômico, o cultivo não pode ser subestimado. Há regiões inteiras em países onde a principal fonte de emprego e recursos é proporcionada pelo cultivo de tabaco. Aí o número multiplica com facilidade.
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Como as campanhas antitabagistas têm afetado a produção e o comércio?
Elas têm afetado no sentido de como os países adotam medidas que podem ser contraproducentes. Em países onde o sentimento é antitabagista, a voz do produtor não é ouvida e as políticas são adotadas com pouca prudência. Algumas podem ter consequências irreparáveis. O incremento de exigências exerce uma enorme pressão no produtor que tenta manter margens de lucro dignas. Isso determina que, em muitos países, os produtores se vejam desanimados a produzir e tentem outras culturas. Embora seja difícil encontrar na maior parte dos casos outras culturas que substituam a rentabilidade proporcionada pelo tabaco.
Neste ano, haverá outra edição da COP. A ITGA teme nova medida?
A argumentação utilizada pelo CMCT está mudando para um plano que pode ser perigoso se não atuarmos de forma conjunta e consistente. Não podemos esquecer que os assuntos que ficaram pendentes na última COP9 incluem direitos humanos, ou seja, como o cultivo de tabaco desrespeita essa liberdade universal. A isso somam-se as acusações sobre o impacto climático e ambiental. A sobrevivência e continuidade desse convênio marco para o controle de tabaco dependem muito de fazer do tabaco um alvo contra os movimentos internacionais para a proteção dos objetivos sustentáveis. Por mais absurdos que esses argumentos pareçam, não podemos subestimar o poder de manipulação que temos visto ao longo dos anos. Devemos preparar-nos para o pior e esperar pelos melhores resultados ao nosso favor em defesa do setor.
Em edições anteriores da COP, a ITGA e os produtores não tiveram acesso. Isso pode mudar nessa edição?
O artigo 5.3 tem servido como ferramenta ilegítima para manter os legítimos representantes do setor fora das mesas de negociação. Entidades legais afirmam que esse artigo é utilizado de forma inconsistente, desrespeitando os direitos e liberdades dos países que fazem parte do tratado. A ITGA trabalha para mudar esse contexto. Estamos conscientizando os governos nos países onde a ITGA organiza reuniões. Vamos desenvolver ferramentas para expor a situação de forma contundente e atuaremos em coordenação com os países membros da ITGA.
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A produção no Brasil ocorre em áreas familiares diversificadas. É assim também em outras nações?
Muitos dos produtores estabelecidos em todo o mundo estão muito bem diversificados e há muito tempo. É claro que existem diferenças nos níveis de mecanização em mercados como os EUA vs América do Sul vs África, mas isso não é uma novidade em nenhum dos mercados estabelecidos. No entanto, devemos dizer que o Brasil foi pioneiro em muitas iniciativas excelentes que podem ser tomadas como referência noutros países.
O tabaco é uma cultura ainda com longo futuro pela frente?
O tabaco é uma cultura legal, inserida numa cadeia de abastecimento legal, que envolve pessoas e entidades em todo o mundo e proporciona meios de subsistência a milhões de pessoas. Olhando para as tendências de consumo, podemos assumir com segurança que a procura vai se manter estável num futuro previsível. No entanto, estamos acompanhando de perto as mudanças que ocorrem na indústria, especialmente no que diz respeito a novos produtos, para que a ITGA e os seus membros estejam preparados para enfrentar os desafios presentes e futuros.
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