Uma nova queda de braço entre Assembleia Legislativa e Poder Judiciário se estabeleceu após um grupo de deputados iniciar uma movimentação para barrar a implantação de um novo auxílio para juízes. Enquanto os parlamentares acusam excesso de benefícios e alegam que o momento é inadequado para aumento de gastos públicos, os magistrados afirmam que o pagamento é justo e reivindicam a autonomia dos poderes.
Além do auxílio, que seria voltado a premiar juízes com alta demanda de processos, os deputados também criticam um pedido feito pelo Tribunal de Justiça de pagamentos retroativos que podem somar mais de R$ 360 milhões. Na semana passada, 13 deputados assinaram um manifesto com fortes críticas ao Judiciário. Já nesta semana, representantes da Frente de Combate aos Privilégios foram recebidos pela presidente do TJ, Iris Helena Medeiros Nogueira.
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No ano passado, a Assembleia aprovou a suspensão do pagamento de auxílio-saúde para integrantes do TJ, Ministério Público e Defensoria Pública. O benefício garante o reembolso de despesas com saúde de servidores e membros. Em dezembro, o TJ anulou a decisão da Assembleia. Segundo um dos integrantes da Frente, Fábio Ostermann (Novo), o novo auxílio é um “bônus autoconcedido” e pode custar R$ 41 milhões por ano aos cofres gaúchos. “Não se trata de uma quantia meramente simbólica ou banal, diante da situação do Estado”, disse.
Quanto aos retroativos, o parlamentar entende que os juízes passaram a ter direito aos valores apenas no momento em que o regime foi instituído no Estado. “O STF já deliberou em um caso análogo envolvendo o MP. O que nós sugerimos é que a Ajuris buscasse o pagamento por vias judiciais. Mas não cabe ao TJ fazer o papel de lobista da classe dos juízes”.
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Sem sinais de recuo por parte do TJ, Ostermann diz que será buscado apoio de mais deputados para “enquadrar esses crescentes privilégios” e que isso ocorrerá “por vias legislativa ou judiciais”. “O que nós estamos buscando fazer é mostrar que a sociedade não aguenta mais tantos acréscimos salariais à revelia da lei e em clara afronta ao princípio da legalidade”, disse.
Os benefícios
O Tribunal de Justiça encaminhou, no ano passado, ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) um pedido de autorização para o pagamento retroativo de valores a juízes e desembargadores. A alegação é de que o regime de pagamento por subsídio foi implementado para a Justiça Federal e os ministros do Supremo Tribunal Federal em janeiro de 2005, mas só adotado para os magistrados gaúchos em fevereiro de 2009. O valor reivindicado, que chega a R$ 367,1 milhões com correção, corresponde a esse intervalo de tempo.
O TJ também está em vias de regulamentar um abono para magistrados com maior número de processos que atuam em comarcas com menos juízes. Recomendado pelo CNJ e aprovado pelo Órgão Especial, o prêmio poderia chegar a R$ 9 mil por mês. Segundo o TJ, os juízes de primeira instância seriam os principais contemplados.
Entrevista – André Luis de Moraes Pinto, diretor do Fórum de Santa Cruz e membro da Ajuris
- O senhor considera adequada a criação de um bônus para juízes com alta demanda?
Na iniciativa privada, quando há muita demanda, se contrata mais trabalhadores. No serviço público, quando o volume de trabalho é desproporcional aos recursos humanos, caberia a criação de novas unidades e cargos. No Poder Judiciário estadual, há uma carência de mais de 200 juízes e quase 2 mil servidores. O volume de processos, em média, é de mais de 7 mil por vara. É desumano e muito superior ao recomendado. Para a solução ideal há obstáculos de difícil superação, em razão da política liberal adotada pelos últimos governos. O orçamento do Poder Judiciário está congelado há vários exercícios, a Lei Mansueto impediu contratações durante a pandemia, há as travas da Lei de Responsabilidade Fiscal e, agora, esse quadro de impossibilidades tende a se agravar com a adesão ao Regime de Recuperação Fiscal. Então, nada mais justo que remunerar a sobrecarga de trabalho prestado pelos juízes gaúchos, nos últimos anos entre os mais produtivos do País, enquanto instrumento de reconhecimento e valorização.
- E quanto aos pagamentos retroativos?
O que define a adequação da pretensão não é o quantitativo, muitas vezes resultado do largo tempo sem que tenha sido pago, mas sim a envergadura de um direito que se entende violado. E, no caso, estamos convictos da legalidade e da moralidade da pretensão. Quando um trabalhador propõe uma reclamatória contra o empregador, o que mais importa não é a conta final, e sim os direitos que a lei lhe assegura e que foram descumpridos. Quando uma empresa cobra do Estado a devolução de tributos, o faz com base no direito que entende possuir e não nas normas de economia e finanças públicas. A justiça é alcançada por meio do direito e não de avaliações mercantilistas.
- Como o senhor vê a ação dos deputados que aprovaram a suspensão do auxílio-saúde e agora tentam barrar esses benefícios?
As críticas devem ser recebidas enquanto expressão democrática e, portanto, são legítimas. No entanto, não significa que os críticos tenham razão e que o instrumento que utilizem seja correto. Os decretos legislativos da Assembleia quanto ao auxílio-saúde padecem do vício de inconstitucionalidade, tanto que assim decidiu o TJ-RS, à unanimidade, em caráter liminar, na ação proposta pelo Ministério Público. A sociedade deve distinguir o que é crítica política, o que é manifestação com cálculo eleitoral e o que é questionamento com base jurídica, apresentado pelo meio legal adequado. As pessoas não sabem que juiz aqui no Estado não possui verba de gabinete, veículo oficial, cartão corporativo e imóvel oficial, que não pode exercer qualquer outra atividade (à exceção do magistério), que paga imposto sobre toda a renda na alíquota máxima de 27,5% e a remuneração é a menor do País, distante do patamar equivalente às responsabilidades constitucionais.
- Há, na sociedade, uma percepção corrente de que a categoria dos juízes possui vantagens e benefícios em demasia. Como o senhor responde?
O “senso comum”, como a própria designação sugere, não é parâmetro definidor da razão, pois, em regra, ele não é formado considerando todos os elementos relevantes e a complexidade das questões, pelo que fica prejudicada uma avaliação responsável e esclarecida. A percepção mencionada talvez seja fruto da ênfase que se dá à concessão de direitos à magistratura, ao mesmo tempo em que outros temas tão ou mais importantes, com repercussão no orçamento público, passam à margem do debate público. Cito como exemplos de algo naturalizado e não questionado as isenções tributárias, que no Estado passam de R$ 10 bilhões, sem que se saiba com transparência qual a política de concessão, os critérios e contrapartidas. Também muito pouco se fala acerca da dimensão da sonegação fiscal, quem são os maiores sonegadores, bem como dos critérios de concessão de bens e serviços públicos, em favor da iniciativa privada, e do gasto com propaganda oficial.
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